Semana passada assisti a um filme do Woody Allen. Não quero parecer mais cinéfilo que ninguém, há muito mais filmes dele que não assisti que películas assistidas. Também não foi o melhor nem mais original dos filmes. Trata-se de seu último e mais rentável longa metragem, pelo menos por enquanto, o "Meia noite em Paris".
Trata-se de uma típica história romântica: rapaz vai a Paris com noiva, conhece mulher, troca o casamento certo pela recém conhecida e pronto.
Mas Woody allen não chamou o Hugh Grant pra fazer o mocinho, nem a Julia Roberts pra heroína. O mocinho do filme é interpretado pelo insosso Owen Wilson (aquele mesmo de filmes como "Marley e Eu", "Dois é bom três é demais" e "Entrando numa fria") o caso é que ao pesquisar pra escrever esta crônica descobri que o público gosta dele (Owen Wilson), apenas isso explicaria uma carreira tão prolífica.
Na história Owen é Gil, roteirista de sucesso em Holywood, mas que tem problemas pra engrenar como escritor. Decide com sua noiva passar algum tempo em Paris e blá blá blá, até que ao ficar sozinho à meia noite na cidade luz é convidado a entrar numa carruagem e ao entrar faz uma viagem no tempo se encontrando com seus ídolos do passado.
Conhece escritores como Scott Fitzgerald, Ernest Hemingway, Gertrud Stein, pintores como Picasso, Dali, Gauguin, o cineasta Buñuel, o fotógrafo Man Ray e diversas outras personalidades de uma época perfeita, sem o vazio existencial que existe hoje, vazio de mentes, solidão, falta de diálogos inteligentes, pessoas criativas e blá blá blá.
Não estragarei mais o prazer de quem se interessou em assisti-lo, tenho certeza que o filme não se encerra em nada do que falei ou possa falar, só me permitam ir um pouco além e atacar com apenas mais um spoiler: é claro que um escritor fracassado ao receber a atenção de tantos gênios, fazendo parte de uma época tão primorosa para a cultura se sente tentado a não voltar mais pra sua época.
Gil tem seu livro lido por Gertrude Stein e ela lhe dá conselhos sobre como tornar sua literatura mais viva, o mesmo faz Hemingway e por aí vai. O que me fez pensar em como nossa época é de fato vazia.
Quantas vezes sonhei em ser um jovem dos anos 60 e curtir três tardes de rock, sexo e lama em Woodstock. Quantas vezes desejei ouvir Led Zeppelin ao vivo num show no Canadá. Sonhei em ser poeta modernista na Semana de Arte Moderna ao lado de Oswald e Mário de Andrade. Pegar na mão de John Lennon, meu vizinho em Nova York.
Mais de uma vez tive a convicção, assim como Gil teve no filme, de ter nascido na época errada. Ser deslocado. Sempre fui muito chorão em meio aos bullies da minha infância, antissocial numa época de redes sociais, sem sentir prazer por futebol no Brasil, vegetariano numa família que só come coisas que tenham respirado. Eu estaria muito mais à vontade com os beatnicks, os românticos, os modernos, tudo menos agora.
Talvez este seja o problema em nascer no final do século. Nasci no século XX e terei que passar toda a minha vida numa época alheia, um tempo que não me pertence. Se eu fosse um drummond seria um gauche, como sou um eu não posso dizer a mesma coisa. Fico perdido.
Mas algo acontece com Gil que me fez pensar melhor essa minha postura desajeitada. Afinal, eu passei um bom pedaço de tempo da minha vida no século XX e lá eu não era tão sociável também, talvez fosse um pouco pior, muito pior.
Gil escolhe viver em seu tempo, e como eu não posso escolher, preciso viver no meu tempo também, não virão me levar numa carroça para a era do jazz, mas chegando lá eu lembraria que seria necessário passar por guerras mundiais, Vietnã, luta por direitos civis, ditaduras militares na América Latina, genocídios na África, na Europa, Rússia. Estudar a história é muito legal, vivê-la depende do ponto de vista, mas é a nossa vida e temos que seguir adiante, não há como recuar.
Cervantes não voltará dos mortos e não adianta querer ser um novo Dostoievski , o mundo precisa de um novo eu, um novo você, cada um no seu tempo.
