quarta-feira, 28 de maio de 2014

globo, hashtag e copa

                O ano é 2014, o mês é maio e como a copa do mundo está próxima não posso perder a oportunidade de falar em eleições.
                Não tenho o menor interesse em discutir o óbvio ululante, os problemas dos brasis não se resolverão com o fim do torneio e nem começaram nele. Não quero falar sobre os bilhões investidos num torneio e não gastos com saúde, educação, segurança.
                Também não quero falar mal da rede globo. O problema não está na globo, está no cara que segura o controle remoto, não se esqueça disso.
                É fácil dizer hoje que hashtag não vai ter copa.
Já sou velho nisso. Não houve copa pra mim em 1998, em 2002, 2006 e 2010. Houve em 1994, mas eu era muito criança e estava eufórico, porque pela primeira vez tínhamos televisão em casa e sabe como são as coisas. Em 94 fui campeão, aliás, tetracampeão com a seleção do Parreira, do Romário, do Bebeto. Pessoas que invadiam minha casa e traziam a alegria que fora ceifada com a morte do Senna. Alegria?
A culpa não é da Fundação Roberto Marinho, a culpa está no cara que segura o mouse.
                Em 1994 foi o início de uma nova era, a hiperinflação acabou e muitos jovens púberes, ou impúberes não sabem “ainda” o que é acordar com o pão custando 1 e dormir com ele valendo 10, ao fim do mês custa 100 e com o passar de várias semanas não tem mais pão. Não vou defender o pessoal tucano que projetou o plano real, mas ao final do ano com a vitória do Brasil me senti um idiota vendo fernando henrique assumir a presidência na esteira da conquista nos Estados Unidos.
                E por falar dos irmãos do norte, nessa copa do tetracampeonato havia um estádio que nem tinha o tamanho específico para uma partida de futebol amador, foi feita uma adaptação de um estádio de futebol americano, isto é, não ampliaram, não demoliram, não seguiram o padrão fifa (assim mesmo em minúsculo), é como minha avó dizia: “quem se abaixa demais amostra a bunda”.
                A “entidade máxima do futebol” sabe o que faz. Aprendeu o caminho do dinheiro, seguem a estrada dos tijolos amarelos, a última experiência com países civilizados ocorreu na Alemanha, depois disso haverá uma longa sequência de copas do mundo em países com leis relativizadas: África do Sul, Brasil, Rússia, Qatar. Países em que as leis são tão flexíveis quanto a moral do blater, havelange, ronaldo e irmãos marinho.
                A culpa não está na copa está no cara na frente da tela do computador.
                Em 1998 o Brasil tinha uma seleção muito ruim e como as demais eram também ruins a seleção canarinho foi à final e nos sentimos no direito de dizer que a copa foi vendida para os donos da casa. Disse: nos sentimos? Eu não. Não me senti roubado, não torcia mais para futebol e ri muito alto quando ouvindo o desespero do galvão bueno ecoando pelas vozes de meus primos, primas, tios, amigos, vizinhos chorando pelo penta perdido.
                Em 2002 já estava com a postura que tenho hoje em relação ao torneio mundial de futebol: indiferença. Tanto que estava fazendo coisas muito mais interessantes na final e nem tomei um porre com a vitória dos ronaldos e rivaldo. Os jogos eram de madrugada e eu nem perdi meu sono. Minto. Acordava com os fogos e explosões de alegria dos gols fazendo o dia seguinte brasileiro muito mais ameno.
                Vexames em 2006 e 2010 e eu com a mesma indiferença.
O mesmo não percebia da população que pintava as ruas, torcia efusivamente, coloriam as escolas, os ambientes públicos, até igrejas. Os cultos e missas nunca na hora do jogo. As empresas parando a produção para que os funcionários assistissem às partidas. Quem é o gerente mal caráter que impediria seu funcionário de assistir ao grande clássico do futebol mundial: Brasil versus Turquia????
                A culpa não está nos candidatos, está na pessoa que tecla na urna.
