quarta-feira, 2 de abril de 2014

Ditadura, orientais e privilégios

Eu quero falar da ditadura militar. Mas quero fazê-lo sem paixão, imparcialmente e analisando historicamente alguns indícios. Num artigo tão curto será impossível, mas quero registrar o início da minha opinião e como sempre: irritar direita, esquerda e perder alguns amigos.
               Os militares tomaram o poder no Brasil e depuseram o presidente no dia 31 de março de 1964. Em uma conversa com um professor que viveu esse período, na realidade o golpe foi no dia primeiro de abril, mas como foi chamado de revolução, intuíram a piada que seria uma revolução de primeiro de abril e moldaram a data de acordo com a ocasião. Com um pouco mais de pesquisa vi que essa informação é mentirosa, o golpe foi mesmo no dia 31 e há muita informação, inclusive jornais com a notícia.
Enfim, tomaram o poder com amplo apoio de setores empresariais, igreja católica, mídia e Estados Unidos. Logo, não era simplesmente uma ditadura “militar”. Era um regime autoritário, arbitrário e eticamente ilegal, mas não unicamente “militar”.
               Sua ascensão deveu-se como decorrência da confusão criada pela renúncia de Jânio Quadros, farsesca posse de João Goulart, parlamentarismo de araque, movimentos sociais se organizando, guerra fria, revolução cubana, alinhamentos mundiais, romantismo juvenil de esquerda, analfabetismo histórico, coronelismo também histórico, Diários Associados em declínio, Rede Globo em ascensão.
               Quando os milicos assumiram o fizeram com a desculpa de proteger a nação contra a ameaça vermelha e o fizeram com total apoio logístico e estratégico dos Estados Unidos, daí o ódio do seu professor de história aos irmãos do norte. Mas os americanos (do norte) estavam coerentes com sua linha de pensamento que consistia em alinhar todos os países das Américas sob seu jugo, impedindo que a União Soviética exercesse a influência que exerceu por exemplo em Cuba. Onde outra ditadura surgiu, e antes da militar brasileira. E muito mais sanguinária.
               Então o que havia eram jovens inspirados no modelo cubano, apaixonados pelas ideias marxistas, leninistas, maoistas, stalinistas, trotskistas, istas, istas.... Pessoas muito bem intencionadas (ou não), mas que não sabiam, ou ignoravam as dezenas, centenas, milhares, milhões de mortes sob os regimes comunistas.
               Falando assim vão me taxar de direitista sacana, vendido, etc., etc., Mas calma, ainda não terminei. Tive a oportunidade de conversar com gente que viveu sob regimes de exceção que viraram regra. Conversei com cubanos, alemães (orientais), russos. Nenhum tem saudade do tempo em que as bandeiras vermelhas tremulavam. Ninguém sente saudade de um tempo em que não havia nem papel higiênico pra limpar a bunda, muito menos de ter seu pai, mãe e vizinhos levados no meio da noite pra nunca mais. Não uma, nem duas, nem três pessoas me disseram isso. Verdade inconveniente: não havia um muro impedindo a entrada na Alemanha Oriental, havia um muro proibindo a saída. Um país ou uma penitenciária? Conversei com um alemão que perguntou pra mãe, ainda criança, o que tinham feito pra não poderem sair de daquele lugar.
               A questão é que o Brasil jamais seria ou será um país comunista, socialista. Não nos moldes de uma Cuba ou União Soviética. Beira o modelo chinês, mas nos falta disciplina.
               O que os militares fizeram foi atacar com canhões uma meia dúzia que acreditava que seria possível instaurar uma ditadura do proletariado no Brasil. Que ninguém pense que havia democratas lutando para pôr o Jango no poder, era uma luta ideológica que já estava ganha pela direita. Líderes que são exemplos da democracia brasileira aprovaram o golpe: Juscelino, Lacerda, Ulisses Guimarães, Tancredo Neves.
