Sou um brasileiro cansado. Exausto. E, como todo
brasileiro cansado, carrego em mim uma contradição desconfortável: não suporto
Lula, mas também não suporto Bolsonaro. E me dói dizer isso em voz alta porque,
no Brasil de agora, recusar essas duas biscas é automaticamente se alistar no
exército do inimigo imaginário. Ou se é gado ou comunista. Ou ladrão ou
genocida. Ou vermelho ou verde.
A neutralidade é um crime. O pensamento complexo,
traição. E o silêncio, covardia.
Permaneço aqui, no limbo. Entre um poste e um porrete.
Entre o sindicalista e o capitão. Entre o cor-de-rosa e o verde-oliva. Como num
episódio ruim de “Game of Thrones”, torcendo para que todos morram, enquanto o
reino ferve e o povo queima vivo entre os escombros.
E me pergunto: como que a política de um país se
transforma em teatro? Como que aceitar a dúvida se transforma em motivo de
apedrejamento?
O pensamento crítico é doloroso. Pensar faz com que
você seja rejeitado pelas duas torcidas. Pensar é ser punido por ter memória. A
memória, no Brasil, é subversiva.
Lembro que Lula esteve no poder por mais de uma
década. Nesse tempo, as empreiteiras nadaram em dinheiro, os banqueiros riram
alto, e toma-lhe mensalão, petrolão, e os pobres... continuaram esperando.
Lembro que Bolsonaro flertou com o autoritarismo,
debochou da morte, preferiu defender os filhos a dar seguimento à Operação Lava
jato e vendeu a esperança a gritos histéricos.
E, ainda assim,
nos dizem que temos que escolher: É Lula!!!! Grito imitando a voz rouca o
Alckmista... ou mito! Mito! Mito! Grito repetindo a turba. Como se a democracia
fosse um jogo de dois botões.
Não é.
O Brasil não é uma democracia — é um acampamento, um
fazenda cercada por água e gente falando espanhol. É uma arquibancada. Um
estádio lotado onde todos berram e ninguém escuta. Onde a política virou
reality show, e o voto, um emoji. A guerra ideológica o novo pão e circo. E o
povo, coitado, ainda acredita que está jogando, quando na verdade é quem paga o
ingresso.
E essa polarização não é acidente. É projeto.
Funciona. Divide-se para reinar. Enquanto a esquerda e a direita gritam, o ovo,
o café, o tomate, a sardinha, o filé, o arroz seguem caros, o salário segue
indigno, a escola caindo aos pedaços.
Enquanto discutimos se um presidiário pode ser
presidente ou se um militar pode ser messias, o país afunda como uma jangada
furada em mar revolto.
É a velha história da Transamazônica: uma estrada que
começa, mas nunca termina. Assim é o Brasil. Um país que não finaliza nada,
nada além de sua própria desgraça — e isso não é por acaso. O inacabado é útil.
É funcional. O Brasil é um projeto que deu certo para quem deseja que ele nunca
dê certo.
A Transamazônica virou símbolo de promessa que não
chega. De desenvolvimento que nunca desembarca. De progresso que anda em marcha
lenta, atolado na lama. E não pensem que é incompetência, é estratégia. O
inacabado serve bem. Um país onde nada se conclui é perfeito para quem vive de
administrar o caos.
Nietzsche alertava: “quem luta com monstros deve
cuidar para não se tornar um.” E aqui estamos, monstros de todos os lados.
Espelhados no ódio que fingimos combater. A esquerda transformou-se em paródia da
própria imbecilidade enquanto a direita picha estátua com batom após conversar
discos voadores. E o centro... o centro virou um fiapo de esperança que ninguém
mais enxerga sem binóculo.
Não se trata de ser isentão. Esse rótulo é só uma
forma preguiçosa de invalidar quem não aceita jogar esse jogo viciado. Se trata
de entender que estamos discutindo a moldura enquanto o quadro está em chamas.
Se trata de reconhecer que estamos presos num looping histórico que repete 1889,
1964, 1989, 2002, 2018... e agora 2026 se aproxima como uma reprise de tudo.
É como assistir ao mesmo filme ruim várias vezes
esperando que, desta vez, o final mude.
Mas não muda.
Porque o Brasil não quer mudar. Quer repetir. Quer
berrar. Quer revanche. E, acima de tudo, quer manter intacto o velho teatro
onde todos atuam, mas ninguém governa.
Nem Lula. Nem Bolsonaro. Nem final feliz.
Apenas mais um capítulo da tragédia cíclica chamada
Brasil.