quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Romantismo - Ouça o podcast no link



https://anchor.fm/mauro-marcel/episodes/Especial-Romantismo-e33smp/a-aa0dho
Quando assistia às aulas sobre Romantismo no antigo Segundo Grau ficava um tanto confuso com as professoras explicando o movimento literário de José de Alencar, Casimiro de Abreu, Gonçalves Dias e outros tantos escritores, poetas artistas que ajudaram a compor um cenário marcante da história da escrita nacional. Mas vamos com calma...
                Concordo com o exposto acima (estes escritores ajudaram mesmo a compor o cenário da escrita nacional), mas a abordagem, esta sim, estava um tanto equivocada.
Lembro-me das professoras apaixonadas cantando de cor os poemas de Álvares de Azevedo morrendo por amor e achava tudo aquilo muito ridículo.
Fui a fundo na leitura desses autores todos e nem precisei tanto, no próprio livro “Lira dos vinte anos” de Azevedo em sua segunda parte o próprio poeta satiriza seu comportamento excessivamente, como direi..., romântico. No poema “É ela, é ela, é ela”, por exemplo. Vale a pena dar uma lida.
E como é este comportamento?
                Pois bem. Você é romântico? Romântica? Gostaria de alguém assim ao seu lado?
                Imagine uma pessoa que morre por você, vive por você, manda flores, poemas, doces...  
                Esta figura o telefona diuturnamente e no meio da manhã você escuta um carro de som gritando seu nome “SÔNIA!!! SAIA SÔNIA!!!”  Ao fundo tocando Celine Dion no último volume acordando os vizinhos, sem você saber onde pôr a cara.
                Aí termina. Não tem mais relacionamento. Mas o seu namorado romântico não entende. Ele morreria por você. Ele mataria por você. Se não é para ficar com ele então não ficará com mais ninguém.
Muito perigoso, porque na vida real isso acontece, pessoas românticas matam, pessoas românticas morrem e, não sei qual a informação que você tem a respeito, mas o nome disso é crime passional, assassinato, suicídio, e não é uma coisa bonitinha.
                O romantismo é basicamente a estética da paixão. Paixão pela pátria, paixão por si, pela pessoa amada, por uma causa.
                A própria palavra paixão tem uma origem pouco afeita ao amor. O Romantismo não tem muito a ver com coraçõezinhos e beijo na boca. Na verdade, o romântico não se interessa muito por beijos. Mas estou sendo pouco didático, deixa eu ser mais claro:
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                Pesquisando a palavra “paixão” se percebe que sua origem vem da palavra grega “pathos”, que deu origem à palavra paixão, mas também à “patologia”, isto é, enfermidade, doença. Estar apaixonado é estar, de certa forma, doente. E você sabe disso, no período pascoal usa-se o termo “Paixão de Cristo” para se referir ao martírio infringido a Jesus.
Conclui-se que estar apaixonado é estar doente.
Conhece alguém que ao terminar um relacionamento parou de comer, deixou a barba crescer, parou de tomar banho, não queria falar com ninguém, se isolou no quarto debaixo das cobertas?
Gripe?
O romântico é o apaixonado nesse sentido, pois algo fora do normal acontece na cabeça de alguém que diz morrer e de fato morre, como nos livros e cito o maravilhoso “Amor de perdição” de Camilo Castelo Branco, ou Lucíola do já citado Alencar. A paixão que leva à morte.
Nesses enredos o que se exalta é um comportamento nada saudável. Note bem, o romântico não tem interesse na amada em questão, o que lhe interessa é o próprio sentimento, daí a professora do Segundo Grau me ensinando que o romântico é um egocêntrico.
Este comportamento tem mais a ver com o prazer que se extrai da dor que da afeição que se tem à pessoa amada. Então o desejo por amores impossíveis: a mulher casada, a prostituta, uma promessa feita no leito de morte de alguém, uma viagem, uma guerra, tudo o que impede o amor de acontecer.
Resultado de imagem para carrie a estranhaEm suma, imagine uma linha reta separando o ser amado da pessoa que a ama. O nome dessa linha é Romantismo. E neste espaço tudo o que couber de sofrimento, dor, autoflagelos, suicídio, tragédia.
Neste interim o casamento é o fim da fantasia, o beijo na boca o fim do sofrimento, o happy ending, o casal pulando juntos no abismo. Nada saudável, por certo.
Muita gente inteligente traça diversos caminhos de origem para o movimento romântico, eu prefiro pensar que o Romantismo é uma resposta humana demasiado humana ao processo de mecanização e industrialização da mão de obra.
Vou tentar ser mais claro: não havia como um jovem do século XVI pensar em sofrimento amoroso pois estava buscando água no poço para regar as plantações, muito ocupado em não morrer de fome. Quando o descendente deste jovem, três séculos depois, foi desobrigado disso por seu pai que o enviou à escola para assumir o controle da fábrica que lhe possibilitava passar horas e horas no ócio em frente às prateleiras da biblioteca, tendo contato com escritores, sonhos, desejos e mais ócio. Sim, na minha opinião a vagabundagem deu origem ao Romantismo e não há mal nenhum nisso.
A mocinha em casa, analfabeta séculos antes, agora poderia ler e, para não ter contato com o jornal direcionado aos homens, tinham uma folha apenas para elas, o folhetim, avô das novelas mexicanas e globais.
A palavra romantismo vem de Romance, o gênero textual que se popularizou neste período. Portanto não é redundante dizer romance romântico, pois há romances realistas, naturalistas, modernistas, regionalistas...
Havia a necessidade um texto menos prolixo, acessível. A linguagem romântica é coloquial, quase informal. Aberta aos não iniciados, mesmo cheia de vocativos, pontos de exclamações. Poemas para serem declamados em alto som, recitados à noite aos pés do túmulo da mulher amada, no leito de morte de um moribundo quase morto de paixão.
O Romantismo para alguns estudiosos da filosofia é a fundação do indivíduo, quando o homem se interessa mais por ele que pelo mundo que o cerca, mais ou menos isso.
Tendo a concordar, no Romantismo os livros passam a ter trajetórias mais pessoais que a das grandes histórias da antiguidade. Não é mais a história de Vasco da Gama cruzando o Cabo das Tormentas, mas a de Simão que se apaixonou por Teresa ao primeiro olhar, não mais Dante sendo levado ao inferno guiado por Virgílio, mas o inferno pessoal de Jorge e Carolina em A Viuvinha.
Resultado de imagem para amor doentioInfernos pessoais que abundam ainda no horário nobre dos diversos canais da TV aberta no Brasil, em telonas de cinema, revistas em quadrinhos.
Chegando a este ponto é necessário separar duas ideias bem distintas. De um lado o comportamento romântico: sinônimo que superficialidade, egocentrismo, paixão doentia. E do outro o ideário romântico dos personagens: um homem que está abaixo dos deuses, mas acima dos homens comuns, de elevada ética e moral, pregador do bem e fiel à mulher amada.
Pois uma coisa é Berta: protagonista, personagem feminina do livro Til de Alencar. Outra muito diferente são as mulheres reais, alvos de comportamento passional.
O homem romântico da vida real é impulsivo, apaixonado, egocêntrico, pensa em seus sentimentos mais do que na mulher amada, como já dito aqui, se preocupa mais com a paixão que com o objeto de seu afeto, tanto que ao conseguir essa conquista perde o interesse. O romântico deseja o sofrimento.