Uma direita retrógada que ainda acreditava que os livros eram nocivos aos pobres, que a educação não era um valor em si, que nunca acreditou na autonomia do indivíduo e tratou a todo o povo brasileiro como imbecis. E vestimos a carapuça. A vestimos até hoje.
Os verdadeiros democratas, nesse contexto, se encolheram. Ficaram à margem da história, mas permaneceram no país.
Sucedeu-se algo na nossa ditadura que não aconteceu nas outras latino-americanas. Enquanto temos, por exemplo no Chile, a ditadura de Pinochet, com um ícone populista, odiado, assassino, corrupto. Temos a mesma corrupção no Brasil, mas com a alternância de governo, os presidentes iam e vinham, havia um congresso (coagido) mas existente, havia repressão, mas festivais com canções de protesto sendo entoadas ao largo. Há quem chame a nossa ditadura de ditabranda dizendo que no Brasil não houve exilados e sim pessoas que decidiram ir embora, por exemplo.
E é verdade. Para que haja um exílio é necessário um pedido formal feito a uma embaixada de algum país. O Fernando Henrique Cardoso se exilou... no Chile. E lá foi professor universitário, viveu muito bem até que voltou após a lei da anistia.
Caetano e Gilberto Gil em Londres. Também quero ser exilado. Chico Buarque na França. Vamos entrar no mérito: exílio voluntário é exílio? Se ficassem teriam morrido? Difícil saber. Preferiram ir fazer a vida em outro lugar, quem não teve essa oportunidade que vivesse aqui. Morresse aqui, e muitos morreram. Segundo os dados pouco menos de 500, mais vários desaparecidos, nunca encontrados. Na argentina foram mais de vinte mil mortos, mais vários desaparecidos.
Mas ditadura ou branda, pouco importa para o Herzog enforcado no DOPS. Assassinato é sempre assassinato e não estou negando isso nem as torturas, a perseguição se deu sim. Foi horrorosa, péssima, nociva e nos atrasou em anos. Mas nada diferente do que já ocorria no Nordeste via coronéis, na ditadura de Getúlio Vargas (o Estado Novo), as várias décadas de instabilidade política do século XX, o Brasil nunca estável. Historicamente falando.
Porém, todavia, entretanto havia uma galera que ia pra luta e não foi graças a eles que houve a abertura política. A ditadura feneceu como uma fruta podre, caiu sozinha. E quem ficou à margem da história, podia agora protagonizá-la, os democratas.
Em 1985 os militares permitiram (não havia outro modo) eleger um civil pra presidente e quando este morreu forçaram a posse do vice, vice este que se recusava a assumir o cargo. Triste fim, o caminho do nosso final feliz veio com José Sarney presidente. Mas o pior ainda estava por vir.
Constituição aprovada em 1988 e eleições diretas para presidente agendadas. O medo dos vermelhos uniu novamente empresários, direitistas, coronéis e afins em torno da figura peculiar de um safado alagoano (nada contra os alagoanos, mas tudo contra este safado), sim o nosso final feliz foi Fernando Collor de Melo, apoiado por setores conservadores do poder, sendo o primeiro presidente diretamente eleito pelo povo.
É de corrente conhecimento o apoio da toda poderosa Rede Globo a Collor, inclusive no histórico e vergonhoso debate editado, acusações falsas, criação de uma novela de horário nobre afundando a candidatura de Lula. Tudo pra evitar o mesmo que queriam evitar em 1964. Que no Brasil se instaurasse um governo marxista.
Quer ouvir algo bonito? Um final feliz pra essa história? Acho que não tenho. Com o tempo, Collor foi deposto pela mesma Rede Globo que o elegeu (eu estava lá e “Caras pintadas” é mentira, manipulação ideológica).
Caindo Collor sobe ao poder Itamar apoiado pelos setores que apoiavam a ditadura, José Sarney e Fernando Collor. Os mesmo que depois apoiaram Fernando Henrique Cardoso (o pai do Real, que foi planejado no governo Itamar), também apoiaram Lula e hoje sustentam Dilma.
