sexta-feira, 14 de maio de 2021

Eu sou a lenda - Se você viu o filme não conhece nada do livro

        

Odeio essa gente, tipo você, eu e todo mundo que assiste a um filme inspirado em livro e saímos do cinema com o discurso pronto: “Ain… o livro é tão melhor…

É claro que o livro é melhor, como pode um filme ter tanta entrega de tempo de vida do espectador como o livro?

Geralmente o livro é um compromisso de dias, não raro meses. Alguns de impossível adaptação, como “Cem anos de solidão” ou “O grande sertão veredas”, ou ainda “O ensaio sobre a cegueira” (embora haja tentativas, frustradas tentativas), outros de recorte que desconstroem toda a obra,como “A hora da estrela”, um filme até que bom, mas que ignora o principal personagem: o narrador Rodrigo S.M.

Mas não vim aqui pra lamentar este ou aquele livro que virou filme, são linguagens diferentes, geralmente algum pequeno aspecto da obra original é privilegiado e até porque eu tenho comigo que alguns filmes se equiparam ou superam suas versões escritas.

Não acredita? Pois bem: “O poderoso chefão”, “2001, uma odisséia no espaço”, “O iluminado”, “O cemitério maldito”, entre outros tantos e sim você não precisa concordar.

Mas chamar o filme com o Will Smith de “Eu sou lenda”, a obra do genial Richard Matheson, nomeá-lo com o nome de seu conto mais popular é estupidificar quem assiste, quem assiste, porque quem apenas leu jamais se deixará estupidificar por tamanha ignomínia…

Tinha o sonho de utilizar estupidificar e ignomínia no mesmo parágrafo, me senti tão importante agora. Tanto que utilizei estupidificar duas vezes no mesmo parágrafo e duas vezes.

Agora vejam, o livro trata de um homem isolado, o último ser humano do planeta cercado por vampiros. Nele se respeita toda a mitologia vampiresca: alho, estaca, luz do sol, cruzes; não que seja obrigatório para que tenha qualidade, digo que há a qualidade apesar de respeitarem tal mitologia… tudo numa tentativa pseudocientífica, mas intrigante, apontando para o debate sobre humanidade e sim, empatia. “E se ao descobrir que todos os seres se transformaram em monstros e todos os monstros começam a caçá-lo, quem afinal é o monstro? Você?”

Esvaziado, o filme não constrói uma narrativa excelente como nas versões cinematográficas de “A hora da estrela” supracitada, ou “Apocalipse now” ainda não mencionado, mas exemplo espetacular de como é possível construir uma nova obra prima a partir de uma outra obra prima. Se não sabe, “Apocalipse now” de Francis Ford Coppola  é a versão para as telonas de “O coração das trevas” de Joseph Conrad, ambos geniais. Sinal de que é possível, quando se quer e se tem talento, além de não ceder à pressão de estúdios, sim é possível transformar um livro genial em um filme também genial.

Como curiosidade li há pouco tempo este livro do filme que há muito assisti. Não senti a menor vontade de rever o filme. E como o filme foi ruim, na época não senti vontade alguma de ler o livro. Não que seja um pré-requisito de um filme extraído do livro, levar o expectador à leitura da obra original. Mas seria um leve indício de sucesso. Will Smith e companhia mandaram muito mal. 

                                                                        Mauro Marcel

Laranja mecânica: um filme impossível.

Fã de música clássica, Alex tem uma liderança natural, é carismático. Mas você conhece essa história, foi um filme do Kubrick muito popular em seu tempo, que muita gente diz bem, e para o bem da verdade preciso dizer que poucos assistiram e dos que viram, quem pensou sobre?

Depois de cometer um assassinato Alex é preso, depois de outra morte é levado para o “Tratamento Ludovico” que visa, não a sua reabilitação, mas o esvaziamento dos presídios, já que na Londres apresentada por Anthony Burgess a criminalidade é tão desenfreada que não deixa outra alternativa para o poder constituído senão alterar a mente dos presos com uma solução drástica: “Retirar a liberdade de escolha dos criminosos, causando um trauma tal que ao simples desejo do mal, sensações horríveis vêm ao corpo como enjoos, dores, tonturas, inutilizando assim qualquer possibilidade de maldade”.

