quinta-feira, 10 de junho de 2021

Homeschooling, ou sobre os sonhos que não são meus, ou o porquê de você deixar de respeitar minha opinião embora muito embasada em argumentos e dados empíricos.

 


            Você já pensou em como as escolas surgiram?

Não a escola do seu bairro construída no início dos anos 1980 pouco antes ou depois, ou a dos grandes centros na primeira metade do século XX.

Não quando, mas como?

              Em torno de qual ideia se estrutura o conceito de escola num Brasil de Paulo Freire e Anísio Teixeira?

E não cito os teóricos como posicionamento ideológico, mas para dizer que antes dos mesmos já havia quem pensasse um lugar onde as crianças ficam o dia todo distantes do seio familiar e próximas a outras influências: Estado, Mercado, esportes, religiões, grupos, paixões, ideias preconcebidas, ideias, etc. etc.   

              Ensinar não é algo novo e ensinar em casa muito menos. Um agricultor tinha muitos filhos porque muitas pessoas significava muita mão de obra na lavoura.

O ensino doméstico nasceu com a própria ideia de estabelecer-se em determinado lugar e plantar e colher e plantar novamente e colher novamente com mais ou menos ajuda, com mais e menos sucesso...

Agora, depois de escrito e relendo fico pensando que antes já havia a ideia de ensinar a caçar, a coletar, a preparar o alimento retirando as impurezas, e antes a ideia de construir ferramentas das mais primitivas às ainda primitivas porém mais elaboradas, a cuidar do fogo, manejá-lo e não deixar o acampamento incendiar-se.

              Um João de barro pai não ensina ao João de barro filho como construir uma casa, o instinto de preservação está em seus genes, por instinto um passarinho voa, por instinto um camaleão se protege, por instinto uma leoa caça uma gazela na savana e cruza e procria, sem aquilo que chamamos de comunicação complexa.

O que quero dizer é que há sim um nível de passagem de bastão de seres que não nós na natureza, seres que não conseguem enviar um homem para a Lua e nem pensar em como colonizar outros planetas.

              A diferença entre uma barata e um homem é que para o inseto tudo é presente, um eterno e contínuo agora, enquanto que para nós, para você que lê o que escrevo, há também um passado carregando sua consciência de remorsos ou nostalgia, e um futuro carregando sua mente de ansiedade ou sonhos.

              Os seres humanos precisam de escola porque tem passado, presente, futuro e porque se afastou da vida simples dos instintos.

Eis os motivos de haver escola: é muita coisa para administrar.

Difícil essa vida, é mais fácil ser bactéria que não planeja, não se frustra, não decepciona os pais ao escolher a profissão errada, não decepciona a si mesmo escolhendo o caminho tortuoso das drogas, não sente vergonha quando faz cocô na roupa ao passar mal na sala de aula da quinta série (acho que fui muito específico). Não aprende e não modifica por livre arbítrio a própria realidade.

Neste momento percebo que me distancio do que me trouxe ao texto, mas vou fundo pelo caminho que me direcionei, se conseguir, retorno, se não, deixo a cargo do leitor seguir, ou não, comigo até a última linha.  

Pois bem, ao falar de educação é preciso diferenciar bem o que é escola do que seja ensino. Ensinar e aprender são processos ininterruptos que devem nos acompanhar por toda a vida.

Uma pessoa que não aprende, sabemos como chamar.

Também sabemos como chamar uma pessoa que se recusa a ensinar o que sabe.

A escola, em minha humilde opinião tem que ser pensada em separado do ensinar e aprender, principalmente num século XXI de acesso instantâneo a vídeos com tutoriais, aulas com professores amadores que não são professores, são curiosos sobre determinado assunto, mas que ensinam também e faz parte da universalização do acesso ao conhecimento tão sonhado por pessoas ilustradas de distintas épocas da humanidade.



E quero que discordem de mim. Mas também que alguém concorde. Repito o que para mim nem é tão polêmico: a escola deve ser pensada em separado do processo ensino/aprendizagem.

Longe de romantizar o debate, é sabido que o Estado (todos eles) utilizam o dinheiro dos impostos para gerar benefícios para a população (ou deveria), a educação escolar é um serviço que é um benefício que deve gerar outros como professores, pessoas mais conscientes que poluem menos, mão de obra qualificada, pensadores, construtores, policiais, exército, artistas, médicos...

