Fazia tempo que não assistia à um filme francês, não tanto pelo cinema europeu, coisa que adoro, nem serem exibidos apenas em estabelecimentos distantes, o caso é que não é igual a ver Os Vingadores. Assistir a filme desse tipo envolve toda uma logística desde a locomoção ao "dã" no final.
Sendo o dã o típico: não entendi! Que sempre faço questão de explicitar e que o poser vegano abraçador de árvore faz questão de explicar.
Sendo o dã o típico: não entendi! Que sempre faço questão de explicitar e que o poser vegano abraçador de árvore faz questão de explicar.
Me incomodam os veganos posers abraçadores de árvores, não por serem veganos, nem por abraçarem árvores. Mas pelo fato de sentirem-se melhores, mais humanos, "descolados", mais importantes que um humilde comedor de marmita.
A alimentação orgânica é cara e quando só havia alimentos assim a fome era bem maior no mundo, graças aos agrotóxicos e aos hormônios temos alface e carne, num pão com gergelim (grãos transgênicos).
A alimentação orgânica é cara e quando só havia alimentos assim a fome era bem maior no mundo, graças aos agrotóxicos e aos hormônios temos alface e carne, num pão com gergelim (grãos transgênicos).
Que importa que nasça um terceiro mamilo no meu peito, ou uma orelha na minha testa, ou que eu me envenene e caia infartado aos 75, pouco importa. Sem agrotóxicos e companhia eu viveria com fome e morreria idoso aos 30. Fato que os posers ignoram. Ignoram pois não leem além da capa do livro que discutem entre um baseado e outro, entre um e outro gole de vodka com energético.
Desculpa veganos,. Estou generalizando. Mas vocês sabem do que estou falando. Claro que sabem.
E foi sobre isso o filme francês da vez: "O azul é a cor mais quente".
Adele tem 15 anos e Ema estuda Belas Artes, é descolada (a Ema) tem o cabelo azul, é artista plástica, pintora. Adele ama os livros, lê e os discute com professores e colegas, lê com profundidade.
Adele tenta namorar um rapaz influenciada por amigas da escola. Tenta se adaptar. Em suma, é uma menina normal, excetuando seu extremo gosto pela leitura. Ok, gosto normal também.
Ema tem o cabelo azul e é descolada.
Descobrem-se apaixonadas e o que poderia ser apenas mais um filme sobre um casal de lésbicas, a meu ver, transforma-se numa crítica ao proselitismo de pseudo artistas, pseudo intelectuais, pseudo filósofos, pseudo modernos de uma pseudo vanguarda.
Adele sonha ser professora e é criticada pelos pais de Ema por ter "uma visão tão curta do mundo".
Ema é "artista" e é criticada pela família de Adele por "não verem como alguém obter sustento e autonomia pintando quadros".
Mas elas estão felizes e apaixonadas. (Há uma cena de sexo entre as duas que dura mais de dez minutos, o diretor (ou os produtores) apelaram um pouco (um pouco?) ).
As coisas mudam quando vão morar juntas. Num corte brusco Adele aparece preparando o jantar para receber os amigos "descolados" de Ema, que aparece sem o azul do cabelo. Perdeu o brilho?
Ema parece pouco confortável casada e quando os amigos se vão percebe-se o motivo: ela tem vergonha de Adele não ser artista. Não é "descolada".
Fica claro quando Ema insiste para que Adele publique um livro, afinal, ela é só professora. Tem tanto talento e é só professora. Adele cozinha. Ema reclama. Na casa de Adele comia-se macarrão, na de Ema ostras. Adele é a vida real. Ema se envergonha disso, dá cada vez menos atenção à Adele que buscando carinho acaba por se envolver com outra pessoa, sendo expulsa de casa. Ema apenas queria um pretexto.
Adele entra em profunda depressão e quer voltar com Ema. Desiste apenas após sua ficha cair: o filme é francês (lembram?) o diretor carrega nas cenas longas e lentas: mostra Adele dando aula, alfabetizando, se importando com as crianças.
Toda vez que Ema reaparece é triste e com alguma esperança de ter seus quadros expostos, tanto que numa das cenas finais convida Adele para a inauguração de uma exposição de quadros seus... com vários outros artistas.
Na exposição Adele toda de azul, tem uma epifania: percebe que aquele não é seu mundo, que aquele sequer é um mundo, nada ali é real. O ex-ator hollywoodiano, os pseudo críticos de arte, tudo tão pseudo, fake, falso. E só então percebe o que é importante: ela mesma: a professorinha que dava aula para a sobrinha de uma das convidadas descoladas da exposição.
Adele não precisa ter o cabelo azul para brilhar. Brilhava por si, tinha luz própria.