Este Inferno de Amar
Este inferno de amar - como eu amo! -
Quem mo pôs aqui n'alma... quem foi?
Esta chama que alenta e consome,
Que é a vida - e que a vida destrói -
Como é que se veio a atear,
Quando - ai quando se há-de ela apagar?

Eu não sei, não me lembra: o passado,
A outra vida que dantes vivi
Era um sonho talvez... - foi um sonho -
Em que paz tão serena a dormi!
Oh! que doce era aquele sonhar...
Quem me veio, ai de mim! despertar?

Só me lembra que um dia formoso
Eu passei... dava o sol tanta luz!
E os meus olhos, que vagos giravam,
Em seus olhos ardentes os pus.
Que fez ela? eu que fiz? - Não no sei;
Mas nessa hora a viver comecei...
[Almeida Garrett]

                Sofrer por amor é sinônimo de uma vida plena para o homem do Romantismo. O que minhas professoras viam com muito bons olhos eu não consigo entender com a mesma simpatia.
                Já a mulher do Romantismo tem de ser impalpável. Longe, distante. Quase morta. Quanto mais perdido o sentimento mais ardoroso o amor.

                Pálida à Luz
Pálida à luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!
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Era a virgem do mar, na escuma fria
Pela maré das águas embalada!
Era um anjo entre nuvens d'alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!

Era mais bela! o seio palpitando
Negros olhos as pálpebras abrindo
Formas nuas no leito resvalando

Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti - as noites eu velei chorando,
Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo!
[Álvares de Azevedo]

                Quase um cadáver. Na verdade, o ideal seria que ela morresse de fato, assim o sofrimento seria sem fim, o amor impossibilitado completamente e o desejo por dor seria atendido na mente doentia do romântico.
                Algumas informações sobre esses poetas causam espanto, alguns dormiam em caixões, frequentavam cemitérios, saiam no meio da noite fria enrolados em lençóis molhados com o objetivo de contrair tuberculose. Mais dor, mais satisfação dos sentidos.
                Alguns personagens claramente românticos: vampiros (o Conde Drácula), lobisomens, zumbis, corcundas (o de Notredame de Paris), monstros (o de Frankenstein).
                Fagundes Varela, poeta brasileiro deste período, chegou bêbado em casa e dormiu sobre seu filho recém-nascido, matando-o. O que lhe rendeu muito remorso, sofrimento e um lindo poema chamado “Cântico do calvário”.
Álvares de Azevedo morreu tuberculoso aos vinte anos de idade.
Castro Alves também morreu jovem dando um tiro no próprio pé em um acidente de caça.
Todos esses mortos jovens quase me lembram os roqueiros Jimmy Hendrix, Kurt Cobain, Sid Vicious, Janis Joplin, Cazuza, Renato Russo, Amy Winehouse (não tão roqueira assim) e outros tantos.
Resultado de imagem para homem aranha filme octopus                Já a construção dos personagens dos romances românticos são variações do mesmo tema: homem e mulher apaixonados e algo que os impede de realizar seu amor. Ao fim casamento ou morte.
                O homem sempre o herói que luta para levar seu amor à mocinha indefesa que o espera passivamente, às vezes um pouco menos passiva, mas sempre esperando seu amado com a boa nova do casamento. Ou com as ilusões destruídas, depressiva até o suicídio.
                Morrendo de amor. Romanticamente.
                Esta mesma estrutura se percebe ainda hoje no cinema, em filmes de heróis com super poderes (mais poderosos que os homens comuns, menos poderosos que os deuses). O Peter Parker com olhos desde a infância para a sua Mary Jane, o Clark Kent e Lois Lane e apenas ela, sem nunca olhar para o lado, sem nenhum conflito moral. O herói romântico sabe o que quer, tanto O guarani e Ubirajara quanto Flash Gordon e Bruce Wayne.
                Também uma outra característica romântica muito interessante é o fato de o espaço refletir, numa narrativa, os sentimentos interiores de um personagem. Como naquela cena de “A Branca de neve e os sete anões” em que a mocinha começa a cantar com os pássaros e todo o cenário se ilumina harmonizando sua felicidade de ar bucólico, ao morder a maçã o fundo escuro, sombras, a tristeza se aproxima, morte, luto, beijo na boca, suspense, luzes, justiça feita à mocinha, final feliz com a tela iluminada.
Resultado de imagem para mariana amor de perdição                Nas cenas finais dos filmes “Homem aranha”, os da primeira trilogia, em que o herói tem que resgatar a mocinha, sempre à noite, muita tensão, isto é, o cenário externo ajuda a compor o quadro de sentimentos e dor por que passam os personagens.
                A segunda metade do filme “Titanic” por exemplo. Na primeira toda iluminada refletindo a esperança em cruzar o oceano e chegar ao novo mundo. Quando o naufrágio: frio, noite, morte.
                O Romantismo é diverso no mundo. Há um jeito alemão de ser romântico com Fausto entregando sua alma ao demônio Mefistófeles em troca do amor de sua vida, Werther e sua  propensão ao suicídio; um modo francês hugoano lutando por igualdade, liberdade e fraternidade em livros como “Os miseráveis” e no Brasil divido didaticamente em três fases: Nacionalista, Ultrarromântica e Condoreira.

