terça-feira, 10 de junho de 2014

Perguntar não ofende - Fantasia

     Geraldo Alckmin fazendo propaganda diariamente em horário nobre sobre o que fez, o que está fazendo e o que vai fazer.
    Anunciou até metrô em Guarulhos. Há quase vinte anos no poder e agora anuncia metrô por essas paragens. 
     Por que não me surpreende que as pesquisas o apontem com vitória no primeiro turno?
    Quando assisto a uma peça publicitária de qualquer governo, em qualquer nível: Federal, Estadual ou Municipal, tenho a sensação de que estou perdido em alguma espécie de zona de exclusão, universo paralelo, além da imaginação. Como pode a realidade e a fantasia estarem tão dissociadas da realidade?
     Como pode o eleitor escolher a fantasia?

    Perguntar não ofende.


Por Mauro Marcel

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Veganos, agrotóxicos e a cor mais quente


     Fazia tempo que não assistia à um filme francês, não tanto pelo cinema europeu, coisa que adoro, nem serem exibidos apenas em estabelecimentos distantes, o caso é que não é igual a ver Os Vingadores. Assistir a filme desse tipo envolve toda uma logística desde a locomoção ao "dã" no final.
     Sendo o dã o típico: não entendi! Que sempre faço questão de explicitar e que o poser vegano abraçador de árvore faz questão de explicar.
     Me incomodam os veganos posers abraçadores de árvores, não por serem veganos, nem por abraçarem árvores. Mas pelo fato de sentirem-se melhores, mais humanos, "descolados", mais importantes que um humilde comedor de marmita.
     A alimentação orgânica é cara e quando só havia alimentos assim a fome era bem maior no mundo, graças aos agrotóxicos e aos hormônios temos alface e carne, num pão com gergelim (grãos transgênicos).