Dá as costas sem se despedir, sem olhar para trás, é adulta enfim. Deixa pros adolescentes de 30, 40 anos o mundo de faz de conta.
Foi assim.
O nosso mundo está repleto disso: pessoas que se acham superioras porque cantam, desenham, pintam. Que diminuem o trabalho essencial à condição de sub-ocupações.
Vi muito disso enquanto cursava História da Arte. O modo como os "moderninhos" não se interessam em compreender o mundo, já que se acham prontos (no auge de seus 19 anos) a querer mudá-lo. Se sentem superiores ao fútil cotidiano.
Também me encantava com os cabelos azuis das Emas, ia fácil pelas cabeças dos "vanguardistas".
Também me encantava com os cabelos azuis das Emas, ia fácil pelas cabeças dos "vanguardistas".
Quando descobri que a melhor coisa, a mais vanguardista de todas, não é nova: o pensamento crítico. E isso não se constrói com cabelos coloridos, roupas retrôs, boinas e discursos de esquerda.
Percebi a hipocrisia do fulano que odeia cinema europeu, não entende nada do que está acontecendo, mas quer ter assunto, quer ser o primeiro a assistir, a ver, a dançar, a beber, a fumar. Quer fazer parte, ser aceito como todos os adolescentes.
Típico de pessoas que leem a orelha do livro e se acham especialistas. Ouviu falar de Marx pela boca do professor de história do Ensino Fundamental, aprendeu sobre Foucault com a palestra do filme Tropa de Elite de José Padilha. E não entende. Não entende porque não lê, não estuda. odeia o contraditório. Intolerante.
Típico de pessoas que leem a orelha do livro e se acham especialistas. Ouviu falar de Marx pela boca do professor de história do Ensino Fundamental, aprendeu sobre Foucault com a palestra do filme Tropa de Elite de José Padilha. E não entende. Não entende porque não lê, não estuda. odeia o contraditório. Intolerante.
Há várias Emas soltas em universidades, escolas, mídia, governo, bares, cafés, praças, festivais de música, festivais de cinema, rua Augusta...
Todos têm o direito de ser ou não ser o que quiserem. Citando Marley: "Nos recusamos a ser o que queria que fôssemos, somos o que somos e é assim que vai ser."
Me angustia o poder de encantamento que pessoas com esta postura têm nos meios supra citados. Acefalamente: criticam sem argumentos, argumentam sem fundamentos; frequentam barzinhos descolados ao lado da facu, raramente a sala de aula.
Quando em aula procuram esvaziar o discurso do professor acusando-o de reacionário, direitista. Afinal, quem ele pensa que é? Ele só leu muito mais, tem teses publicadas, conhece culturas, relaciona ideias e conceitos. "Um pequeno burguês!"
E o cara do barzinho? Vestido de mendigo pra se sentir um pouco melhor em relação ao nike no pé, ao i-phone no bolso e ao dinheiro na carteira (dinheiro fruto do trabalho do pai). Faz porque faz por denegrir a imagem do professor, é claro, jamais conseguirá refutar suas ideias, pois não lê, não estuda.
Achei curioso um comentário na net redigido por um expectador do filme: "A Adele é confusa". Claro que é confusa. quem lê se questiona, pensa, luta contra os próprios ideais e convicções. A coerência é coisa de gente rasa: políticos, extremistas, ignorantes, românticos e afins.
A confusão é necessária, água parada gera limo.
A confusão é necessária, água parada gera limo.
Enfim, fui assistir a uma história sobre um casal de lésbicas e encontrei um filme sobre a hipocrisia dos que não sabem preparar a própria refeição, mas se sentem mais grandiosos que o pai de família que acorda às quatro da manhã, pega ônibus lotado para ir e voltar do trabalho, come marmita, sustenta três filhos, mora em meio à violência e se diverte com Zorra Total, Faustão e futebol no fim de semana.
Triste: odeiam livros, se dizem intelectuais.
Triste: odeiam livros, se dizem intelectuais.
Também triste acreditar que a maioria dos que assistem a este filme vão apenas se encantar com a Ema. Ela é tão convicta, tão artista, tão... vazia.
Adele é o dia a dia. O trabalho, o pensamento, a vida acontecendo, a formação do senso crítico, alguém que, segundo as palavras de um escritor maravilhoso "afina e desafina".
Ema não. Ela é como o velho compositor baiano dizia "acha feio o que não é espelho".
E só pra concluir: não tenho certeza sobre nada do que falei, mas continuarei escrevendo assim mesmo.
Em francês o filme se traduziria como "A vida de Adele".
Pelo visto, até o título no original é mais coerente com a história, porque azul não é cor mais quente. A cor mais quente é a cor que eu quiser.
Por Mauro Marcel
Por Mauro Marcel
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