-Fase Nacionalista
                Imagine o Galvão Bueno narrando os gols da seleção brasileira, mesmo levando de sete a um da Alemanha a culpa nunca é do Brasil, que é um país perfeito. Nos poemas dessa fase o que existe é uma exaltação sem par dos elementos nacionais, ou assim percebidos: os índios, a natureza, a própria malandragem brasileira (vide “Memórias de um sargento de milícias” de Manuel Antônio de Almeida).
                Isso se explica pela proximidade do Romantismo com o processo de afirmação da independência do Brasil. O maior expoente foi o talentoso poeta Gonçalves Dias, com o famosíssimo e popular “Canção do exílio” que de tão ufanista chega ser citado em nosso hino nacional.

                Canção do exílio
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em  cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar sozinho, à noite
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que disfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
[Gonçalves Dias]

-Ultrarromantismo
                É o estereótipo do Romântico. O movimento das paixões agindo de forma absurda direcionado a um objeto feminino impossível de ser alcançado.
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                Além do óbvio exagero no uso de bebidas alcoólicas, drogas, também a busca pela automutilação não apenas metafórica.
                O maior expoente brasileiro desse período é Alvares de Azevedo, autor de dois livros, um de poesia: A Lira dos vinte anos. E outro de contos: Noite na taverna. Este segundo conta com cenas esplendorosamente românticas com assassinato e necrofilia. Exclui totalmente do imaginário de senso comum que percebe o Romantismo como um estética ligada a coisas bonitas e delicadas.

                LEMBRANÇAS DE MORRER
Eu deixo a vida como deixa o tédio
Do deserto, o poento caminheiro,
- Como as horas de um longo pesadelo
Que se desfaz ao dobre de um sineiro;

Como o desterro de minh’alma errante,
Onde fogo insensato a consumia:
Só levo uma saudade - é desses tempos
Que amorosa ilusão embelecia.

Só levo uma saudade - é dessas sombras
Que eu sentia velar nas noites minhas.
De ti, ó minha mãe, pobre coitada,
Que por minha tristeza te definhas!

Se uma lágrima as pálpebras me inunda,
Se um suspiro nos seios treme ainda,
É pela virgem que sonhei. que nunca
Aos lábios me encostou a face linda!

Só tu à mocidade sonhadora
Do pálido poeta deste flores.
Se viveu, foi por ti! e de esperança
De na vida gozar de teus amores.

Beijarei a verdade santa e nua,
Verei cristalizar-se o sonho amigo.
Ó minha virgem dos errantes sonhos,
Filha do céu, eu vou amar contigo!

Descansem o meu leito solitário
Na floresta dos homens esquecida,
À sombra de uma cruz, e escrevam nela:
Foi poeta - sonhou - e amou na vida.
[Álvares de Azevedo]

-Fase Condoreira
                Inspirada em Victor Hugo, escritor francês autor de “Os miseráveis”, os poetas desta fase se preocupam com os problemas sociais do mundo e que sempre abundaram em nosso país.
Resultado de imagem para os miseráveis                O maior problema social do período era, obviamente, a escravidão. Mas ainda assim o caráter romântico se apresenta, por exemplo quando o autor põe sua crítica num momento muito anterior ao seu período histórico. Como descrever uma cena do navio negreiro quando não havia mais este tipo de tráfico. Seria mais real e incisiva a crítica retratando uma senzala e criticando a sociedade construída a partir de tal premissa, não o fez, era romântico.
                Ainda nesta fase o amor acontece, porém, um amor já realizado. O sofrimento acontece pela ausência da amada depois de a já ter possuído.

Navio negreiro (Exemplo de crítica atemporal)
Era um sonho dantesco... O tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho,
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar do açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...

Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras, moças... mas nuas, espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs.

E ri-se a orquestra, irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Se o velho arqueja... se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...

Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece...
Outro, que de martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!

No entanto o capitão manda a manobra
E após, fitando o céu que se desdobra
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!..."

