terça-feira, 29 de outubro de 2013

Drops Rock 45 - Bibliografia Roqueira




Halloween, saci e fascismo

     Ouvi rumores atacando a comemoração do Halloween em terras tupiniquins e parei exatos 10 segundos para ouvi-los.
     No primeiro segundo vi de onde vinham as vozes: os mesmo anacrônicos de costume.
     No segundo ouvi o que diziam: que outubro é do saci e não das bruxas.
     No terceiro segundo percebi a justificativa: o Brasil está aceitando a cultura dos outros e abrindo mão de suas raízes.
     Parei por aí, passei outros sete segundos vomitando. Vomitei pouco, pois como filosofava Macabea: vômito é desperdício.
     Assim como é desperdício perder tempo ouvindo a mesma ladainha pseudo nacionalista, o velho papo da dominação imperialista, o velho papo da valorização da identidade cultural, identidade nacional, o velho papo da perda das raízes em contraposição à valorização do brasileiro.
     De fato o halloween não é próprio do Brasil, não conforme foi estruturado nos Estados Unidos, também não é nosso o Macdonalds, a coca cola, a disney, a Microsoft, a Apple, o Pica pau, o Facebook, o Twitter, o sutiã, o batom, a feijoada, o catolicismo, o protestantismo, os evangelhos, tudo aqui salvo Pindorama.
     Até o ENEM de 2013 soube disso ao pôr em seu conteúdo um texto falando das centenas de etnias hoje chamadas simplesmente de índios.
     O que não é índio no Brasil é estrangeiro e nós querendo salvá-los: vestindo, catequizando, alfabetizando, dando emprego e derrubando as florestas, etc. etc. etc....
     É o caldo de cultura brasileiro se fazendo valer.
     Há muito a ser valorizado na cultura brasileira e muito a ser descartado também. É opinião minha? É sim! Mas eu tenho direito a ela e em tempos de anarco fascismo alá Brasil, em que se queimam ônibus porque não há ônibus, fica difícil ter uma opinião discordante. 
     A própria palavra fascismo tem sua origem no aniquilamento da  individualidade. Vem de feixe, pois um feixe de lenha sozinho quebra fácil, juntos são mais resistentes. O feixismo. E a ideia do comunitário, da coletividade que serve em certos aspectos, mas que são totalmente execráveis em muitos outros.
     Voltando ao tema proposto neste artigo: falar de halloween no Brasil é ridículo porque carece de bases culturais, mas os filmes que chegam na mamadeira de todos os jovens brasileiros, o imaginário povoado de zumbis, heróis de quadrinhos, Freddy Krueger e afins, muita coisa.
     Ainda estamos longe de fundar uma cultura nossa, os livros demoraram a chegar, as escolas abriram tarde demais e as faculdades sequer são reconhecidas como instituições legítimas.
     É um páis que invade laboratórios de pesquisa pra salvar cachorros cobaias enquanto deixam igrejas, falsas igrejas evangélicas explorarem o dinheiro, a mente e a fé pública no horário nobre da TV.
     O saci não é a figura bonitinha desenhada na cartilha. Esse foi um saci idealizado da idealização, elaborado num concurso proposto por Monteiro Lobato e por seu poder econômico/editorial e qualidade literária inquestionável; chegou aos dias atuais e assim se perpetua.
     Sem querer desconstruir o saci ou construir o halloween, quero apenas usá-los num processo metonímico de desconstrução das mentes. Tarefa nada modesta, mas que deve ser feita aos pouquinhos por todos e não é feita por ninguém.
     Todo mundo falando ao mesmo tempo as mesmas coisas, todos feixes do mesmo fardo: termos datados usados à exaustão, criticas ao imperialismo via Facebook, fotinhas marcadas de depredação à prefeitura, ônibus incendiados pra terminar a noite num barzinho ouvindo MPB libertária de Caetano, Chico e Gil, discutindo cinquenta anos depois o embargo criminoso à Cuba, bebendo uma deliciosa cerveja, comendo um escondidinho de carne seca.
     Faz parte do pacote Brasil que todos recebemos ao nascer: enquanto discutem halloween há milhões saindo analfabetos das escolas, enquanto discutem alimentação saudável no horário nobre esquecendo da seca no Nordeste, discutem a eleição do ano que vem e não governam hoje, discutem no boteco e calam nas universidades por falta de argumentação sólida, pois o que é dito é a cópia da cópia da cópia da cópia da cópia: um fulano leu a orelha de "O capital", vestiu a camisa do Che, pôs a máscara do V de Vingança, calçou um All Star e saiu às ruas com um coquetel molotov nas mãos.
     Tudo bem, ele pode voltar pra caminha antes do último vigia chegar pra proteger os portões do condomínio e a propriedade que herdará dos pais.
     Quebrar uma agência bancária é fácil, quero ver estudar e revolucionar o sistema bancário por dentro, dando mais oportunidades aos pobres, com juros baixíssimos iguais aos aplicados pelo BNDES aos donos dos estádios da copa.
     A melhor qualidade da juventude é a coragem aliada à predisposição ao novo, mas devido à falta de leitura se tornam maleáveis, moldáveis, acessíveis à pessoas e organizações ridículas.
     Não associam suas ideias às próprias atitudes para perceberem as contradições inerentes às próprias ações.
     No lugar de discutir ideias, desqualificam o orador. É comum no vocabulário destes as palavras: vendido, reacionário, pelego, direitista, burro, racista, fascista, idiota, feio, babão, lero lero...
     E é fácil perceber o porquê disso: a juventude está acéfala, foram anos e anos de vazio intelectual e aos que tiveram a infeliz ideia de questionar resta sofrer o poder das patrulhas ideológicas.
     Não é dado a ninguém o direito de ser um feixe, temos de ser o fardo.
    Dentro do fardo há o conforto dos discursos prontos e das soluções fáceis aliados a uma perspectiva grandiosa de futuro.
     Não, a história não terminou com a unificação das Alemanhas, ela (a história) é contada hoje por muitas vozes e é necessário ouvi-las, compará-las e acreditar em uma pessoa ou em várias. Ou escrever você a história se não acreditar no que ouvir de ninguém.
     E se nessa história houver bruxas, tudo bem, se houver saci, ok. Desde que haja liberdade (palavra esvaziada nos dias de hoje e pouco utilizada nos discurso dos patrulheiros).
     Só que para escrever a história é preciso saber em que ponto dela se está.
    Então a coisa complica, pois enquanto uns buscam o futuro, outros o passado, quase não há quem busque interpretar o presente, pois as chances de errar é muito grande. Mas o risco é necessário e urgente desvendar as estradas por onde ninguém caminhou.
     E deixa quem queira acreditar em bruxas, sei que las hai.

Por Mauro Marcel

segunda-feira, 28 de outubro de 2013