Então temos um problema: se para a sociedade tudo bem, para o indivíduo eis a questão a se desenvolver: “O ser humano ainda é um ser humano se não tem a possibilidade de escolha entre o bem e o mal?” Ou seja: se você, querido leitor de Laranja Mecânica”, não pode escolher e for simplesmente programado para realizar um comportamento pré-determinado, que mérito há na bondade que faz?

Há na obra, inclusive, a personagem de um padre que levanta o questionamento, o mais grave, talvez, de todo o romance.

“Laranja mecânica” é duro, implacável, uma narrativa que deve ser lida como livro, com a sua linguagem estranha, sua maldade atroz. E é um filme impossível porque os assassinatos, os estupros, enfim, as maldades realizadas por Alex acontecem quando o jovem conta com seus treze anos de idade. Na literatura é possível mostrar uma criança em pleno delírio púbere realizando as maiores barbaridades e não incorrendo em crime contra o Estatuto da Criança e do Adolescente ou o que for a lei que proteja as crianças mundo afora. 

Se você foi um dos poucos que assistiu ao filme, leia o livro, impossível deixar de comentar que muito daquela Londres distópica já era real na época, em Londres e hoje se configura mais que pura realidade nas grandes cidades do mundo, no Brasil inclusive, com um pequeno porém: nossa realidade é muito pior que a do jovem Alex. Falta alguém levantar-se e criar, outros defender e alguém aplicar o Tratamento Ludovico. 

Como você se posicionará?

Mauro Marcel

quarta-feira, 12 de maio de 2021

Éramos seis, livro pra ler bem lido...

Acabei de ler o livro “Éramos seis” de Maria José Dupré. Devo admitir que nunca me interessei pela obra e admito ainda que não sei o motivo da minha falta de interesse. Minto. Minto muito. Descaradamente. O desinteresse veio de o livro ter sido encenado em formato novelesco e pela segunda divisão das emissoras de TV, o SBT, que em se tratando de novela, talvez figure, hoje, na terceira divisão, a série C dos folhetins. 

Pois bem, li o novelão de Maria José Dupré de uma única sentada (para quem não conhece o termo: de uma única lida, de uma vez só, do início ao fim sem parar, acho que deu pra entender…) 

“Éramos seis” um livro grandioso, fabuloso, espetacular e digno da perenidade da obra, ao menos dos que frequentam bibliotecas, salas de leitura, clubes de livro, etc. etc. etc.

A narrativa em primeira pessoa de uma mãe apresentando sua família: marido e quatro filhos. Com ela, os seis da história. Sim, você sabe contar, mas importante a forma como um a um as personagens vão tomando a cena, as suas personalidades, seu envolvimento com a dinâmica familiar: o pai distante (redundantemente patriarcal - seja lá o que isso queira dizer - vá ler pra entender), o filho mais velho (típico filho mais velho - vá lá no livro, está tudo escrito e muito bem escrito por sinal), o filho meio esquecido, que todos sabem que terá um grande futuro (será?), a filhinha querida e a ovelha negra, ou o ovelha negra, seria mais adequado.

São Paulo do início do século XX retratada: a rua Angélica, a praça da República, a avenida Paulista, o Brás, a Sé… as revoluções que sacudiram a cidade e o Brasil, a mudança de costumes, os hábitos das famílias de classe média baixa, indo cada vez mais pra baixo enquanto São Paulo se desenvolve, cresce e prospera. Cada vez mais pra cima.

Não consegui evitar a comparação desta típica família paulistana com outra de outro livro, com outras agruras, da mesma época, a de Fabiano, do romance desmontável de Graciliano Ramos “Vidas secas”. 

E por que não seria? Marido, esposa, filhos, animais de estimação e um meio específico. Em ambos, a morte de um membro da família é fator desencadeador de traumas: em um dos livros o trauma é maior. Em qual deles? Leia pra saber.
Excelente leitura. 

Por que mentir que não chorei ao fim? 

Chorei muito.

Chorei sim.


Mauro Marcel