Você estava voltando pra casa.
Era isso o que dizia o bilhete amarrotado no fundo do
bolso: “Voltar pra casa”. Simples assim. Sem endereço, sem ponto de referência,
sem mapa. Apenas essa ordem mansa, quase um sussurro maternal: volte pra casa.
Mas você — você não se lembra mais do caminho.
Isso acontece, dizem. Esquecer-se. Primeiro, a chave
do portão. Depois, o nome daquela rua com cheiro de pão quente. O número da
casa onde a mãe bordava silêncios. Aos poucos, como quem desata os nós do
tempo, você desaprende a volta.
O curioso é que você não percebe quando começa o
esquecimento. Talvez tenha sido no dia em que decidiu ser prático. Quando
trocou o banco da praça por uma planilha, o pôr do sol por reuniões de
feedback. Quando o balanço da infância virou enxaqueca e prazo.
“Você estava voltando pra casa...”
Essa frase não é só geográfica. É existencial. Voltar
pra casa é mais do que voltar pro lugar onde as meias ficam guardadas. É
reencontrar o ponto de partida, o cheiro de bolo que não vem da padaria, a
saudade que não tem nome porque sempre esteve com você.
E agora, no meio do caminho, parado feito um ponto de
interrogação entre dois semáforos, você percebe que se perdeu. Não por falta de
placas, mas por excesso de pressa.
E se a casa não for mais um lugar? E se for um estado
de alma?
Rubem Alves, se estivesse ao seu lado, talvez lhe
dissesse: “A casa verdadeira não tem paredes, tem aconchego. Tem a cadeira em
que se senta o coração. A casa é onde aquilo que somos é bem-vindo, sem
necessidade de performance.”
Você se lembra vagamente: havia um cachorro. Um
quintal com formigas em marcha. Uma escada que rangia em cumplicidade. Talvez a
casa esteja em algum lugar entre a infância e o devaneio. Talvez, para
reencontrá-la, seja preciso deixar de procurar com os pés e começar a buscar
com os olhos fechados.
Quem sabe o caminho de volta não seja uma linha reta,
mas um círculo. E você só precise parar de andar pra finalmente voltar.
Você estava voltando pra casa.
Ainda está.
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