      Que importa que nasça um terceiro mamilo no meu peito, ou uma orelha na minha testa, ou que eu me envenene e caia infartado aos 75, pouco importa. Sem agrotóxicos e companhia eu viveria com fome e morreria idoso aos 30. Fato que os posers ignoram. Ignoram pois não leem além da capa do livro que discutem entre um baseado e outro, entre um e outro gole de vodka com energético.
     Desculpa veganos,. Estou generalizando. Mas vocês sabem do que estou falando. Claro que sabem.
     E foi sobre isso o filme francês da vez: "O azul é a cor mais quente".
     Adele tem 15 anos e Ema estuda Belas Artes, é descolada (a Ema) tem o cabelo azul, é artista plástica, pintora. Adele ama os livros, lê e os discute com professores e colegas, lê com profundidade.
     Adele tenta namorar um rapaz influenciada por amigas da escola. Tenta se adaptar. Em suma, é uma menina normal, excetuando seu extremo gosto pela leitura. Ok, gosto normal também.
     Ema tem o cabelo azul e é descolada.
     Descobrem-se apaixonadas e o que poderia ser apenas mais um filme sobre um casal de lésbicas, a meu ver,  transforma-se numa crítica ao proselitismo de pseudo artistas, pseudo intelectuais, pseudo filósofos, pseudo modernos de uma pseudo vanguarda.
     Adele sonha ser professora e é criticada pelos pais de Ema por ter "uma visão tão curta do mundo".
   Ema é "artista" e é criticada pela família de Adele por "não verem como alguém obter sustento e autonomia pintando quadros".
     Mas elas estão felizes e apaixonadas. (Há uma cena de sexo entre as duas que dura mais de dez minutos, o diretor (ou os produtores) apelaram um pouco (um pouco?) ).
     As coisas mudam quando vão morar juntas. Num corte brusco Adele aparece preparando o jantar para receber os amigos "descolados" de Ema, que aparece sem o azul do cabelo. Perdeu o brilho?
     Perdeu.
   Ema parece pouco confortável casada e quando os amigos se vão percebe-se o motivo: ela tem vergonha de Adele não ser artista. Não é "descolada".
    Fica claro quando Ema insiste para que Adele publique um livro, afinal, ela é só professora. Tem tanto talento e éprofessora. Adele cozinha. Ema reclama. Na casa de Adele comia-se macarrão, na de Ema ostras. Adele é a vida real. Ema se envergonha disso, dá cada vez menos atenção à Adele que buscando carinho acaba por se envolver com outra pessoa, sendo expulsa de casa. Ema apenas queria um pretexto.
     Adele entra em profunda depressão e quer voltar com Ema. Desiste apenas após sua ficha cair: o filme é francês (lembram?) o diretor carrega nas cenas longas e lentas: mostra Adele dando aula, alfabetizando, se importando com as crianças.
     Toda vez que Ema reaparece é triste e com alguma esperança de ter seus quadros expostos, tanto que numa das cenas finais convida Adele para a inauguração de uma exposição de quadros seus... com vários outros artistas.
     Na exposição Adele toda de azul, tem uma epifania: percebe que aquele não é seu mundo, que aquele sequer é um mundo, nada ali é real. O ex-ator hollywoodiano, os pseudo críticos de arte, tudo tão pseudo, fake, falso. E só então percebe o que é importante: ela mesma: a professorinha que dava aula para a sobrinha de uma das convidadas descoladas da exposição.
     Adele não precisa ter o cabelo azul para brilhar. Brilhava por si, tinha luz própria.
     Dá as costas sem se despedir, sem olhar para trás, é adulta enfim. Deixa pros adolescentes de 30, 40 anos o mundo de faz de conta.
     Foi assim.
     O nosso mundo está repleto disso: pessoas que se acham superioras porque cantam, desenham, pintam. Que diminuem o trabalho essencial à condição de sub-ocupações.
     Vi muito disso enquanto cursava História da Arte. O modo como os "moderninhos" não se interessam em compreender o mundo, já que se acham prontos (no auge de seus 19 anos) a querer mudá-lo. Se sentem superiores ao fútil cotidiano.
     Também me encantava com os cabelos azuis das Emas, ia fácil pelas cabeças dos "vanguardistas".
     Quando descobri que a melhor coisa, a mais vanguardista de todas, não é nova: o pensamento crítico. E isso não se constrói com cabelos coloridos, roupas retrôs, boinas e discursos de esquerda.
     Percebi a hipocrisia do fulano que odeia cinema europeu, não entende nada do que está acontecendo, mas quer ter assunto, quer ser o primeiro a assistir, a ver, a dançar, a beber, a fumar. Quer fazer parte, ser aceito como todos os adolescentes.
     Típico de pessoas que leem a orelha do livro e se acham especialistas. Ouviu falar de Marx pela boca do professor de história do Ensino Fundamental, aprendeu sobre Foucault com a palestra do filme Tropa de Elite de José Padilha. E não entende. Não entende porque não lê, não estuda. odeia o contraditório. Intolerante.
     Há várias Emas soltas em universidades, escolas, mídia, governo, bares, cafés, praças, festivais de música, festivais de cinema, rua Augusta...
     Todos têm o direito de ser ou não ser o que quiserem. Citando Marley: "Nos recusamos a ser o que queria que fôssemos, somos o que somos e é assim que vai ser."
     Me angustia o poder de encantamento que pessoas com esta postura têm nos meios supra citados. Acefalamente: criticam sem argumentos, argumentam sem fundamentos; frequentam barzinhos descolados ao lado da facu, raramente a sala de aula.
       Quando em aula procuram esvaziar o discurso do professor acusando-o de reacionário, direitista. Afinal, quem ele pensa que é? Ele só leu muito mais, tem teses publicadas, conhece culturas, relaciona ideias e conceitos. "Um pequeno burguês!"
     E o cara do barzinho? Vestido de mendigo pra se sentir um pouco melhor em relação ao nike no pé, ao i-phone no bolso e ao dinheiro na carteira (dinheiro fruto do trabalho do pai). Faz porque faz por denegrir a imagem do professor, é claro, jamais conseguirá refutar suas ideias, pois não lê, não estuda.
     Achei curioso um comentário na net redigido por um expectador do filme: "A Adele é confusa". Claro que é confusa. quem lê se questiona, pensa, luta contra os próprios ideais e convicções. A coerência é coisa de gente rasa: políticos, extremistas, ignorantes, românticos e afins.
     A confusão é necessária, água parada gera limo.
     Enfim, fui assistir  a uma história sobre um casal de lésbicas e encontrei um filme sobre a hipocrisia dos que não sabem preparar a própria refeição, mas se sentem mais grandiosos que o pai de família que acorda às quatro da manhã, pega ônibus lotado para ir e voltar do trabalho, come marmita, sustenta três filhos, mora em meio à violência e se diverte com Zorra Total, Faustão e futebol no fim de semana.
     Triste: odeiam livros, se dizem intelectuais.
     Também triste acreditar que a maioria dos que assistem a este filme vão apenas se encantar com a Ema. Ela é tão convicta, tão artista, tão... vazia.
     Adele é o dia a dia. O trabalho, o pensamento, a vida acontecendo, a formação do senso crítico, alguém que, segundo as palavras de um escritor maravilhoso "afina e desafina".
     Ema não. Ela é como o velho compositor baiano dizia "acha feio o que não é espelho".
     E só pra concluir: não tenho certeza sobre nada do que falei, mas continuarei escrevendo assim mesmo.
     Em francês o filme se traduziria como "A vida de Adele".
     Pelo visto, até o título no original é mais coerente com a história, porque azul não é  cor mais quente. A cor mais quente é a cor que eu quiser.

Por Mauro Marcel