Andam dizendo por aí — com aquela autoridade de quem
nunca te olhou nos olhos — que a zona de conforto é um lugar perigoso. Que é
armadilha, ilusão, areia movediça da alma. Dizem com ares de guru: “Saia da
zona de conforto, é lá fora que a vida acontece!” Como se a felicidade
estivesse sempre na próxima esquina, e a gente fosse um cachorro sendo treinado
com petiscos invisíveis.
Eu desconfio.
Desconfio de quem prega o desconforto como virtude. De
quem vive vendendo o caos como oportunidade. Tem gente que acha que a paz dos
outros é provocação. Gente que olha a sua rede estendida entre duas árvores e
pensa: “hmmm... deve ser bom demais pra ele.” E é. E o incômodo nasce daí.
A verdade é que ninguém te convida a sair da zona de
conforto pra te ver voar. Te convidam porque querem a janela que você tem. O
tapete que já moldou seu pé. O cantinho que você forrou com tempo, feridas e
pequenas vitórias silenciosas. Porque é mais fácil mandar o outro se reinventar
do que construir a própria morada interior.
E aí entra a metáfora da vida como uma selva. Você já
notou? Todo mundo quer te jogar no meio do mato, com faca nos dentes e coaching
na orelha. Querem que você lute com leões, escale montanhas, medite em desertos
— tudo isso com uma hashtag motivacional. Mas ninguém te pergunta se você
queria, mesmo, era só cuidar do seu jardim.
E eu quero.
Quero um jardim cercado de inércia proposital, onde as
flores brotam sem me cobrar performance. Quero uma zona de conforto com cheiro
de pão quente e som de chuva fina. Onde os móveis têm a forma exata das minhas
saudades e as paredes, a cor dos dias em que fui feliz sem saber.
Conforto não é preguiça. É trégua. É aquilo que a
gente constrói depois de perder muito, cair feio e levantar torto, mas ainda
assim levantar. Minha zona de conforto é cicatriz transformada em almofada. É
chão limpo depois de muito tropeço. É meu território conquistado com pequenas
guerras diárias: responder e-mails, engolir sapos, calar na hora certa, falar
quando dói.
A cultura do desconforto virou uma indústria. E como
toda indústria, lucra com a nossa insegurança. Te vendem uma crise como ponto
de partida e um curso de 12 passos como salvação. Como naquele poema horroroso
que era moda no início do Século XX: Mude, mas mude devagar. Pesquisa aí! É
lindamente horroroso. Uma ode ao consumo.
Retomando...
Mas talvez, só talvez, o que você precisa é descansar.
Respirar. Ficar. Cultivar raízes em vez de asas, pelo menos por um tempo.
Então, quando te disserem “sai da zona de conforto”,
ouça com cuidado. Veja se não tem alguém estendendo uma toalha de piquenique na
sua sombra. Veja se o conselho vem com uma segunda intenção: tomar o seu lugar,
te vender uma viagem chata para um lugar chato cheio de gente chata com seus
celulares e stories... ou isso ou simplesmente te ver vacilar, cair torto sem
colchão. Duro e triste e sem irmãos... (Essa eu rimei de propósito, nem fez
muito sentido, mas que fique aí...)
Porque eu, hoje, não saio. Hoje eu me abraço. Me cubro
com meus silêncios e estendo minha rede imaginária.
Pode parecer pouco pra quem vive de adrenalina, mas
pra mim é revolução.
Quero uma zona de conforto só minha — e bem
delimitada. Com placas dizendo: “Não entre. Aqui mora alguém que já lutou
demais.”
Quero me abraçar com os dois braços e ambas as mãos.
Estou farto de defender meu conforto de quem o chama
de estagnação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário