terça-feira, 17 de junho de 2025

Coesão, Chico Buarque e mal-fodidos.

 Uma das definições mais importantes da gramática atende pelo nome de coesão textual. Em termos simples? É dizer mais com menos. Fácil de entender — poucos exemplos bastam. E não há um único aluno neste planeta que termine a Educação Básica sem ouvir falar disso. Acontece em todas as línguas, em qualquer canto do mundo.

O problema é que o Brasil — esse mesmo onde a gente vive — não parece ligar muito pra formação básica. No discurso, sim. Na prática, não. Ir à escola, seja ela pública, privada ou confessional, não garante aprendizado. Nenhuma delas. A educação brasileira já nasce descuidada e ainda apanha de ignorantes sem leitura, sem base, sem vergonha na cara. Um dia, ainda escrevo a crônica que vivo me prometendo sobre essa geração que não lê, aprende com professores que também não leram, formados por uma leva anterior que lia menos ainda. Um ciclo vicioso de desinformação.

Estou me perdendo? Talvez. Mas como diria Clarice — a Lispector, claro: “Se estou confusa, não me importo. Eu me entendo.”

De todo modo, quero ser claro sobre a tal coesão e por que estou escrevendo sobre ela.

O fato de estúpidos ensinarem outros estúpidos, seguindo orientações igualmente estúpidas sem consultar fontes... deixo pra outra hora. Agora é aula de língua portuguesa. Básica. Bem básica.

Coesão. Vamos lá.

É usar menos palavras — às vezes até menos letras — pra dizer mais. Exemplo? O uso do masculino como forma de coesão. Não como instrumento do patriarcado, mas como estrutura da língua. “Os humanos habitam a Terra.” Inclui mulheres? Sim. E se eu disser “as humanas”? Aí excluo os homens. O masculino, no plural ou no singular, também serve como forma neutra.

Nos anos 80, Sarney — presidente na época — começava seus discursos com “brasileiros e brasileiras”. Não é exatamente erro. É falta de coesão. Numa redação do ENEM, por exemplo, perderia ponto. Bastava “brasileiros” pra incluir todos. Se quiser soar neutro de verdade, diga “pessoas do Brasil”. Simples.

Esse jogo entre estilo, adaptação, metáfora, é da ordem da estilística. É o que faço aqui: modular uma voz humana, escrever como quem conversa.

Quer mais exemplo de falta de coesão? Os eufemismos que contornam palavras por preconceito ou desculpas pseudo-históricas. Em vez de uma palavra, damos voltas e mais voltas pra não ofender, e o texto vira um emaranhado insosso. Não se pode mais dizer “puta”, “prostituta” ou “meretriz”. Preferem “garota de programa”, “mina do job”, “mulher da noite”. Moralismo disfarçado — tanto da esquerda quanto da direita.

Lembro das personagens ultrarreligiosas de Dias Gomes. Hoje, lembram certos militantes de esquerda: feministas, ativistas, defensores de qualquer causa. Todos com medo das palavras. Todos temendo ofender seu deus — seja ele o catolicismo, o marxismo ou o feminismo. Aliás, seria o marxismo e o feminismo brasileiros versões seculares do catolicismo nacional? Perguntar não ofende.

Não se diz mais “prostituição”, mas “modelo de book rosa”.

“Estupro” virou “violência sexual”.

“Pedofilia”? Agora é “abuso infantil”.

E “gay, lésbica, bissexual”? Não. Agora é LGBTQIA+. E, até onde estudei, parava aí.

E tem mais: aquelas trocas que não dizem absolutamente nada. Chamam de politicamente corretas, mas só deformam, distorcem, corrompem.

“Ladrão”? Agora é “suspeito”.

“Assassino”? Também não. “Indivíduo investigado”.

Já vi num telejornal: “Há indícios de que fulano seja suspeito de cometer o crime.” Juro. Assim mesmo. Vídeo do crime, flagrante, e o sujeito é... suspeito.

Se fosse eu, diria direto: “Fulano é o suspeito.” Ou: “Há indícios que levantam suspeita sobre fulano.” Menos palavras, mais clareza. Drummond já dizia — e quem ousa discordar dele? —: escrever é cortar palavras.

Um dia volto só pra falar do politicamente correto. Porque, pelo visto, ninguém mais quer ser entendido. É um bando de gente burra — sim, burra, não “mal informada” — dando aula, vendendo livro, vídeo, curso. E dar voltas na língua é típico de tempos autoritários.

Chico Buarque cantou:

“Hoje você é quem manda
Falou, tá falado
Não tem discussão, não...”

E disse assim porque não podia dizer o óbvio: “Tem censura. Se a gente falar, a gente morre.”

Quando começamos a substituir palavras por medo, estamos sendo reprimidos. Em casa, chama-se educação: não se diz “puta” no jantar. Na escola, formação: não se chama o professor de “mano”. No Congresso, protocolo: trata-se o colega por “Vossa Excelência”. Ok.

Mas no dia a dia, se sou obrigado a dar voltas pra seguir cartilhas escritas por analfabetos de Ciências Sociais, então eu chamo do que é: autoritarismo, censura, ditadura, o nome que quiser.

Viram? Usei “analfabetos de Ciências Sociais” direto. Não fui prolixo dizendo “estudantes funcionalmente analfabetos de cursos de humanas, prioritariamente Ciências Sociais, não exclusivamente”. Fui direto.

Porque dar nome aos bois é papel de quem escreve com clareza. E esses bois — malformados, malfodidos, mal-amados — não entendem nem a própria existência. Falta sexo pra essa gente.

Em vez de dizer “dor de corno”, dizem “situação delicada”.

Em vez de “desempregado”, dizem “em transição de carreira”.

Em vez de “sou gay”, dizem “estou me descobrindo”.

Cansa.

E, confesso, cansei por hoje. Volto a esse assunto depois.

Até!


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