segunda-feira, 12 de maio de 2025

Silêncio, casas noturnas e garçons estressados.

 

Vinha pela rua ontem à noite — bairro boêmio, tradicional, onde já se ouviu muito samba, muito rock, muito grito apaixonado vindo de alguma mesa de bar — e o que encontrei foi silêncio. Um silêncio que não era paz, era ausência. Ausência de vida noturna, de vozes trocando segredos bêbados, de fila na porta da balada, de taxista com o braço pendurado no vidro esperando a próxima corrida.

A noite, pelo menos essa que a gente romantizava (eu romantizava), essa noite morreu.

Sumiram os bares cheios de gente rindo alto. Sumiram as boates (palavra de velho como eu, palavra já velha no meu tempo), retornando: boates com cheiro de suor e desejo.

Sumiram os DJs, os garçons estressados, as mulheres com salto na mão às quatro da manhã, os homens trôpegos procurando o número do Uber.

O noturno virou diurno — controlado, higienizado, domesticado. E sem aviso prévio. Acabou de uma hora pra outra, quase foi possível ver o esvanecer entre fumaça.

A culpa é do celular, talvez. Ou da exposição. Antigamente (outra palavra de velho), antigamente, a noite era o espaço da liberdade com prazo de validade: o que acontecia nela morria ali mesmo, enterrado ao nascer do sol. A balada era confessionário sem padre. Agora, há sempre alguém gravando. A dança virou performance, o beijo conteúdo, o deslize virou escândalo.

Não se vive a noite: se transmite. A transmissão mata a experiência. E querem que eu seja visto justo quando eu mais quero sumir?

Além disso, há o "esquenta", um ritual moderno de economia e de improviso. Fruto de um outro momento histórico. Sem magia ou poesia. Sem encanto.

Beber no posto, na frente da adega, no estacionamento do mercado. A balada como etapa opcional. A festa começando e terminando no asfalto.

As casas noturnas perderam receita, perderam público, perderam sentido. A entrada não paga a luz, o som, o segurança, o DJ. E então elas fecharam. Uma a uma. Como velhas senhoras cansadas de esperar por visitas que não vêm mais.

Nas periferias, a madrugada ainda barulha — mas não como uma celebração à vida, meio que uma ocupação forçada do espaço público.

Os "fluxos" tomam praças, avenidas, postos de gasolina, não como festas espontâneas, mas como eventos que muitas vezes têm por trás o financiamento do tráfico, a ausência do Estado e o abandono das políticas públicas.

O funk alto não embala sonhos, abafa o descanso dos trabalhadores. O litrão não celebra a juventude, embriaga a falta de perspectiva.

Longe de ser a noite romântica dos poetas e boêmios. É a noite do improviso imposto, do barulho sem limites, da infância exposta à violência e da adolescência entregue ao risco. E quem reclama é acusado de elitismo, moralismo — como se desejar silêncio, segurança e dignidade fosse um privilégio.

Talvez a noite não tenha mudado de endereço. Talvez ela tenha sido corrompida, sequestrada. Nos bairros centrais, foi domesticada. Nas bordas, foi desvirtuada. A boemia que conhecíamos está em coma, sim — mas o que nasceu em seu lugar, nas periferias, está longe de ser uma alternativa saudável. É uma noite que adoece, que esgota, que espalha medo em vez de encontro.

A verdadeira noite, aquela que instiga, que pulsa com arte, que convida ao improviso sem violência, morreu. E, nesse vazio, cada madrugada parece um grito sem escuta.

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