E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da roda fantástica a serpente
Faz doudas espirais!
Qual num sonho dantesco as sombras voam...
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás!...
[Castro Alves]

Boa-noite (Exemplo de amor realizado, o eu-lírico sofre por ter de se afastar da amada após uma noite de amor)

Boa noite, Maria! Eu vou-me embora.
A lua nas janelas bate em cheio...
Boa noite, Maria! É tarde... é tarde...
Não me apertes assim contra teu seio.

Imagem relacionadaBoa noite!... E tu dizes – Boa noite.
Mas não digas assim por entre beijos...
Mas não me digas descobrindo o peito,
– Mar de amor onde vagam meus desejos.

Julieta do céu! Ouve.. a calhandra
já rumoreja o canto da matina.
Tu dizes que eu menti?... pois foi mentira...
...Quem cantou foi teu hálito, divina!

Se a estrela-d'alva os derradeiros raios
Derrama nos jardins do Capuleto,
Eu direi, me esquecendo d'alvorada:
"É noite ainda em teu cabelo preto..."

É noite ainda! Brilha na cambraia
– Desmanchado o roupão, a espádua nua –
o globo de teu peito entre os arminhos
Como entre as névoas se balouça a lua...

É noite, pois! Durmamos, Julieta!
Recende a alcova ao trescalar das flores,
Fechemos sobre nós estas cortinas...
– São as asas do arcanjo dos amores.

A frouxa luz da alabastrina lâmpada
Lambe voluptuosa os teus contornos...
Oh! Deixa-me aquecer teus pés divinos
Ao doudo afago de meus lábios mornos.

Mulher do meu amor! Quando aos meus beijos
Treme tua alma, como a lira ao vento,
Das teclas de teu seio que harmonias,
Que escalas de suspiros, bebo atento!

Ai! Canta a cavatina do delírio,
Ri, suspira, soluça, anseia e chora...
Marion! Marion!... É noite ainda.
Que importa os raios de uma nova aurora?!...

Como um negro e sombrio firmamento,
Sobre mim desenrola teu cabelo...
E deixa-me dormir balbuciando:
– Boa noite! –, formosa Consuelo...

Por que estudar o Romantismo?

                No dia 13 de outubro de 2008 um rejeitado Lindemberg invadiu a casa de sua ex-namorada Eloá Cristina fazendo-a refém junto com seus amigos que haviam se reunido para um trabalho escolar.
O sequestro durou vários dias e terminou com a morte da moça.
Se você voltar ao início deste texto e notar a explicação sobre o comportamento romântico, verá que o sequestrador segue todo  o modus operandi romântico e o fim trágico foi devido ao comportamento também romântico de polícia, família e mídia.
Resultado de imagem para pintura românticaPesquise no wikipedia sobre a tragédia e veja como uma solução mais racional vai ficando cada vez mais distante a medida que todos os envolvidos vão se deixando levar por seus sentimentos. (Há o absurdo de autorizarem uma das reféns, que havia sido libertada pelo sequestrador a retornar ao cativeiro. Tudo sob os refletores dos canais de TV, internet e segurança pública).
Todas as pessoas precisam de alguma forma de afeto. O amor romântico é apenas uma das faces em que ele se apresenta.
Estudos apontam que a paixão é uma espécie de vírus que invade o corpo humano e tem o prazo de validade pré-estabelecido em, no máximo, três anos.  Uma visão um pouco fria a respeito dos sentimentos.
Vinícius de Moraes, grande poeta brasileiro, casou-se oito vezes, dizia querer viver eternamente apaixonado. Um caso quase patológico, assim como o do cantor Fábio Júnior e da dançarina Gretchen.
O que estou querendo dizer é que não se pode tomar decisões definitivas na vida tendo como ponto de partida um sentimento que embaça nosso raciocínio e que se transforma com o tempo. Não se pode basear o casamento em paixão. Não é saudável.
Resultado de imagem para narutoAssim como não é saudável querer controlar a vida da pessoa com quem se está relacionando, ou aceitar-se controlar. Cada ser humano tem seus desejos e aspirações independentes do parceiro ou parceira. Ciúmes, desejo, sexo, sonhos, e tudo o que faz parte de uma relação deve ser vivido intensamente, mas não pode ofuscar o brilho de cada ser, o impedindo de cumprir de forma plena sua jornada humana.
Estudar o Romantismo deve servir como uma oportunidade para professores e alunos discutirem o modo como se estruturam os relacionamentos no mundo contemporâneo, debatendo o papel da mulher e o do homem na sociedade. Assim como os relacionamentos abusivos, compromissos prematuros, tribos urbanas nocivas, vícios, comportamentos românticos repetitivos na sociedade contemporânea que mostra uma tendência em querer acreditar em fantasias, própria de uma época de pessoas que se fantasiam de Naruto, sonham ser astronautas e nunca leem um livro até o fim. Mas que acreditam que “tudo pode ser, se quiser será, sonhos sempre vêm pra quem sonhar”, porém não conectam seus fracassos às suas ações ou inações.

No mais, fora da escola, o movimento Romântico deve ser compreendido como o desejo do ser humano pelo impossível. A eterna busca demasiado humana da felicidade e uma janela aberta para o sol entrar iluminando fundo o nosso coração. Ou quem sabe, muito inspiração para alguns apaixonados beijos na boca. 