Sim, é muito triste viver numa época em que milhões tem acesso a toda a informação acumulada pela humanidade no bolso via espertofone, mas preferem cultuar imbecilidades como comunidades virtuais, pornografia, pedofilia, fofoca. As pessoas falam mal da vizinha que vasculha a vida dos outros pela janela, mas fazem o mesmo com uma janela um pouco mais profunda, com cara de caleidoscópio, chamada Internet.
É muito triste viver numa época em que as palavras sofrem o analfabetamento: excluem acentos, cedilhas, letras maiúsculas em nome próprio.
Triste viver numa época com o olhar morto para obras de arte, época em que um longa metragem precisa ter mais explosões por centímetro de filme que toda a história do cinema anterior a 1980.
Porém é fato que houve imbecis em todas as épocas: pessoas que não aceitavam o Impressionismo como arte, que não entenderam Fernando Pessoa, exilaram o Charle Chaplin, apoiaram Hitler, esmagaram povos inteiros e cá estamos nós, preparados para o nosso tempo. Cometendo nossos erros para sermos julgados quando não mais estivermos aqui.
Engraçado notar que um dos argumentos utilizados por Gil pra não permanecer no passado é a penicilina, descoberta que salvou milhões, talvez bilhões de vidas, trazendo-nos a longevidade quase que como um direito inalienável.
Envelhecemos mais hoje, respeitamos menos os velhos. Temos um longo caminho pela frente, pra trás nunca.
Um dos argumentos que vão contra a hipótese de uma máquina do tempo é o seguinte: "não existem viajantes do tempo por aqui, logo, ninguém voltou do passado pra cá".
Nós nos achamos muito interessantes, será que se um habitante do ano 5080 tivesse uma máquina do tempo ele teria alguma vontade de voltar pra nossa época? Séculos XXI, XX, XIX, XVIII?
E como diria Drummond: "o tempo é minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente".
Pronto para a próxima página, por favor.
E quem sou eu para falar de passado? Um colecionador nato praticante de um humilde ofício de tentar salvar o passado em minhas coleções de livros, revistas, discos de vinil, filmes em branco e preto e tudo que cheire a mofo ou naftalina? já fui muito mais radical em glorificar o passado e execrar o presente. Hoje sei que é necessário vivermos o nosso momento, pensando e agindo com os exemplos e histórias de outrora como espécie de bússola ou lanterna. Obrigado, Mauro.
ResponderExcluirAdorei o comentário, também adoro sua forma de resgatar o passado. Estudar o passado e mantê-lo vivo em nossa mente é salvar o presente.
ResponderExcluirRealmente é um filme extraordinário (você está atrasado... este filme já é "antigo") Acredito que todas as gerações cultivam um certo saudosismo com relação as gerações anteriores. No próprio filme pelo que me lembro (já tem certo tempo que assisti) as personalidades também julgam épocas anteriores como sendo as melhores, mais românticas ou mais produtivas culturalmente. Nossos bisnetos irão discutir como nossa época foi maravilhosa... Particularmente eu não cultivo este tipo de saudosismo. Não faço coleções e sequer sou adepto de fotografias (nem fotos de viagens). O momento presente é o que vale e o resto, num contexto mais amplo, afigura-se ínfimo. Sem choro. Sem mágoa. Não adianta ter saudades de algo que viveram por nós. Aprendamos com eles e façamos nós a nossa época de ouro. Abraços !!!
ResponderExcluirÉ, de fato o filme não é tão novo, mas pra quem, como nós, que assistimos a filmes com 80, 90, 100 anos de idade, o filme é de ontem.
ResponderExcluir(Eu sei que deve fazer um tempão que você assistiu seu exibido, mas vai perguntar pro seu vizinho (da direita e da esquerda) qual o último filme a que assistiu)
Muito bom comentário!
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ResponderExcluirEu não vi o filme...
ResponderExcluir... mas as inquietações do Gil (e também suas e também minhas) são as mesmas.
Eu tenho absoluta certeza que nasci na epoca errada e as vezes no lugar errado e adorei este novo olhar / nova perpesctiva as minhas antigas vontades...
Escreva mais!!!
Adorei.