Não lembro exatamente quando foi que o toque perdeu a
graça. Talvez tenha sido quando trocamos o cheiro de pele pelo de amaciante de
propaganda. Ou quando a expectativa de um corpo quente do outro lado da cama
foi substituída por um fone de ouvido e um episódio novo de Lost. Pode ter sido
ali, em algum momento entre o “me avisa quando chegar” e o “vou dormir, tô
cansado”, que o sexo morreu — e ninguém foi ao velório.
Fazer amor virou coisa de filme antigo. Daqueles em
preto e branco, em que as pessoas transavam com mais desejo do que os casais de
hoje depois de três taças de vinho e meia hora de scroll no Instagram. Trocar
saliva virou hábito de quem ainda não entendeu que o novo prazer é silencioso,
solitário, anestesiado. O novo prazer é digital, sintético, asséptico, seguro —
e vazio.
A televisão veio primeiro, nos ensinando a ver
histórias mais interessantes do que as nossas. Depois o cinema, embalando a
ilusão de que o amor bom mesmo é o que acontece em Paris com trilha sonora de
piano e closes em câmera lenta. Já ali o sexo foi domesticado: cheio de cortes,
ângulos suaves e corpos impossíveis. Quando o casal se beija, o espectador
suspira. Mas não levanta. Fica ali, sentado, em sua poltrona, desejando uma
vida que não vai viver.
Aí chegaram as redes sociais. E a pornografia
gratuita, os filtros, os influencers com seus abdomens e bundas dizendo que a
verdadeira intimidade é “ser você mesmo”. O problema é que ninguém é mais si
mesmo. A libido virou performance. O tesão agora depende de curtidas. O nude
precisa de edição. O desejo precisa de Wi-Fi.
Por que transar com alguém se você pode jogar um game
que libera dopamina a cada fase? Se pode ver um filme em que o protagonista
nunca broxa, sem bafo, não ronca? Para
que o risco do afeto, do cheiro, do constrangimento, se você pode ter tudo isso
sem levantar da cadeira? Com o tempo, as pessoas aprenderam que o prazer do
corpo exige trabalho, e suar está fora de moda. Melhor um cigarro eletrônico e
um shot de tequila. Melhor a cerveja gelada no bar do que o corpo quente no
lençol amarrotado. Melhor o vibrador com dez velocidades e sem julgamento.
O prazer está higienizado. Sem pelos, sem fluídos, sem
gemidos que escapam do controle. O sexo, quando acontece, é por protocolo — ou
tédio. Aplicativos nos colocam uns diante dos outros como carne de
supermercado, e ninguém mais cozinha. Só consome. Passamos o dedo, escolhemos,
descartamos. Transamos sem encostar. Gozamos sem sentir. Vivemos sem viver.
E por que isso é péssimo para o indivíduo? Porque o
humano foi feito de toque. Não é filosofia barata, é biologia básica: somos
pele, cheiro, suor (e urina e fezes, há quem goste, e há quem goste de cada
coisa). O corpo precisa do outro. A alma também. Sem contato, viramos máquinas
que se masturbam diante de telas, que fingem estar felizes com suas rotinas
fitness e seus relacionamentos abertos que nunca se abrem de verdade. O orgasmo
virou distração. A intimidade fobia. O amor uma piada.
Não é à toa que nunca estivemos tão ansiosos, tão
deprimidos emedicados. O que falta não é terapia, nem yoga, nem mindfulness.
Falta olho no olho. Falta beijo com gosto de vinho barato. Falta silêncio a
dois. Falta gozar com a alma. Ou simplesmente gozar.
Ponto.
Mas preferimos o entorpecimento. Preferimos a maratona
de séries ao corpo suado. A cocaína social dos likes. Preferimos o conforto de
um game do que o desconforto de amar alguém que pode nos rejeitar. Preferimos
não sentir. E, no fim, já não preferimos nada. Apenas repetimos, anestesiados,
o ritual de fingir que estamos vivos.
O sexo não morreu, dizem. Está evoluindo, dizem. Estão
errados. O sexo morreu. Foi morto por um algoritmo. E a gente ainda
compartilhou o velório no stories.
Boa noite. E durma bem, sozinho ou não.
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