Em períodos de guerra a escola serviu para disciplinar (há ideias difíceis de morrer e pessoas que ainda creem que na escola sempre é tempo de guerra, um lugar de extrema disciplina, “o professor bom é aquele que consegue controlar a sala” e tome blá blá blá...).

Jurei para mim em nome de vários santos que não escreveria mais crônicas tão longas, ou ensaios, ou o que for este texto até o final, mas é que sou professor há quase vinte anos e apaixonado pelo assunto. Lembro de como imaginava a escola que trabalharia enquanto cursava letras: sonhava com os estudantes lendo os clássicos da literatura, todos libertos dos grilhões da obediência cega, e nunca me flagrei imaginando uma aula em que perguntava o que eles desejavam ser, fazer, sonhar...

Sempre mais importante na escola dos meus sonhos o meu grandiosos sonho, corretíssimo e asséptico  e, bem diminuto quase um detalhe, os desejos dos alunos.

Quem eram eles para saber o que era melhor para si?

E demorou para mudar, mas mudou. (em mim ao menos)

Se uma época é mais industrial, é legítimo formar mão de obra para a indústria. Se é uma escola inserida numa comunidade agrária também é legítimo formar pessoas que se ocupem das atividades campesinas, o que não impede alguém do campo em sonhar viver do ramo fabril e vice versa.

Alguém aí pensou em equidade? Isso mesmo. Acho que estamos na mesma página, se não, tudo bem, ainda estou aprendendo.  

É legítimo aos pais influenciarem nas decisões de vida dos filhos e os filhos desobedecerem aos pais. A vida é dinâmica e não adianta escrever roteiros e buscar segui-los, talvez sirva para uma meia dúzia de pessoas, mas na escola do início do século XXI a complexidade, os debates, o aprender, o ensinar, tudo é muito mais complexo que no fim do século XX. E muitos professores estavam e ainda estão por lá ensinando em 2021 como se ensinava em 1995 e isto é um dos maiores tabus da educação, entre os diversos que existem.

O caso é que vivemos numa época em que as informações não são obtidas apenas pelos antigos e (dizem alguns) ultrapassados canais oficiais. A informação e o conhecimento vêm de todas as partes numa enxurrada descontrolada, e é papel, hoje, da escola ensinar a selecionar o que é relevante do que não é, assim como a colaborar nessa nevasca de informação: tudo misturado: textos, imagens, infográficos, memes, vídeos, podcasts, aplicativos, redes sociais e o que mais surgir e surge.

Dentro disso, é importante saber que aprender é também entender o que merece nossa atenção. Ao longo do dia milhares de pessoas vão lutar para obter sua, vão querer te vender serviços, mercadorias e ideias.

Porque escrevo este texto, por exemplo. Quais as minhas intenções? Talvez eu queira convencer de alguma coisa não tão boa, mas como saber?

Neste imbróglio é importante pensar que a sociedade enfrenta desafios diferentes dos da mesma população de há quinze anos e enfrentará novos em cinco, dez, vinte; os problemas se renovam antes de serem resolvidos e se avolumam.

A escola de hoje precisa se comprometer com a formação do socioemocional muito mais do que a aquisição de meros conhecimentos enciclopédicos. Sempre haverá um aparelho eletrônico por perto para buscar a capital da Austrália que não é Sidney, a raiz quadrada de um número negativo que não existe ou o que for, a fórmula de bhaskara, a lista de verbos irregulares. E se não houver um aparelho por perto para buscar a informação? Faça o mesmo de quando quer escrever e não encontra a caneta. Admirável mundo novo, muito a aprender, muito a ensinar.

O homeschooling, termo em inglês que significa em tradução livre “ensino doméstico”, deve ser uma opção não apenas para o período escolar, mas para toda a vida. A internet nos aproxima do conhecimento. Ponto. Não há o que discutir. Mas também nos aproxima das maiores bizarrices e imbecilidades inventadas pelo homem.



              Aprender na escola significa, agora em plena década de vinte do vigésimo primeiro século, se relacionar com outros indivíduos e superar desafios de maneira saudável e equilibrada e isto não se aprende longe das pessoas. O ser humano se faz humano no convívio e convivência se aprende e se pratica. De frente para o computador? Um tanto. Porém muito mais no olhar, compartilhando espaços e rotinas com pessoas de diferentes faixas etárias e culturas. A internet otimiza isso, mas nunca substituirá a prática: conviver com as frustrações, por exemplo, se abrir para o novo. São habilidades que a escola tem que desenvolver nos estudantes desde crianças até a adolescência, para que o adulto acrescente vida à própria vida, qualidade aos próprios sonhos, realizações para seus ideais e autonomia aos próprios passos.

