quinta-feira, 22 de maio de 2025

Sexo, televisão e silêncio.

 

Não lembro exatamente quando foi que o toque perdeu a graça. Talvez tenha sido quando trocamos o cheiro de pele pelo de amaciante de propaganda. Ou quando a expectativa de um corpo quente do outro lado da cama foi substituída por um fone de ouvido e um episódio novo de Lost. Pode ter sido ali, em algum momento entre o “me avisa quando chegar” e o “vou dormir, tô cansado”, que o sexo morreu — e ninguém foi ao velório.

Fazer amor virou coisa de filme antigo. Daqueles em preto e branco, em que as pessoas transavam com mais desejo do que os casais de hoje depois de três taças de vinho e meia hora de scroll no Instagram. Trocar saliva virou hábito de quem ainda não entendeu que o novo prazer é silencioso, solitário, anestesiado. O novo prazer é digital, sintético, asséptico, seguro — e vazio.

A televisão veio primeiro, nos ensinando a ver histórias mais interessantes do que as nossas. Depois o cinema, embalando a ilusão de que o amor bom mesmo é o que acontece em Paris com trilha sonora de piano e closes em câmera lenta. Já ali o sexo foi domesticado: cheio de cortes, ângulos suaves e corpos impossíveis. Quando o casal se beija, o espectador suspira. Mas não levanta. Fica ali, sentado, em sua poltrona, desejando uma vida que não vai viver.

Aí chegaram as redes sociais. E a pornografia gratuita, os filtros, os influencers com seus abdomens e bundas dizendo que a verdadeira intimidade é “ser você mesmo”. O problema é que ninguém é mais si mesmo. A libido virou performance. O tesão agora depende de curtidas. O nude precisa de edição. O desejo precisa de Wi-Fi.

Por que transar com alguém se você pode jogar um game que libera dopamina a cada fase? Se pode ver um filme em que o protagonista nunca broxa, sem  bafo, não ronca? Para que o risco do afeto, do cheiro, do constrangimento, se você pode ter tudo isso sem levantar da cadeira? Com o tempo, as pessoas aprenderam que o prazer do corpo exige trabalho, e suar está fora de moda. Melhor um cigarro eletrônico e um shot de tequila. Melhor a cerveja gelada no bar do que o corpo quente no lençol amarrotado. Melhor o vibrador com dez velocidades e sem julgamento.

O prazer está higienizado. Sem pelos, sem fluídos, sem gemidos que escapam do controle. O sexo, quando acontece, é por protocolo — ou tédio. Aplicativos nos colocam uns diante dos outros como carne de supermercado, e ninguém mais cozinha. Só consome. Passamos o dedo, escolhemos, descartamos. Transamos sem encostar. Gozamos sem sentir. Vivemos sem viver.

E por que isso é péssimo para o indivíduo? Porque o humano foi feito de toque. Não é filosofia barata, é biologia básica: somos pele, cheiro, suor (e urina e fezes, há quem goste, e há quem goste de cada coisa). O corpo precisa do outro. A alma também. Sem contato, viramos máquinas que se masturbam diante de telas, que fingem estar felizes com suas rotinas fitness e seus relacionamentos abertos que nunca se abrem de verdade. O orgasmo virou distração. A intimidade fobia. O amor uma piada.

Não é à toa que nunca estivemos tão ansiosos, tão deprimidos emedicados. O que falta não é terapia, nem yoga, nem mindfulness. Falta olho no olho. Falta beijo com gosto de vinho barato. Falta silêncio a dois. Falta gozar com a alma. Ou simplesmente gozar.

Ponto.

Mas preferimos o entorpecimento. Preferimos a maratona de séries ao corpo suado. A cocaína social dos likes. Preferimos o conforto de um game do que o desconforto de amar alguém que pode nos rejeitar. Preferimos não sentir. E, no fim, já não preferimos nada. Apenas repetimos, anestesiados, o ritual de fingir que estamos vivos.

O sexo não morreu, dizem. Está evoluindo, dizem. Estão errados. O sexo morreu. Foi morto por um algoritmo. E a gente ainda compartilhou o velório no stories.

Boa noite. E durma bem,  sozinho ou não.

 

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