terça-feira, 20 de maio de 2025

Voltando pra casa

 

Você estava voltando pra casa.

Era isso o que dizia o bilhete amarrotado no fundo do bolso: “Voltar pra casa”. Simples assim. Sem endereço, sem ponto de referência, sem mapa. Apenas essa ordem mansa, quase um sussurro maternal: volte pra casa.

Mas você — você não se lembra mais do caminho.

Isso acontece, dizem. Esquecer-se. Primeiro, a chave do portão. Depois, o nome daquela rua com cheiro de pão quente. O número da casa onde a mãe bordava silêncios. Aos poucos, como quem desata os nós do tempo, você desaprende a volta.

O curioso é que você não percebe quando começa o esquecimento. Talvez tenha sido no dia em que decidiu ser prático. Quando trocou o banco da praça por uma planilha, o pôr do sol por reuniões de feedback. Quando o balanço da infância virou enxaqueca e prazo.

“Você estava voltando pra casa...”

Essa frase não é só geográfica. É existencial. Voltar pra casa é mais do que voltar pro lugar onde as meias ficam guardadas. É reencontrar o ponto de partida, o cheiro de bolo que não vem da padaria, a saudade que não tem nome porque sempre esteve com você.

E agora, no meio do caminho, parado feito um ponto de interrogação entre dois semáforos, você percebe que se perdeu. Não por falta de placas, mas por excesso de pressa.

E se a casa não for mais um lugar? E se for um estado de alma?

Rubem Alves, se estivesse ao seu lado, talvez lhe dissesse: “A casa verdadeira não tem paredes, tem aconchego. Tem a cadeira em que se senta o coração. A casa é onde aquilo que somos é bem-vindo, sem necessidade de performance.”

Você se lembra vagamente: havia um cachorro. Um quintal com formigas em marcha. Uma escada que rangia em cumplicidade. Talvez a casa esteja em algum lugar entre a infância e o devaneio. Talvez, para reencontrá-la, seja preciso deixar de procurar com os pés e começar a buscar com os olhos fechados.

Quem sabe o caminho de volta não seja uma linha reta, mas um círculo. E você só precise parar de andar pra finalmente voltar.

Você estava voltando pra casa.

Ainda está.

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