De tempos em tempos, algum especialista aparece na TV,
no podcast, na timeline do Instagram, com um ar de cientista social iluminado,
tentando me enfiar num rótulo: “Você é da geração X, viu?”, ou então, “os
millennials são muito imediatistas, por isso não compram casa própria”. E eu
fico olhando. Sem saber se rio ou choro. Porque aqui, no Brasil, geração não é
uma coisa que se herda. É uma coisa que se sobrevive.
Lá fora — na Europa, nos Estados Unidos — esse papo de
gerações pode até fazer algum sentido. Elas foram moldadas por guerras
mundiais, revoluções culturais, ascensões tecnológicas e colapsos econômicos.
Eles tiveram Beatles e bombas atômicas. Tiveram protestos com flores nas armas,
internet discada que virou banda larga, crise de 2008 e recuperação com investimento
público. Aqui, a gente teve o Plano Collor, o Real, o caos, a esperança breve e
a recaída eterna. Gente que perdeu tudo sem nunca ter tido nada.
Dizer que o jovem brasileiro dos anos 1990 é da mesma “geração Y” que o jovem londrino da mesma década é o mesmo que dizer que um carro sem motor é igual a um foguete porque ambos têm rodas.
Aqui, a juventude não foi moldada por tendências globais, mas por gambiarras domésticas. Enquanto lá fora os adolescentes aprendiam a usar a internet em casa, nós aprendíamos a usar o jeitinho para acessar o Orkut de madrugado pagando um único pulso telefônico, ou no computador da lan house, torcendo para que ninguém puxasse o cabo.
Falam que a geração Z é nativa digital. No Brasil, o
que a gente tem é o analógico remendado com fita isolante. O menino do interior
que sabe mexer no TikTok, ao redor de vizinhos sem café da manhã, almoço ou
janta. A menina da periferia que grava vídeos com filtro de Paris, mas nunca
saiu do bairro, literalmente. Adolescentes com celulares de última geração e
contas de luz cortadas. Conectados ao mundo e desconectados da própria
dignidade.
Aqui não há geração Alpha, há geração Aspirina: cresce
com dor de cabeça. Tem dez anos e já conhece palavras como “boletim de
ocorrência”, “despejo”, “depressão”. Em vez de crescerem com medo de provas
escolares, crescem com medo de bala perdida. Em vez de pensarem na faculdade,
pensam se vai dar pra levar a marmita da mãe até o trabalho porque o bilhete
único não cobre a volta. Essas crianças não são o futuro. São o atraso do
passado que nunca passa.
E quando alguém fala que os boomers têm valores
rígidos e os millennials são flexíveis, eu me pergunto: que valores são esses
que atravessaram o Atlântico com tanto zelo, mas esqueceram de passar pelo
Brasil? Aqui, os pais queriam um futuro melhor para os filhos, mas acabaram
ensinando a sobreviver ao presente. Aqui, o futuro não chega. Ele encosta,
pensa melhor e dá meia-volta.
É curioso: dizem que cada geração tem uma missão. Mas
a única missão que nos deram foi aguentar. Aguentar o sucateamento da escola, a
fila do posto de saúde, o transporte lotado, o salário-mínimo, o assédio no
trabalho, a boca de fumo esquina, a promessa que não se cumpre. (Chamar ponto
de venda de droga de boca de fumo é coisa de qual geração? Pouco importa...).
Somos uma geração de resistência, mas sem o romantismo
da luta. Resistência por inércia, não por escolha.
A gente não é geração X, Y ou Z. A gente é geração “se
der”. Se der, estuda. Se der, trabalha. Se der, come. Se der, sonha. Mas quase
nunca dá. E quando dá, é por pouco tempo. Porque logo o país muda as regras,
sobe o preço, corta o direito, revoga a esperança.
Então, não me venham com siglas e rótulos embalados a
vácuo. Não tentem me vender a ilusão de pertencimento a uma geração que nunca
existiu. A gente não coube nas letras do alfabeto porque aqui a história é
analfabeta de futuro. Somos uma geração que nasceu no parágrafo errado da
história, e que ainda assim tenta, todo dia, escrever alguma coisa no rodapé.
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