                Imagine você com um câncer, seu filho mais novo semianalfabeto, seu filho do meio precisando de universidade e o mais velho desempregado. Sua esposa com os dentes cariados e a sua casa alugada caindo aos pedaços. Você então dá uma festa. Pede dinheiro emprestado, aluga um buffet, compra carne, muita carne, e cerveja, muita cerveja. Aliás, quando faltam algumas semanas pro evento você decide pegar mais dinheiro emprestado e construir um novo buffet. Talvez você nunca dará outra festa na vida, pode morrer de câncer manhã, mas não importa, só a festa importa: a cerveja que aumentou de preço, a carne que aumentou, as visitas que chegaram e o que vão pensar das festividades. Você reserva um bom dinheiro para roupas (alugadas), carros (alugados). O que importa depois da festa...? Imaginou isso? Agora imagine se a sua esposa disse que não pode ir pra festa porque os dentes estão cariados. Seu filho mais novo diz que não vai porque não sabe ler o convite. O do meio não quer ir porque preferiria que o dinheiro fosse gasto com o seu curso superior. O mais velho só pensa no emprego que não tem. E você, o pai, quer festejar de qualquer jeito. Agora imagine que toda a família começa a atrapalhar o andamento da preparação, tipo jogando água no chope, salgando demais a carne, furando o pneu do carro alugado. Ligando pros convidados e dizendo que você em vez de gastar com a família e suas necessidades está dando uma festa de arromba para impressionar as visitas...
                Imaginou? Então. Talvez por isso eu não fique indiferente dessa vez. Apenas acredito que a carne do churrasco está comprada, a cerveja está gelada e eu já paguei por tudo. Foi do meu bolso e eu fui consultado sim. Fui consultado sim. Repito: Fui consultado sim.
                Vivemos numa república, uma democracia representativa. Quando se utiliza a urna como privada é isso o que acontece: bilhões gastos num torneio que deveria trazer investimento e traz vergonha inclusive aos organizadores. Apenas acho de uma hipocrisia sem tamanho o cara estar dentro do estádio na abertura do evento, com o ingresso comprado e tudo mais, e vaiar a pessoa que proporcionou a festa. Se merece a vaia ou não o papo é outro, mas que é hipocrisia é. E da brava.
                A culpa não está no ônibus, mas botam fogo mesmo assim.
                Dentro de alguns dias começará a copa do mundo e o festival de hipocrisia começará: o safado da fifa lucrando bilhões e dizendo que há problemas de estrutura, o militante de esquerda pregando a revolução com uma mão e segurando o álbum da copa completo na outra, o galvão bueno ufanizando todas as situações, o povo no ônibus gritando que a culpa de tudo o que é ruim é da copa, sem lembrar que tudo já era ruim antes disso e não vai melhorar sem leitura, senso crítico, respeito às instituições, valorização do voto, exclusão de políticos corruptos da cena pública, crítica verdadeira e tolerância ao contraditório.
                Nada vai melhorar e nem piorar com a copa, este é o grande problema. Vai tudo continuar a mesma porcaria: ninguém assume a culpa.
                Quer saber, dessa vez eu vou é sentar em frente à tv, abrir uma gelada, assar a carne na grelha e ver jogo após jogo. E qual a minha expectativa para o mundial?
                 Resposta: Quem vai tirar maior proveito eleitoral.
            Assim mesmo. Parece que o problema da falta d’água foi resolvido, o da violência, educação, narcotráfico etc. Tudo culpa da copa. Nação sem leitura, opiniões simplistas. Sim, vai ter copa. E não importa quem vença, a história está passando e nós todos perdendo as oportunidades de construir uma nação verdadeira, com um processo civilizatório real e digno.
                Mas é assim mesmo. Logo logo esquecem de tudo. Em instantes começam a falar das olimpíadas do Rio de Janeiro. Então voltamos tudo do começo.
                Depois o carnaval, os carnavais...
              Até que se passem quatro anos e outra copa se inicie trazendo saudades do tempo em que lutamos por um país melhor... e fracassamos.
                Afinal o problema não está na globo...   

Por Mauro Marcel