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Proteção às mulheres

Resultado de imagem para metrô vagão feminino                No começo foi pedido que as mulheres evitassem a praia em determinados horários, as próprias acataram a recomendação pois sabiam ser melhor para elas próprias. Certos homens não sabem se comportar perto do sexo oposto, então é necessário tomar muito cuidado e cuidar bem do sexo que não é frágil e merece respeito.
                Alguns meses depois uma mocinha muito linda foi atacada num sábado à tarde no ponto oeste da praia, houve muito debate sobre quais razões levaram tal fato a ocorrer, constataram que certos homens não sabem se comportar perto do sexo oposto, então é necessário tomar muito cuidado e cuidar bem do sexo que não é frágil e merece respeito.
A medida tomada foi, primeiro pedir que as mulheres não fossem à praia aos sábados naquele horário, depois que não frequentassem mais àquela praia. Tudo com o objetivo de auxiliar o convívio e garantir a segurança.
Resultado de imagem para metrô vagão feminino                Meses depois outras praias seguiram o mesmo modelo e quando alguns grupos feministas passaram a se sentir ofendidos por não terem acesso ao mar em determinados lugares eis que uma ideia maravilhosa ocorreu e dividiram as praias em masculinas e femininas, alguns casais se ofenderam, não poderiam mais surfar e construir castelos de areia juntos, mas sabe como é certos homens não sabem se comportar perto do sexo oposto, então é necessário tomar muito cuidado e cuidar bem do sexo que não é frágil e merece respeito.
                No caminho para a praia feminina uma senhora foi atacada, um imbecil passou as mãos em seus seios abrindo margem a um novo debate: o perigo não estava apenas na praia, certos homens não sabem se comportar perto do sexo oposto, então é necessário tomar muito cuidado e cuidar bem do sexo que não é frágil e merece respeito. Os ônibus foram separados, assim como os vagões de metrô, trens, qualquer forma de transporte público.
                No dia seguinte a esta sábia decisão governamental uma Inteligência superior percebeu que as mulheres andando de bicicleta poderiam ser interpretadas como um convite a qualquer tipo de assédio, assim como estar numa praia tomando banho de mar, ou quem sabe, sei lá deus, sem companhia no transporte público. As bicicletas foram proibidas às mulheres tudo porque certos homens não sabem se comportar perto do sexo oposto, então é necessário tomar muito cuidado e cuidar bem do sexo que não é frágil e merece respeito.
Resultado de imagem para mulher com véu                Voltando pra casa uma senhora foi atacada lá pelas tantas da madrugada e foi o suficiente para um novo debate, este um pouco mais complicado, mas de solução bem mais imediata e sensata: proibiram às mulheres de andarem sozinhas no meio da noite. Tudo bem se acompanhadas por um filho maior de idade, ou pelo marido. Afinal era dever do estado protegê-las e como se sabe certos homens não sabem se comportar perto do sexo oposto, então é necessário tomar muito cuidado e cuidar bem do sexo que não é frágil e merece respeito.
                Mesmo assim uma mulher já de idade, ao lado de sua filha foram estupradas por outro imbecil em plena luz do dia no subúrbio de uma grande capital de estado. As autoridades ficaram em polvorosa e muito foi discutido: certos homens não sabem se comportar perto do sexo oposto, então é necessário tomar muito cuidado e cuidar bem do sexo que não é frágil e merece respeito. Às mulheres foi proibido o acesso a qualquer lugar se não estivessem acompanhadas de alguém do sexo masculino, foi difícil isto, algumas se revoltaram, mas o estado precisava protegê-las e garantir sua segurança e bem-estar. Eram chamadas de traidoras, objetificadas e burras.
                Um grupo anti-proibição surgiu exigindo que bastava que às mulheres fosse liberado o porte de arma, mas cabe apenas ao estado o monopólio da violência, assim como está na constituição federal, assim como também está que todos têm direito a proteção. O estado deve proteger seus cidadãos e principalmente cidadãs, certos homens não sabem se comportar perto do sexo oposto, então é necessário tomar muito cuidado e cuidar bem do sexo que não é frágil e merece respeito.
                Muitas adaptações foram feitas nas rotinas de todas as pessoas: espaços de trabalho divididos, igrejas, calçadas. Proibiram as mulheres de utilizar as piscinas públicas. Teatros segregados, profissões em que as mulheres eram assediadas culturalmente foram proibidas. Certos homens não sabem se comportar perto do sexo oposto, então é necessário tomar muito cuidado e cuidar bem do sexo que não é frágil e merece respeito.
                Até que alguém teve uma grande ideia, o problema não era de certos homens, ou de todos os homens. O problema era da mulher que trazia em si a origem de todo o mal. Então as soluções começaram a ser aplicadas, lógico, após muitos debates e deliberações. Foi decidido que toda mulher deveria fazer uso de um lenço na cabeça ao sair na rua e caso não fosse casada ou tivesse filhos também dentro de casa. Isto tudo foi muito bem engendrado e organizado, tratou-se do Plano Nacional de Proteção à Mulher. No segundo ano, após a adaptação ao uso do lenço as mulheres teriam de vestir uma saia comprida que lhes cobrisse os tornozelos, no ano seguinte uma blusa escura levando em conta que os decotes já haviam sido extintos na época da proibição das bicicletas, depois por fim um singelo chapéu que descia do topo da cabeça até o queixo com uma linda rede escura possibilitando que a protegida pudesse olhar o mundo ao seu redor, o tamanho do chapéu aumentaria progressivamente até atingir a altura dos tornozelos.
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                Após o cumprimento da primeira fase do Plano Nacional de Proteção à Mulher deu-se início a fase dois: proibiu-se que as mulheres cortassem seus cabelos, depilassem suas pernas, usassem perfume e se locomovesse por qualquer lugar desacompanhada.

