Outro dia me dei conta, entre um cafezinho morno e um feriado no calendário, que o Brasil é uma espécie de convento tropical de proporções continentais. Um país inteiro de chinelo no pé, água de coco na mão e um calendário que mais parece o missal romano – só que com menos culpa e mais churrasco. Não é por acaso. Nenhum outro povo no planeta celebra tanto santo quanto o brasileiro. Nem mesmo os italianos, coitados, que ainda tentam manter o Vaticano funcionando enquanto o Brasil fecha banco na quinta-feira por causa de um corpo que subiu aos céus.
Sim, caro leitor, mais um feriado. E como todo bom brasileiro que se preza, eu fui conferir o motivo: Corpus Christi. O nome, em latim, já denuncia que o motivo é sério. Mas no fundo a celebração mesmo é de uma nação que aprendeu a transformar Deus em folga remunerada.
É bonito de ver. O feriado religioso aqui não é uma pausa, é um projeto civilizatório. Temos santos padroeiros de bairros, cidades, estados inteiros. Tem São Paulo, Santa Catarina, Espírito Santo. Cidades chamadas Nossa Senhora das Dores, Bom Jesus da Lapa, São Sebastião do Paraíso. E se faltar um padroeiro no CEP, a gente inventa. A devoção por aqui é como o feijão com arroz: se não tem no prato, falta sabor.
O brasileiro é um sujeito que pode até esquecer a tabuada, mas sabe de cor quando é Finados, Nossa Senhora Aparecida, Imaculada Conceição e Sexta-feira Santa. A gente não celebra datas. A gente as canoniza.
E veja bem: até os que juram ter saído da Igreja continuam presos ao calendário dela. O evangélico do bairro, por exemplo, critica o catolicismo romano com veemência, mas está lá, de Bíblia em punho, anunciando um culto de cura e libertação justo no dia de São Jorge. “Foi coincidência”, ele dirá. Mas ninguém marca nada no Brasil sem antes consultar a liturgia. É um tipo de DNA espiritual, como quem já nasce com um terço amarrado no umbigo.
É tão estrutural que até os sobrenomes carregam o peso da fé. Tem Ferreira da Cruz, Batista dos Anjos, Oliveira do Carmo. Gente que pode não ir mais à missa, mas traz no nome a certidão de batismo da própria identidade. E os que acham que escaparam da religião porque não têm fé, tampouco sobrenome litúrgico, ainda assim moram na Rua São João ou pegam a condução para o bairro Santo Amaro, e sonham com as praias de Santa Cruz Cabrália, como se uma geografia laica fosse possível num país onde até o mapa é um relicário.
É preciso entender que o Brasil não é católico por escolha. É católico por alicerce. O cimento que gruda o concreto ao barro deste país tem cheiro de incenso e ecoa cânticos gregorianos.
Mesmo os ritos evangélicos, neopentecostais, reformados, progressistas ou retrógrados, são filhos rebeldes da velha mãe Igreja. Trocaram os santos por pastores, a hóstia pelo copo de suco, o confessionário pela fogueira santa, mas mantiveram a teatralidade barroca, a culpa difusa, a obsessão com o diabo e a paixão pela cruz. Aqui, mesmo quem cospe na cruz o faz em nome dela.
Talvez, no fim, o feriado religioso seja a maneira que encontramos de continuar rezando sem dobrar os joelhos. Não ajoelhamos, mas fechamos o banco. Não oramos em latim, mas abrimos a cerveja. Não sabemos mais fazer o sinal da cruz, mas agradecemos pelo descanso. E ao fazê-lo, reafirmamos, sem perceber, que o Brasil, antes de ser laico, é devoto. Devoto da folga, da fé e do feriado.
E que Deus nos conceda mais um. Amém.
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