domingo, 18 de maio de 2025

Zona de conforto, areia movediça e sapos.

 

Andam dizendo por aí — com aquela autoridade de quem nunca te olhou nos olhos — que a zona de conforto é um lugar perigoso. Que é armadilha, ilusão, areia movediça da alma. Dizem com ares de guru: “Saia da zona de conforto, é lá fora que a vida acontece!” Como se a felicidade estivesse sempre na próxima esquina, e a gente fosse um cachorro sendo treinado com petiscos invisíveis.

Eu desconfio.

Desconfio de quem prega o desconforto como virtude. De quem vive vendendo o caos como oportunidade. Tem gente que acha que a paz dos outros é provocação. Gente que olha a sua rede estendida entre duas árvores e pensa: “hmmm... deve ser bom demais pra ele.” E é. E o incômodo nasce daí.

A verdade é que ninguém te convida a sair da zona de conforto pra te ver voar. Te convidam porque querem a janela que você tem. O tapete que já moldou seu pé. O cantinho que você forrou com tempo, feridas e pequenas vitórias silenciosas. Porque é mais fácil mandar o outro se reinventar do que construir a própria morada interior.

E aí entra a metáfora da vida como uma selva. Você já notou? Todo mundo quer te jogar no meio do mato, com faca nos dentes e coaching na orelha. Querem que você lute com leões, escale montanhas, medite em desertos — tudo isso com uma hashtag motivacional. Mas ninguém te pergunta se você queria, mesmo, era só cuidar do seu jardim.

E eu quero.

Quero um jardim cercado de inércia proposital, onde as flores brotam sem me cobrar performance. Quero uma zona de conforto com cheiro de pão quente e som de chuva fina. Onde os móveis têm a forma exata das minhas saudades e as paredes, a cor dos dias em que fui feliz sem saber.

Conforto não é preguiça. É trégua. É aquilo que a gente constrói depois de perder muito, cair feio e levantar torto, mas ainda assim levantar. Minha zona de conforto é cicatriz transformada em almofada. É chão limpo depois de muito tropeço. É meu território conquistado com pequenas guerras diárias: responder e-mails, engolir sapos, calar na hora certa, falar quando dói.

A cultura do desconforto virou uma indústria. E como toda indústria, lucra com a nossa insegurança. Te vendem uma crise como ponto de partida e um curso de 12 passos como salvação. Como naquele poema horroroso que era moda no início do Século XX: Mude, mas mude devagar. Pesquisa aí! É lindamente horroroso. Uma ode ao consumo.

Retomando...

Mas talvez, só talvez, o que você precisa é descansar. Respirar. Ficar. Cultivar raízes em vez de asas, pelo menos por um tempo.

Então, quando te disserem “sai da zona de conforto”, ouça com cuidado. Veja se não tem alguém estendendo uma toalha de piquenique na sua sombra. Veja se o conselho vem com uma segunda intenção: tomar o seu lugar, te vender uma viagem chata para um lugar chato cheio de gente chata com seus celulares e stories... ou isso ou simplesmente te ver vacilar, cair torto sem colchão. Duro e triste e sem irmãos... (Essa eu rimei de propósito, nem fez muito sentido, mas que fique aí...)

Porque eu, hoje, não saio. Hoje eu me abraço. Me cubro com meus silêncios e estendo minha rede imaginária.

Pode parecer pouco pra quem vive de adrenalina, mas pra mim é revolução.

Quero uma zona de conforto só minha — e bem delimitada. Com placas dizendo: “Não entre. Aqui mora alguém que já lutou demais.”

Quero me abraçar com os dois braços e ambas as mãos.

Estou farto de defender meu conforto de quem o chama de estagnação.

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