quinta-feira, 8 de maio de 2025

Rótulo, promessa e reprise.

 

Sou um brasileiro cansado. Exausto. E, como todo brasileiro cansado, carrego em mim uma contradição desconfortável: não suporto Lula, mas também não suporto Bolsonaro. E me dói dizer isso em voz alta porque, no Brasil de agora, recusar essas duas biscas é automaticamente se alistar no exército do inimigo imaginário. Ou se é gado ou comunista. Ou ladrão ou genocida. Ou vermelho ou verde.

A neutralidade é um crime. O pensamento complexo, traição. E o silêncio, covardia.

Permaneço aqui, no limbo. Entre um poste e um porrete. Entre o sindicalista e o capitão. Entre o cor-de-rosa e o verde-oliva. Como num episódio ruim de “Game of Thrones”, torcendo para que todos morram, enquanto o reino ferve e o povo queima vivo entre os escombros.

E me pergunto: como que a política de um país se transforma em teatro? Como que aceitar a dúvida se transforma em motivo de apedrejamento?

O pensamento crítico é doloroso. Pensar faz com que você seja rejeitado pelas duas torcidas. Pensar é ser punido por ter memória. A memória, no Brasil, é subversiva.

Lembro que Lula esteve no poder por mais de uma década. Nesse tempo, as empreiteiras nadaram em dinheiro, os banqueiros riram alto, e toma-lhe mensalão, petrolão, e os pobres... continuaram esperando.

Lembro que Bolsonaro flertou com o autoritarismo, debochou da morte, preferiu defender os filhos a dar seguimento à Operação Lava jato e vendeu a esperança a gritos histéricos.

 E, ainda assim, nos dizem que temos que escolher: É Lula!!!! Grito imitando a voz rouca o Alckmista... ou mito! Mito! Mito! Grito repetindo a turba. Como se a democracia fosse um jogo de dois botões.

Não é.

O Brasil não é uma democracia — é um acampamento, um fazenda cercada por água e gente falando espanhol. É uma arquibancada. Um estádio lotado onde todos berram e ninguém escuta. Onde a política virou reality show, e o voto, um emoji. A guerra ideológica o novo pão e circo. E o povo, coitado, ainda acredita que está jogando, quando na verdade é quem paga o ingresso.

E essa polarização não é acidente. É projeto. Funciona. Divide-se para reinar. Enquanto a esquerda e a direita gritam, o ovo, o café, o tomate, a sardinha, o filé, o arroz seguem caros, o salário segue indigno, a escola caindo aos pedaços.

Enquanto discutimos se um presidiário pode ser presidente ou se um militar pode ser messias, o país afunda como uma jangada furada em mar revolto.

É a velha história da Transamazônica: uma estrada que começa, mas nunca termina. Assim é o Brasil. Um país que não finaliza nada, nada além de sua própria desgraça — e isso não é por acaso. O inacabado é útil. É funcional. O Brasil é um projeto que deu certo para quem deseja que ele nunca dê certo.

A Transamazônica virou símbolo de promessa que não chega. De desenvolvimento que nunca desembarca. De progresso que anda em marcha lenta, atolado na lama. E não pensem que é incompetência, é estratégia. O inacabado serve bem. Um país onde nada se conclui é perfeito para quem vive de administrar o caos.

Nietzsche alertava: “quem luta com monstros deve cuidar para não se tornar um.” E aqui estamos, monstros de todos os lados. Espelhados no ódio que fingimos combater. A esquerda transformou-se em paródia da própria imbecilidade enquanto a direita picha estátua com batom após conversar discos voadores. E o centro... o centro virou um fiapo de esperança que ninguém mais enxerga sem binóculo.

Não se trata de ser isentão. Esse rótulo é só uma forma preguiçosa de invalidar quem não aceita jogar esse jogo viciado. Se trata de entender que estamos discutindo a moldura enquanto o quadro está em chamas. Se trata de reconhecer que estamos presos num looping histórico que repete 1889, 1964, 1989, 2002, 2018... e agora 2026 se aproxima como uma reprise de tudo.

É como assistir ao mesmo filme ruim várias vezes esperando que, desta vez, o final mude.

Mas não muda.

Porque o Brasil não quer mudar. Quer repetir. Quer berrar. Quer revanche. E, acima de tudo, quer manter intacto o velho teatro onde todos atuam, mas ninguém governa.

Nem Lula. Nem Bolsonaro. Nem final feliz.

Apenas mais um capítulo da tragédia cíclica chamada Brasil.

Nenhum comentário:

Postar um comentário