                                                                    Mauro Marcel


Link para consulta: BNCC - Base Nacional Comum Curricular


segunda-feira, 7 de junho de 2021

Não é bolha, é labirinto

 

A deusa Atena permitiu que o filho de Cnossos fosse morto e uma guerra irrompeu provocada pelo desejo de vingança. A cidade estado de Atenas protegida pela deusa da sabedoria foi derrotada, Creta, liderada pelo rei Minos exigiu que os atenienses enviassem anualmente quatorze jovens, sete casais como tributos.

Estes eram postos num labirinto e ao perder-se entre suas curvas e caminhos, sem saída, não conseguiam retornar e morriam devorados pelo minotauro que aguardava, entediado e faminto, sua refeição anual.

Era impossível a fuga até surgir o jovem Teseu e, como herói mitológico, servir de modelo até hoje escapando de forma engenhosa e simples do labirinto que, na certa, o mataria.

Borges no maravilhoso poema “Labirinto” diz que a vida é este lugar onde “nunca há porta”, pois “já estamos dentro”.

Somos postos no labirinto dando voltas, dando voltas, sem escape como castigo à deusa da sabedoria e inteligência. Presos no labirinto como castigo à Atena. À deusa da sabedoria, inteligência e do senso de justiça.

Genial o Borges ao dizer que não há portas, sem perceber já estamos dentro e genial o mito, que como bom mito encerra sabedoria, inteligência e senso de justiça.  

Pois bem, fiz a introdução e se o leitor quiser reler em algum momento esta crônica, dispense os primeiros parágrafos e comece pelo próximo, é legítimo de minha parte crer que nem todos conheçam a história do minotauro e menos ainda o espetacular poema de Borges. Próxima linha, por favor...

Muitos apontam como motivo da superficialidade de nossa época o excesso de internet aliado à escassez de livros. Alegam que nunca se leu tão pouco, nunca os debates foram tão superficiais e nunca “antes na história deste país” as pessoas se entregaram a tantas paixões vazias: sexo, drogas e sei lá que música completa a frase hoje ou no dia que você tiver contato com este texto. Prefiro o clássico: sexo, drogas e rock’n roll.

Me chama a atenção no mito o fato de serem jovens os entregues em holocausto, fico pensando, interpretando, confabulando aqui com os meus botões e imaginando que tudo não passa de uma grande lição para os púberes: ao atingir determinada idade, cuidado ao entrar no labirinto, você se perderá e em algum momento encontrará o monstro.

Borges diz que o labirinto é a vida em si, podemos e vamos nos perder e virar ração de minotauro.

Mas quando surge o Teseu o mito se transfigura, ganha um porém (lembrando que tudo dito antes do porém não tem muita importância, tudo antes do porém é apenas introdução, prefácio, preâmbulo), porque Teseu é o herói e como tal nos serve de modelo.

Há a possibilidade de escapar, há um jeito de obter a eternidade, a vida pode ter sentido, não precisamos ser os jovens que nem nome possuem, são apenas os jovens que são jogados para morrer no labirinto, diferentemente do filho de Egeu, o grande Teseu que tem, além da história do labirinto, uma outra que envolve um navio que vale a pena contar em outra crônica. Anotem e me lembrem mais tarde, quem sabe eu não fale algo a respeito, ou isso ou vocês podem assistir àquele seriado horroroso da Disney, o Wandavision. (Desculpe: seriado maravilhoso e cheio de conteúdo e significado que não quer apenas que você mantenha o olho pregado na tela à espera do próximo outro próximo episódio).

E voltando ao que dizia (escrevia), Teseu escapou do labirinto, mas antes matou o minotauro. E como realizou tal façanha?

Ao chegar em Cnossos, caiu de amores por Ariadne, a filha de Minos, e ela por ele. A moça ensinou-o como escapar, dando ao seu grande amor um novelo lã que deveria desenovelar mostrando por onde passou, assim conseguindo a fuga. Alerta de metáforas com muita sabedoria dos gregos à vista: aprender a olhar os próprios passos, ver a sua própria história e perceber que sem se dar conta dos próprios caminhos, tomar conhecimento dos lugares por onde se caminha dificilmente conseguirá escapar do labirinto (precisamos desenovelar o novelo para saber por onde caminhamos) e não é tudo.