                A fase três do Plano está em debate. Estão debatendo a possibilidade da castração dos genitais femininos. Grupos de defesa dos direitos humanos são contrários a esta atitude exagerada, mas os apoiadores de tal medida nem se lembram mais porque tudo começou e apenas repetem que certos homens não sabem se comportar perto do sexo oposto, então é necessário tomar muito cuidado e cuidar bem do sexo que não é frágil e merece respeito e é obrigação do estado proteger e cuidar muito bem de suas mulheres.

sexta-feira, 21 de julho de 2017

O Arcadismo - (Escute o podcast no link)

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https://anchor.fm/mauro-marcel/episodes/Arcadismo--Lagoa-azul-e-o-Segredo-de-Brokeback-Mountain-e317do/a-a9cdog
        Há um filme muito interessante chamado “O segredo de Brokeback mountain” do diretor Ang Lee que conta a história de dois pastores de ovelhas contratados para pastorear durante o inverno. Ao longo da história os dois cowboys vão criando um laço de amizade que se transforma em paixão apenas interrompido pela descoberta do patrão que percebendo o relacionamento entre os dois empregados os demite e dá a entender que o faz por não aceitar que ambos pudessem se relacionar. Isto acontece com ambos ainda jovens e ao longo de suas vidas os dois sempre se encontram durante o inverno na montanha Brokeback para reviver o amor proibido naquele local idílico, em meio à natureza, mesmo no frio que não era problema. Os únicos entreveros surgiam quando algo ou alguém da cidade se punha entre ambos: preconceito, obrigações, cobranças.
O filme “A lagoa azul”, conhecido hit da sessão da tarde, também mostra como a felicidade é possível em meio à natureza na paradisíaca lagoa que dá título à história. Neste roteiro, um casal de crianças sobreviventes de um naufrágio cresce sozinho numa ilha e, em meio a quedas d’água, frutas tropicais, nudez e muito bucolismo, descobrem o amor. Que novamente é atrapalhado quando da influência do mundo exterior, motivo de preconceitos e degeneração do ser humano.
Esta dicotomia sempre ocorreu desde que as primeiras cidades modernas se desenvolveram.
Resultado de imagem para a lagoa azulNo poema épico brasileiro “Caramuru”, de Santa Rita Durão a personagem Moema vive feliz no idílico e natural Brasil colonial, ela é irmã de Paraguaçú que acaba por casar-se com Diogo Álvares Correia. O problema é que enquanto os três vivem seu triângulo amoroso sem reservas e todas as liberdades possíveis tudo tranquilo, tudo muito bem; a questão é quando Diogo decide levar Paraguaçú a Portugal para ser batizada e poderem casar-se. Moema pula no mar perseguindo o navio em que estavam sua irmã com seu cunhado e acaba por afogar-se tendo seu corpo jogado na praia pelas ondas. Exemplo claro de que preferir a cidade em detrimento de um ambiente idílico, bucólico e natural não seja uma boa ideia. (Há um filme homônimo do diretor Guel Arraes, que perde muito de sua força dramática já que na telona a Moema se salva e voltando à natureza é feliz servindo-se sexualmente de todos os demais portugueses que aportariam pelas terras tupinambás, vale como entretenimento).
No romance “Iracema” de José de Alencar dá-se a mesma situação: o português Martins e a índia Iracema se apaixonam em meio à natureza. Na busca por seu amor Iracema abre mão de sua cultura e encontra morte parindo o primeiro cearense Moacir, de significado o filho do sofrimento.
A Pocahontas da Disney passa pelo mesmo processo de encantamento pelo Capitão John Smith, com um final delicadamente mais ameno que o de Iracema.
Quase absurdo, mas é o mesmo plot do filme “Avatar” de James Cameron. Salvo o final feliz a história é basicamente a mesma. E clara a dicotomia urbano/selvagem, campo/cidade.
Já notaram como nos filmes clássicos da Disney as personagens se harmonizam de forma tão bela com a natureza, já imagino uma cena clássica com a princesinha valsando com um pássaro. Ou nas cenas de amor sob quedas d’água, fazendo amor nas cachoeiras, rolando num beijo apaixonado na areia da praia, correndo atrás do grande amor entre as flores de bosque sem fim.
Resultado de imagem para avatarNo romance “A cidade e as serras” do português Eça de Queirós o rico Jacinto tem todas as tecnologias e facilidades que a modernidade da época podem proporcionar, mas é infeliz, depressivo; apenas vê lampejos de felicidade quando, por força da ocasião, se vê preso em meio às serras sem nenhuma das tais tecnologias. No campo descobre que a felicidade está nas pequenas coisas, que é possível extrair alegria do correr do rio, do rasante de uma borboleta. Fica claro inclusive no próprio título a dicotomia campo/cidade.
O Arcadismo é uma estética um tanto quanto requentada. Chamada por alguns de neoclassicismo por retomar certas características do estilo de Camões, inova ao conferir poder sem par ao espaço natural. Aqui a vida em meio ao campo é tudo o que se espera, o que se almeja. Até a infelicidade no campo é menos infeliz e impossível satisfação em áreas urbanas. Também pudera, as primeiras cidades não eram exemplos de sanidade e organização.
Resultado de imagem para iracemaInflando devido ao impulso mercantilista, ou pré-capitalista, as cidades eram a única alternativa para fugir da extrema miséria e do abandono. O arcadismo é em si um grito pelo retorno à vida simples no campo, um grito um tanto quanto ingênuo, que ignora todas as dificuldades próprias da vida rural. Somos, a humanidade, basicamente urbanos porque gostamos de estradas, telefone, televisores, shopping centers e mesmo tudo isso não existindo no século XVIII havia o poder da coletividade mesmo em meio às fezes espalhadas pelas ruas, assaltos, prostituição e tudo aquilo que sempre foi próprio de áreas densamente povoavas. Mesmo em áreas extremamente degeneradas há a esperança de algum apoio humano, onde há bonança há restos. Triste constatar coisas deste tipo, mas raramente se observam cracolândias em meio a plantações de café, por exemplo.
