quinta-feira, 1 de maio de 2025

VAR, promessas e improviso

 

Lembro do barulho. Do silêncio também. O som das buzinas antes do jogo, o som da televisão que vinha da casa da vizinha, uns cinco segundos atrasada da nossa. E depois, o silêncio de quando a bola não entrava. Ou entrava, mas no nosso gol. A seleção brasileira era, sim, uma entidade. Uma dessas que a gente não precisa acreditar para respeitar. Como o sol, que nasce sem que você peça. A seleção era o Brasil que dava certo.

Mas alguma coisa quebrou no caminho. E não foi só o jejum de títulos. Foi o sumiço de um modo de viver o futebol. A seleção virou produto. O torcedor virou consumidor. E o menino idoso na rua vestindo camisa da seleção virou alvo de piada, como se torcer pelo Brasil fosse cafona, ultrapassado, reacionário até. Ok, utilizaram a camisa amarela para outros fins que não torcer. Entendo. De quem foi mesmo essa ideia??

Não é disso que quero falar agora, embora tenha começado. O que quero dizer é que a nossa era de ouro acabou. E acabou sem que nos déssemos conta. Acabou quando a seleção parou de ser sinônimo de encantamento. Quando o medo de perder passou a ser maior que a alegria de ganhar. Quando cada convocação virou um debate ideológico, um campo de guerra cultural. Quando a amarelinha passou a carregar mais peso que símbolo.

Dá pra apontar marcos: O 7x1, claro, foi a queda do império. Mas a decadência vinha antes. Veio com o abandono do futebol de rua, com a pasteurização dos talentos, com a exportação precoce de promessas. Nossos craques foram vendidos ainda de fraldas para clubes europeus que os moldaram a um padrão: disciplinado, tático, previsível. O improviso — que era o que nos fazia temidos — virou defeito. “Indisciplina tática”, disseram os analistas. E o drible, que era arte, virou firula. Um erro que não volta.

Hoje, olhamos para a seleção como quem olha para um retrato antigo da avó. Com carinho, sim, mas com certo constrangimento. Como se fosse errado ainda torcer por ela. Como se fosse brega acreditar que o Brasil pode, de novo, encantar o mundo com a bola nos pés. E aí voltamos a falar dos tempos de Pelé, de Zico, de Romário, de Ronaldos. Como se a glória estivesse condenada ao passado. 

Mas veja bem — e aqui falo com toda a teimosia de um torcedor velho: a seleção ainda importa. Não porque ganhe. Mas porque, de alguma forma, ela ainda nos reúne. Ainda nos oferece o raro prazer de torcer juntos, de errar juntos, de sonhar juntos. Ainda é o nosso espelho, mesmo trincado.

Sim, o futebol mudou. Sim, a Europa domina. Sim, a camisa pesa mais do que brilha. Mas talvez — e aqui peço licença para ser ingênuo — talvez ainda haja tempo de reencontrar o que perdemos. Não falo de títulos. Falo de identidade. De voltar a jogar com alegria. De deixar que os meninos joguem com liberdade. De não matar os craques com tática. De permitir o erro bonito, o drible irreverente, o gol que ninguém entendeu.

É o fim de uma era, sim. Mas não precisa ser o fim da esperança. A cultura do futebol brasileiro foi desmontada peça por peça. Mas peças podem ser remontadas. Pode demorar. Pode nem acontecer. Mas enquanto houver alguém com uma bola e dois chinelos fazendo gol de placa na calçada, o Brasil ainda respira.

Até a próxima crônica. E que venha a próxima Copa — com ou sem título, com ou sem VAR,  com ou sem coração.

Nenhum comentário:

Postar um comentário