Lembro do barulho. Do silêncio também. O som das
buzinas antes do jogo, o som da televisão que vinha da casa da vizinha, uns
cinco segundos atrasada da nossa. E depois, o silêncio de quando a bola não
entrava. Ou entrava, mas no nosso gol. A seleção brasileira era, sim, uma
entidade. Uma dessas que a gente não precisa acreditar para respeitar. Como o
sol, que nasce sem que você peça. A seleção era o Brasil que dava certo.
Mas alguma coisa quebrou no caminho. E não foi só o
jejum de títulos. Foi o sumiço de um modo de viver o futebol. A seleção virou
produto. O torcedor virou consumidor. E o menino idoso na rua vestindo camisa
da seleção virou alvo de piada, como se torcer pelo Brasil fosse cafona,
ultrapassado, reacionário até. Ok, utilizaram a camisa amarela para outros fins
que não torcer. Entendo. De quem foi mesmo essa ideia??
Não é disso que quero falar agora, embora tenha
começado. O que quero dizer é que a nossa era de ouro acabou. E acabou sem que
nos déssemos conta. Acabou quando a seleção parou de ser sinônimo de
encantamento. Quando o medo de perder passou a ser maior que a alegria de
ganhar. Quando cada convocação virou um debate ideológico, um campo de guerra
cultural. Quando a amarelinha passou a carregar mais peso que símbolo.
Dá pra apontar marcos: O 7x1, claro, foi a queda do
império. Mas a decadência vinha antes. Veio com o abandono do futebol de rua,
com a pasteurização dos talentos, com a exportação precoce de promessas. Nossos
craques foram vendidos ainda de fraldas para clubes europeus que os moldaram a
um padrão: disciplinado, tático, previsível. O improviso — que era o que nos
fazia temidos — virou defeito. “Indisciplina tática”, disseram os analistas. E
o drible, que era arte, virou firula. Um erro que não volta.
Hoje, olhamos para a seleção como quem olha para um retrato antigo da avó. Com carinho, sim, mas com certo constrangimento. Como se fosse errado ainda torcer por ela. Como se fosse brega acreditar que o Brasil pode, de novo, encantar o mundo com a bola nos pés. E aí voltamos a falar dos tempos de Pelé, de Zico, de Romário, de Ronaldos. Como se a glória estivesse condenada ao passado.
Mas veja bem — e aqui falo com toda a teimosia de um
torcedor velho: a seleção ainda importa. Não porque ganhe. Mas porque, de
alguma forma, ela ainda nos reúne. Ainda nos oferece o raro prazer de torcer
juntos, de errar juntos, de sonhar juntos. Ainda é o nosso espelho, mesmo
trincado.
Sim, o futebol mudou. Sim, a Europa domina. Sim, a
camisa pesa mais do que brilha. Mas talvez — e aqui peço licença para ser
ingênuo — talvez ainda haja tempo de reencontrar o que perdemos. Não falo de
títulos. Falo de identidade. De voltar a jogar com alegria. De deixar que os
meninos joguem com liberdade. De não matar os craques com tática. De permitir o
erro bonito, o drible irreverente, o gol que ninguém entendeu.
É o fim de uma era, sim. Mas não precisa ser o fim da
esperança. A cultura do futebol brasileiro foi desmontada peça por peça. Mas
peças podem ser remontadas. Pode demorar. Pode nem acontecer. Mas enquanto
houver alguém com uma bola e dois chinelos fazendo gol de placa na calçada, o
Brasil ainda respira.
Até a próxima crônica. E que venha a próxima Copa —
com ou sem título, com ou sem VAR, com ou sem coração.
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