De nada adianta fugir e ter um monstro assombrando a sua cidade, enfim, a sua vida. Teseu entrou no labirinto armado com um novelo de lã e uma espada e matou o minotauro.

Estando no labirinto que é a própria vida, onde somos lançados sem que ninguém peça a nossa opinião é fácil cair na velha conversa de que somos vítimas das situações, jogados como os sete casais da história. Mas não vou encerrar por aqui a metáfora, vou pular para o universo que dá título a este texto: a superficialidade de nosso mundo contemporâneo não é fruto de uma bolha construída pelas redes sociais, isso porque não há bolhas nas redes sociais, não há bolhas ideológicas, não há e repito com todas as letras que me permitem escrever: não há bolhas nas redes sociais. Meu estilo é pleonástico, vou repetir: não há bolhas nas redes sociais! Agora com um ponto de exclamação pra mostrar que estou sendo enfático.

Comparo as redes sociais ao labirinto construído com o objetivo de entreter, divertir, esvaziar o discurso dos jovens transformando-os em simples mercado consumidor, ou seja, uma vingança contra Atena a deusa da sabedoria, inteligência, do senso de justiça e das artes...

Há nesse labirinto o encontro com a morte, mas não se formos como Teseu e entrarmos armados com a lã e a espada.

Ao adentrar no universo virtual podemos muito bem continuar a mortificar a nós mesmos e assassinar o juízo de valores dos mais jovens, mas também podemos ser os Teseus e com um pouco de orientação, caminhar olhando para o que aprendeu com as próprias experiências e ter a coragem de enfrentar a fera. Matá-la. Voltar para o seu grande amor e dizer que a internet não é feita de bolhas, mas de labirintos e podemos sair dela muito maiores que quando entramos.

Tratar a internet como um universo de bolhas é ignorar que por ela navegamos, como Bartolomeu Dias jogado contra os rochedos do Cabo das Tormentas, assim como o navegador atacado por tempestades e temendo pela vida temos, mesmo sem saber, possibilidades de escapar (sim, possibilidades com s, no plural). Assim como o navegante português encontrou a saída, Teseu matou o minotauro e você não explode como uma bolha de ar ou de sabão, daquelas sopradas por um palhaço de praça à espera de algum trocado.

Podemos retornar como Teseus e sermos as Ariadnes de alguém, assim como Bartolomeu Dias retornou e ensinou o caminho da passagem pelo sul da África aos portugueses. Não só podemos como faz parte de nossa obrigação, não como o cara que saiu da caverna porque a internet não é caverna, é possível aprender muita coisa com ela, assim como no labirinto do minotauro e no oceano Atlântico do século XV.

É possível retornar vitoriosos como Teseus ao fim de cada mergulho no labirinto virtual e sim, é mais que possível ser a Ariadne de muita gente.

                                                                     Mauro Marcel

quarta-feira, 2 de junho de 2021

Revolution 9, Scorsese e Guernica

Eu gosto da experiência cinematográfica em todos os seus aspectos: leio críticas antes e após assistir aos filmes, vejo filmes cabeça, de ação, terror trash, gore, comédias besteiróis, cinema cult europeu, cinema bollywoodiano, coisa nova, coisa velha, indicados ao Óscar, injustiçados pela Academia e por aí vou. Desde muito jovem, sempre em grande quantidade.

                Uma vez houve que assisti a três filmes em sequência no cinema, pasmem, não recomendo nenhum dos três. Talvez escreva sobre esta experiência em outra crônica. Por hoje me atenho ao que me trouxe à pena, saindo da introdução dos dois primeiros parágrafos em que deixo muito claro que sou um conhecedor do que vou falar e que não aceito réplicas, pois quero minha crônica um tanto quanto axiomática. Apenas um pouquinho evidente me bastando por mim, humildemente é o que desejo.

                Pois bem, amo os filmes ruins. Adoro-os.

Os excelentes, os grandes clássicos são fáceis, são evidentes assim como meus axiomas.

Sempre entro pelos clássicos de Scorsese sabendo que terei das experiências cinematográficas o que há de melhor. E tome Taxi driver, Os bons companheiros, Casino, Touro indomável, Irlandês e o oscarizado Os infiltrados. Mas quero ver degustar com o mesmo apetite um New York New York de um toxicômano Scorsese e um desengonçado e ridículo de Niro.

