Gosto da ideia de universidade. Gosto mesmo. Do
conceito, da utopia, daquelas imagens de jovens embaixo de árvores lendo
Foucault, dos cafés filosóficos, do grêmio estudantil barulhento, das
calouradas que ainda sonham com revoluções. É bonito. Um sonho quase francês,
quase sessentista, quase filme do Godard. Mas... também gosto da realidade.
Gosto daquilo que funciona. Daquilo que entrega. Daquilo que, mesmo sem tanta
poesia, faz diferença. Talvez por isso mesmo — por já ter acreditado em toda
essa aura mágica — hoje eu defenda, com veemência e até um certo gosto azedo de
escândalo, a privatização das universidades públicas. Sim. Eu disse isso. Pode
parar de esticar o “chaaaaaato”.
Pois bem, privatize-se.
Falo assim mesmo, com essa ousadia provocadora de quem
já viu muita tese, muita assembleia estudantil e pouca aula. Muita greve, pouco
resultado. Muita ideologia, pouca inovação. E vejam bem, não sou contra a
universidade pública por birra, por recalque ou por trauma de vestibular. Muito
pelo contrário. Fiz pública. Fui lá, bati ponto, li Bakhtin, Marx e até Paulo
Freire com certa empolgação. Comi no bandejão, me perdi nos corredores da
Letras, da História, da Sociologia. E me encontrei também. Só que depois de um
tempo, comecei a perguntar: pra quem mesmo é esse sonho? Quantos cabem nele?
A resposta: muito poucos.
A universidade pública no Brasil é um privilégio
travestido de direito. Um luxo subsidiado por todos, mas acessado por uma elite
que fez cursinho caro, teve bons professores desde a infância e aprendeu
francês no ensino médio. A meritocracia do vestibular público é uma grande
piada. Um vestibular democrático só é democrático quando parte de condições
mínimas iguais — o que, sejamos honestos, é uma grande mentira por aqui.
Então vem o argumento do acesso universal ao ensino
superior. Mas como? Com orçamento estagnado, prédios caindo aos pedaços e
professores exauridos por anos de concursos mal pagos e políticas pedagógicas
retrógradas? Não dá. O modelo atual é um Titanic bonito, afundando com
elegância.
Agora imagina um sistema onde universidades públicas
virem fundações autônomas, que cobrem de quem pode e isentam quem precisa. Que
competem entre si pela qualidade do ensino, que atraem investimento privado,
que se abrem para o mundo como Harvard, Oxford, qualquer coisa com “x” e “v” no
nome que já deu certo em outros lugares. Onde o ensino superior não seja
privilégio de quem nasceu no CEP certo, mas direito de quem quer e pode, com
múltiplas portas de entrada, presenciais, híbridas, online, o raio que o parta.
Ah, mas aí vem o hipster acadêmico defender a
universidade pública com unhas, dentes e palavras como “projeto civilizatório”.
Uma beleza. Quase poético. Mas quem sustenta o sonho? O pedreiro que mal
terminou o fundamental e paga imposto igualzinho? O camelô que nunca entrou num
campus mas financia esse romance elitista travestido de justiça social?
Vamos parar de fingir. Privatizar não é vender. É
repensar. É dar autonomia, responsabilidade e alternativas. É fazer caber mais
gente, mais diversidade, mais escolha. É deixar de ser feudo ideológico para
virar espaço plural, eficiente, justo.
Enfim, defendo a privatização como defendo meu direito
de dizer que Bacurau é ruim sem ser chamado de fascista. Porque viver numa
democracia é isso: reconhecer que a utopia é linda, mas não paga boleto. E que
talvez o caminho para a justiça passe justamente por tirar o manto sagrado
daquilo que virou clube exclusivo travestido de bem comum.
Dito isso, sigo acreditando na educação. Mas na real.
Sem glamour, sem bandeira, sem autoengano.
Só a educação salva. Mas tem que funcionar.