Um exemplo interessante de como eram as cidades neste período vem da origem da palavra Water Closet (o WC de banheiro). Sempre que alguém passasse por alguma janela usada para despacharem o conteúdo dos penicos era alertado que passaria perto do quartinho da água (water closet em inglês). Isso mesmo, as pessoas faziam no penico e jogavam pela janela, dá pra entender como a ideia de uma vida no campo seria melhor. Lá pelo menos havia áreas abertas e pisar em cocô, se não raro, pelo menos longe de casa, perto de um rio com a possibilidade limpar-se após as necessidades, menos densidade demográfica, pensamento que degringolou no naturalismo da segunda metade do século posterior. Mas me adianto.
Resultado de imagem para moema índiaAs pessoas morando mais distantes umas das outras, como acontecia no campo não era fácil de perceber seus vícios, sua imoralidade, ou amoralidade. É o filósofo Jean-Jacques Rousseau o dono da frase “o ser humano é bom e a sociedade o corrompe” influenciando de forma cabal a literatura da época. Se a sociedade é ruim o que nos resta é nos afastarmos dela – o fugere urbem, ou fuga da cidade dos livros didáticos de literatura. Junto a isto o mito do bom selvagem, quer dizer, os índios brasileiros, por exemplo, seriam pessoas maravilhosas vivendo uma vida maravilhosa tal qual uma eterna Lagoa azul, ou uma montanha Brokeback. O que estraga tudo é a sociedade dita civilizada.
Esse pensamento ignora um monte de coisa, como muitas tribos indígenas vivendo em pé de guerra mesmo antes da chegada dos europeus, também o fato de alguns costumes selvagens merecerem mesmo a definição de selvagem como a antropofagia que Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral enfeitaram como um costume ritualístico, e que mesmo assim sendo não passa de homens devorando carne humana. Não importando a desculpa, isso é selvagem pra cacete.
Também o costume que algumas índias de determinadas tribos tinham de matarem o recém-nascido após o parto porque não poderiam arcar com o peso de uma jornada com a criança (este costume é muito bem retratado no filme “Brava gente brasileira” de Lúcia Murat).
A palavra Arcadismo vem do grego e quer dizer local de poesia para pastores, o neoclassicismo tem no convite do pastor à natureza seu principal mote. Isso e outros elementos como a busca de uma vida amena em recursos materiais, mas plena de realizações espirituais (áurea mediócritas), fuga da cidade como dito parágrafos acima (fugere urbem), aproveitar a vida enquanto possível (carpe diem).
Resultado de imagem para pocahontasO “carpe diem” merece um parêntese. (Carpe significar colher, diem significa dia. Colher dia é muito mal interpretado pela ótica romântica de aproveitar bebendo, transando, experimentando tudo porque a vida é curta e o amanhã improvável.
Pois é isso e algo mais.
Carpe diem para um árcade significa entender que a vida traz a degeneração do corpo, porque é óbvio que envelhecemos: olhos, pernas, mãos, enfim. Não é possível extrair o mesmo de quando jovem, portanto colher o dia também significa trabalhar com ardor porque os braços falharão na velhice, ler em exagero ora, ainda não haviam se popularizado os óculos. E sim, experimente os sabores, os dentes cairão. Carpe diem é um convite à reflexão devido ao processo degenerativo do tempo.) Fecha parêntese.
Os pseudônimos são comuns neste período, afinal são poetas urbanos relatando as felicidades do campo. Como no lindo trecho abaixo de Marília de Dirceu. Nele Dirceu convida sua Marília a viver com ele no campo aproveitando todos os instantes até que ao fim chegue aos dois a morte, e sim, quando olharem para eles os demais pastores, o casal servirá de exemplo: uma vida simples, longe da cidade, extraindo das pequenas alegrias a extrema felicidade.
Eu, Marília, não fui nenhum vaqueiro,
 fui honrado pastor da tua aldeia;
vestia finas lãs e tinha sempre
a minha choça do preciso cheia.
Tiraram-me o casal e o manso gado,
nem tenho a que me encoste um só cajado.
Para ter que te dar, é que eu queria
de mor rebanho ainda ser o dono;
prezava o teu semblante, os teus cabelos
 ainda muito mais que um grande trono.
Agora que te oferte já não vejo,
além de um puro amor, de um são desejo.
Se o rio levantado me causava,
levando a sementeira, prejuízo,
eu alegre ficava, apenas via
na tua breve boca um ar de riso.
Tudo agora perdi; nem tenho o gosto
de ver-te ao menos compassivo o rosto.
Propunha-me dormir no teu regaço
as quentes horas da comprida sesta,
escrever teus louvores nos olmeiros,
toucar-te de papoilas na floresta.
Julgou o justo céu que não convinha
que a tanto grau subisse a glória minha.
Ah! minha bela, se a fortuna volta,
se o bem, que já perdi, alcanço e provo,
por essas brancas mãos, por essas faces
te juro renascer um homem novo,
romper a nuvem que os meus olhos cerra,
amar no céu a Jove e a ti na terra!
Fiadas comparei as ovelhinhas,
que pagarei dos poucos do meu ganho;
e dentro em pouco tempo nos veremos
senhores outra vez de um bom rebanho.
Para o contágio lhe não dar, sobeja
que as afague Marília, ou só que as veja.
Se não tivermos lãs e peles finas,
podem mui bem cobrir as carnes nossas
as peles dos cordeiros mal curtidas,
e os panos feitos com as lãs mais grossas.
Mas ao menos será o teu vestido
por mãos de amor, por minhas mãos cosido.
Nós iremos pescar na quente sesta
com canas e com cestos os peixinhos;
nós iremos caçar nas manhãs frias
com a vara enviscada os passarinhos.
Para nos divertir faremos quanto
reputa o varão sábio, honesto e santo.
Nas noites de serão nos sentaremos
cos filhos, se os tivermos, à fogueira:
entre as falsas histórias, que contares,
lhe contarás a minha, verdadeira.
Pasmados te ouvirão; eu, entretanto,
ainda o rosto banharei de pranto.
Quando passarmos juntos pela rua,
nos mostrarão co dedo os mais pastores,
dizendo uns para os outros: - Olha os nossos
exemplos da desgraça e sãos amores.
Contentes viveremos desta sorte,
até que chegue a um dos dois a morte.
Tomás Antônio Gonzaga
                Um ponto curioso é o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) fazer bastante uso de poemas deste período em suas questões. O soneto abaixo é um exemplo que já serviu para esta prova e que serve como poema exemplar do arcadismo, assinado pelo pseudônimo Glauceste Satúrnio, nome artístico do poeta brasileiro Cláudio Manoel da Costa :
Torno a ver-vos, ó montes; o destino
Aqui me torna a pôr nestes outeiros,
Onde um tempo os gabões deixei grosseiros
Pelo traje da Corte, rico e fino. 