                Vamos de Hitchcock, Coppola, Spielberg, Truffaut, Antonioni, etc. etc. etc. Com alguns deslizes dos gênios. (Quem nunca fez aquela cagada? Com a melhor das intenções, mas uma bela e grandiosa cagada.)

                Assim é a arte, assim a arte é. Nem toda pintura de Picasso é Guernica, nem apenas de Chega de saudade é feito João Gilberto. Quem dera toda banda fosse Beatles e tudo em Beatles fosse Álbum Branco e que no Álbum Branco não houvesse a horrorosa, odienta e salafrária Revolution 9. (Pra ser sincero em Beatles eu gosto de tudo até da revolução número 9, mas quis deixar claro meu ponto, portanto, mantenho: Revolution 9 sucks...)

                Vamos falar então do direito que todos têm de falar mal do que é ruim a partir do seu ponto de vista.

                Óbvio, não? Nenhum pouco.

                Experimenta falar algumas verdades sobre determinadas obras de arte, filme, música, gênero musical, artistas... chato. Chaaaaato...

Assim com o aaaaaaa esticado ao infinito. Seguido de reticências que é pra ser bem emblemático.

Quer dizer que eu não posso falar que não gostei de Bacurau? Sim. Este é o motivo desta crônica. Reivindicar o meu direito constitucional, humano, cinefilico, sim, o meu direito de cinéfilo de falar mal de um filme que achei um monte de baboseira em cima de um monte de baboseira. Para dizer pouco. Para não aprofundar, porque “em minha singela, humilde e axiomática opinião” o filme não vale o aprofundamento.  

                Veja só, não tenho nada contra o longa. O que me deixa um tanto quanto agressivo das ideias não é o filme em si, mas a rede de proteção ao redor da película impedindo qualquer um de criticá-la por razões políticas, ideológicas, sei lá, o inferno.

E já que falei vou esticar o que disse do Bacurau a Parasita, Pantera negra, toda a saga Star Wars a partir do terceiro e horroroso filme chamado O retorno de Jedi.

                Uau. Deu até uma desopilada no fígado.

                Repetindo incorrendo no perigo de ser repetitivo: não vejo grandes problemas nesses filmes, mas me cansa gente defendendo filme “porque sim”.

                Meninos. Meninas. Todo mundo tem direito de gostar e desgostar da obra de arte que quiser e criticar sem entender é tão errado quanto elogiar sem ter achado mérito algum para tal, apenas porque determinado grupo, crítico, famosinho de nicho (chamo assim, me recuso a escrever influencer). Apenas porque um famosinho de nicho disse que é bom, que é ruim. Que é isso. Aquilo. Outras coisas mais.

                Conheci tanta gente que só diz gostar de algo para estar perto das pessoas, eu fui assim com o heavy metal por muito tempo, tanto que acabei por gostar legitimamente. Gosto até hoje e muito mais que na adolescência. Mas sei de pessoas que não suportam cerveja amarga, cinema europeu, filme de arte, Ted talks, literatura alemã, verdadeira filosofia... mas quer parecer cult, cool, legalzinho descolado. Escrevi sobre isso há alguns anos: o hipster babaca.

                É difícil estar sozinho e às vezes posicionar-se a favor de algo que um grupo defende é uma forma legítima que as pessoas encontram para fazer amigos. Mas há um momento na vida de todo mundo em que se faz necessário crescer, viver cercado por menos pessoas e mais próximo de si mesmo: os próprios valores, construídos ao longo de uma vida de aprendizado, acertos e erros. Gostos peculiares ou não.

Reconhecendo a história que cada um construiu e que permite a si o direito de gostar ou não do que for. Empatia enfim. Empatia consigo próprio.

Nada demais. Não uma ideia muito nova: o Moço que morreu na cruz já dizia isso, mas vamos chamar de empatia então, mesmo consigo mesmo, a empatia inversa. Há aquela em que você se põe no lugar do outro e uma que também não é nova, a que você se põe no lugar de você mesmo, ouvindo suas próprias dores, valores, desejos e se permitindo falar o que pensa, o que sente, o que sabe, o que não sabe sobre arte, filme, música, a rebimboca da parafuseta e até sobre a ideologia política do amiguinho.

Momento de parar de mentir para si mesmo e dizer o que você realmente achou de Bacurau.