É bem simples: os mesmos que governavam no período militar governam agora. Quer um exemplo? Paulo Maluf era o candidato civil dos militares contra Tancredo Neves e chegou a pedir que o general Milton Cruz assassinasse o político mineiro. O mesmo Maluf foi cortejado por Lula para que apoiasse Fernando Haddad na conquista da prefeitura de São Paulo em 2012. O Maluf que se cruzar qualquer fronteira internacional será preso pela Interpol.
Não quero defender ditadura militar e fascismo de direita, muito menos guerrilha e romantismo de esquerda. A vida é diferente e não se faz com slogans e jingles.
O povo unido jamais será vencido, mas será manipulado por ambas as correntes ideológicas enquanto não houver educação.
Você mesmo que agora lê o que eu escrevo, odiando com certeza cada letra, ou sei lá, se perguntando o que eu quero com tudo isso. Você acredita mesmo que os anos 70 foram os mais violentos do Brasil?
Nos anos 90 havia duas, três chacinas por fim de semana. Pobres executados a rodo em favelas paulistanas, fortalecimento do Comando Vermelho no Rio de Janeiro, facções criminosas se organizando em São Paulo. Massacre no Carandiru: 111 presos indefesos, “mas presos são quase todos pretos”. Assim como as vítimas das chacinas supra citadas.
Liberdade de expressão? Pergunta pra alguém que era adolescente nos anos 90 se havia liberdade de expressão nessa época. Pergunte a um morador de favela se ele pode dizer o que quiser, onde quiser, como quiser. Se pode reclamar da boca de fumo na frente de sua casa a um policial passando com a rádio patrulha.
Com o assentimento do estado e da esquerda canhota que é contra a coca cola, mas apoia o uso de maconha.
Desculpa aos que pensam que o Brasil era um inferno no anos de ditadura militar e é um paraíso agora. Você acredita mesmo que chamar favela de comunidade e favelado de morador de comunidade faz alguma diferença no futuro da população brasileira?
O que acontece é uma limpeza ideológica, verdadeira lavagem cerebral.
Temos duas ideologias vivendo muito bem no Brasil:
·        A direita, que diz que devemos ser livres, mas apenas para comprar o que eles vendem;
·        E a esquerda, que diz que devemos ser livres, mas apenas pra ter a mesma opinião deles.
Nesse universo o Brasil se enfraquece, porque ninguém luta por uma ideologia da autonomia, em que cada vez precisemos menos do estado que fará seu papel que é investir o dinheiro dos impostos em serviços fundamentais para os cidadãos.
Desculpa não ser o texto sobre ditadura dos seus sonhos, mas a ditadura no militar não foi um regime de exceção no Brasil, porque no Brasil sempre foi regra intervir na administração pública, derrubar representantes do executivo, perseguir o judiciário. Matar civis indefesos, calar-se com medo de chumbo.
Ainda hoje morrem juízes, advogados, jornalistas, professores, moradores de favelas. Perseguidos pela ausência de um estado eficaz, que arrecada muito, mas não investe em serviços e fomentação de riqueza, mas sim na manutenção de benefícios, cargos e salários milionários para uma elite intocável.
Era isso que os golpistas de 64 queriam manter e saíram vitoriosos na tarefa. À custa de um verdadeiro genocídio que nunca parou, que começou com as caravelas aportando por cá e a eterna política de estado de manutenção de privilégios de coronéis, puxas sacos profissionais, lobistas safados. Os mesmos de sempre, fardados ou não. Canhotos ou não.
Enquanto isso acontece a esquerda prega a revolução bolchevique esquecendo toda a característica do povo brasileiro.
Enfim, nunca houve direita ou esquerda nas paragens tupiniquins. O que há é um bando de pilantra lutando proselitissimamente para conseguir algum privilégio do Estado, e tudo se acopla perfeitamente. E sem vaselina.

Por Mauro Marcel