Aqui estou entre Almendro, entre Corino,
Os meus fiéis, meus doces companheiros,
Vendo correr os míseros vaqueiros
Atrás de seu cansado desatino.  
    
Se o bem desta choupana pode tanto,
Que chega a ter mais preço, e mais valia
Que, da Cidade, o lisonjeiro encanto,

Aqui descanse a louca fantasia,
E o que até agora se tornava em pranto
Se converta em afetos de alegria.
Cláudio Manoel da Costa

                Outra curiosidade é que o Arcadismo brasileiro ocorreu em Minas Gerais e estes dois escritores acima tomaram parte do que convencionou-se chamar de Inconfidência Mineira, aquela mesma que enforcou e esquartejou Tiradentes.
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                Enquanto isso Portugal retomava sua autonomia, inclusive literária com um dos poetas mais interessantes de sua história: Manuel Maria Barbosa du Bocage, ou simplesmente Bocage.
                Neste ensaio não caberá descrever toda a profundidade e genialidade deste autor, que anteviu em sua obra elementos próprios do Romantismo várias décadas antes do próprio movimento Romântico. Quanto aos seus textos árcades, tem tudo o já citado parágrafos acima. Mas a graça está na boca suja deste poeta de geniais travessuras.
                Em Portugal dizer uma piada du Bocage é o termo para tirem as crianças e as mocinhas da sala porque lá vem sujeira. Então, tirem as crianças e as mocinhas da sala porque transcrevo abaixo dois poemas du Bocage.

É pau, e rei dos paus, não marmeleiro.
Bem que duas gamboas lhe lombrigo;
Dá leite, sem ser arvore de figo,
Da glande o fruto tem, sem ser sobreiro:

Verga, e não quebra, como o zambujeiro;
Oco, qual sabugueiro tem o umbigo:
Brando ás vezes, qual vime, está consigo;
Outras vezes mais rijo que um pinheiro:

Á roda da raiz produz carqueja:
Todo o resto do tronco é calvo e nu;
Nem cedro, nem pau-santo mais negreja!

Para carvalho ser falta-lhe um u;
Adivinhem agora que pau seja,
E quem adivinhar meta-o no cu.
Bocage

Lá quando em mim perder a humanidade
Mais um d′aqueles, que não fazem falta,
Verbi-gratia — o teólogo, o peralta,
Algum duque, ou marquês, ou conde, ou frade:

Não quero funeral comunidade,
Que engrole sub-venites em voz alta;
Pingados gatarrões, gente de malta,
Eu também vos dispenso a caridade:

Mas quando ferrugenta enxada idosa
Sepulcro me cavar em ermo outeiro,
Lavre-me este epitáfio mão piedosa:

«Aqui dorme Bocage, o putanheiro:
Passou vida folgada, e milagrosa;
«Comeu, bebeu, fodeu sem ter dinheiro. »
Bocage

                O Arcadismo deixou em nossa cultura as marcas da dicotomia campo cidade, mas também o prenúncio das novas relações humanas. Foi influenciado não apenas por Rousseau, mas também por outros filósofos chamados iluministas: Montesquieu, Voltaire, Diderot, Kant...
Resultado de imagem para arcadismoCom eles ideias de igualdade, liberdade, fraternidade, autonomia do homem, queda do absolutismo. Assuntos excelentes que talvez retorne em outro texto, mas que pertencem bem mais a aulas de história, sociologia e filosofia. Se é que há local propício para se questionar o destino e o surgimento do homem burguês. Este ser que desenvolve processos mecânicos cada vez mais dinâmicos de produção, mas que se entedia por não saber o que fazer com seu tempo livre.

                Assunto para um ensaio sobre o Romantismo. Até lá.