                                                                Mauro Marcel

terça-feira, 1 de junho de 2021

Redação nota 1000

            


              Há muitos anos trabalho com estudantes da Rede Estadual de São Paulo, quase sempre com alunos do Ensino Médio e quando os vejo se aproximando do fim deste ciclo, em muitos percebo a preocupação com os resultados que obterão no Exame Nacional do Ensino Médio – o ENEM.

Como sou professor de língua portuguesa, a redação se torna constante tema de aulas e conversas e muito escuto sobre a tal nota mil que “alguém conseguiu, foi um amigo do amigo de um amigo”, ou mesmo “um canal que vi na internet e dá dicas muito boas, você precisa conhecer, professor”.

            Sempre estar aberto a todas as fontes de informação já é uma dica, inclusive de quem passou pela experiência do ENEM e conseguiu a nota máxima, mas como opinião pessoal, ao me debruçar sobre os números, os constantes resultados do exame, ano após ano devo alertar ao vestibulando que é muito mais fácil escorregar e tirar zero que conseguir a nota máxima.

Portanto, mais do que buscar a perfeição, e ela tem que ser buscada, o estudante deve exercitar a leitura, a reescrita e a busca por repertório cultural.

Alunos da Rede Estadual Paulista conquistaram notas superiores a 950, mesmo em meio à pandemia. Estão de parabéns. Conquistar estas notas não são fruto do acaso, mas do resultado de um trabalho contínuo, fruto de muito esforço e dedicação.

Eis algumas dicas que ajudarão a melhorar a sua nota na redação do ENEM:

 

·         O ENEM pede o texto dissertativo argumentativo. É importante aprender a estrutura: tese, argumentos, proposta de intervenção;

·         Leia redações dos anos anteriores que conseguiram a nota máxima. Reescreva-as, percebendo o tamanho do texto em uma folha de caderno. O mais importante não é o tamanho, mas o conteúdo, é importante entender que a redação deverá ser um texto de fôlego e com certa profundidade, isto não se dá em meia dúzia de linhas;

·         Ao ler a proposta, busque compreender objetivamente o que se pede. Muita atenção: a proposta não é apenas o seu título, mas todos os textos motivadores preparados para o seu desenvolvimento;

·         Se posicione claramente frente ao tema, não fuja do assunto;

·         Use conectivos entre os períodos e interconectando os parágrafos (porém, contudo, desta forma, deste modo, assim, entretanto, no entanto, são alguns exemplos);

·         Os argumentos têm que sustentar a sua opinião (a sua tese), portanto devem servir de suporte para convencer o leitor de que a sua opinião é válida. Exemplos da vida pessoal nunca são uma boa ideia, dê preferência a pesquisas, escritores, autoridades ligadas ao assunto, exemplos de causa e consequência;

·         Muita leitura é importante neste ponto. Ter um repertório cultural que ajude a argumentar independentemente do tema é muito mais válido que decorar citações e tentar encaixá-las transformando seu texto numa espécie de colcha de retalhos. Funcionou com alguém uma vez? Pode ser. Funciona na maioria das vezes, não mesmo;

·         Um dos critérios de avaliação da redação do ENEM é a proposta de intervenção. Evite ser vago, busque objetividade na proposta, assim como em todo o texto, mas neste ponto procure explicar como, quem, o quê, de que forma a sua intervenção se desenvolveria se aplicada ao problema levantado no exame;

·         Ler bastante e bons livros ajuda não apenas a adquirir repertório, mas também a evitar escrever as palavras incorretamente. Os erros ortográficos retiram muitos pontos. Ler os clássicos da literatura também colaboram com isso.

·         Escrever não é um ato puramente intelectual, é quase uma atividade braçal, você precisa escrever, escrever, escrever e escrever. Estudar muito e ir além. Ofereça seus textos para que outras pessoas leiam: seu professor, família, colegas de turma, num blog, por exemplo. Perceba que a preocupação com o ponto de vista dos leitores o auxiliarão a buscar melhorias. Crie uma rede de leitores, lendo você também as redações dos seus amigos, debatam os temas e os pontos de vista uns dos outros. Escrevendo tanto, no momento da prova oficial o seu texto será apenas mais um dos tantos que já escreveu. Será muito mais tranquilo, não totalmente simples, porém você saberá no fundo do coração que fez o bom trabalho e que sua nota será o resultado de um processo que começou com leitura, apropriação do gênero, escritas, reescrita, além é claro, muito aprendizado.

                                                                          Mauro Marcel