Vinha pela rua e vi uma adolescente sozinha, chorando
num banco de praça.
Quase não acreditei no que via. Pensei até que fosse
uma performance artística, uma encenação para TikTok, algum protesto silencioso
contra o aquecimento global ou o preço do sorvete. Mas não: era só tristeza
mesmo. Aquela coisa antiga, sem patrocínio, sem wi-fi e sem filtro.
O curioso é que o que me chamou a atenção não foi o
choro. Foi o contexto. Uma adolescente. Um banco de praça. O choro. Três coisas
que eu não via havia muito tempo. Achei que tinham sido extintas — ou, na
melhor das hipóteses, privatizadas.
Hoje em dia adolescente não chora em praça, chora no
story. E banco de praça virou coisa de arquivo público, item de museu.
Adolescente moderno tem ansiedade, mas não tem tempo. Tem depressão, mas não
tem sossego. Quando muito, manda uma indireta no Twitter e vai dormir com fone
de ouvido. Chorar em praça pública, às quatro da tarde, é quase um escândalo.
Uma imoralidade. Como diria Nelson Rodrigues, é coisa de gente que perdeu a
compostura. E quem perde a compostura em 2025, num mundo regido por algoritmos
e remédios tarja preta, vira ameaça à ordem pública.
Fiquei ali, olhando de longe, meio constrangido com a
honestidade daquela dor. Uma dor sem explicação, sem legenda, sem hashtags. Uma
dor nua. Que não pedia curtida, não chamava atenção. Que apenas existia,
desprotegida, no meio da cidade.
A menina devia ter uns quinze anos, talvez menos.
Usava mochila, coturno, cabelo tingido. Tinha o rosto afundado nas mãos.
Chorava com o corpo inteiro, daquele jeito que só os adolescentes e os poetas
sabem. Com toda a intensidade de quem ainda não aprendeu a se proteger do
mundo.
Pensei em me aproximar. Dizer qualquer coisa. “Vai
passar”, talvez. Mas não fui. Não por covardia — embora também —, mas por
respeito. Porque aquele choro não era meu. Era dela. E há dores que não se
compartilham. Só se testemunham.
Fui embora com uma estranha esperança no peito.
Porque se ainda existem adolescentes que choram em
bancos de praça, talvez ainda haja salvação para o mundo. Talvez nem tudo tenha
sido engolido pelo cinismo, pela pressa, pela conveniência. Talvez, em algum
canto, ainda exista espaço para o escândalo do sentimento. Para a vergonha de
existir.
E, pensando bem, talvez seja isso que está nos
faltando: gente que chore na rua. Que se exponha. Que se entregue. Que
transforme a praça em palco de humanidade crua. Porque esse mundo de emojis
tristes e sorrisos em aplicativo está cada vez mais insuportável de tão
controlado. De tão irreal.
Fiquei imaginando quantas vezes eu mesmo já quis sentar
num banco e desabar. Quantas vezes precisei me esconder no banheiro do
trabalho, no carro, no travesseiro. Por medo. Por vergonha. Por costume. E
aquela menina, sem saber, me lembrou que sentir ainda é permitido. Que sofrer
ainda é humano. Que chorar ainda é uma forma de resistência.
Não sei por que ela chorava. Talvez por amor. Talvez
por medo. Talvez por nada. Adolescente chora por um olhar torto, por uma
mensagem não respondida, por um pai ausente, por um futuro incerto. E quem
somos nós para julgar? Se eu, com todos os meus boletos pagos e crises de
meia-idade bem ensaiadas, ainda choro escondido de vez em quando?
Aquela menina, sem saber, escreveu uma crônica. Não
com palavras — com lágrimas. E eu, leitor distraído, fui privilegiado por tê-la
lido ao vivo.
E voltei pra casa com vontade de escrever. Porque às
vezes tudo o que a crônica precisa é de um banco, uma tarde qualquer e uma alma
à flor da pele. O resto, o resto é só o mundo tentando parecer forte.