quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Asfalto, canalhas e pimentas

 

   Não tenho propriedades em meu nome. Não preciso pagar IPTU, talvez por isso acompanhe com antipatia a tentativa que alguns grupos fazem de transformar uma questão tão importante para o cotidiano de uma cidade em bandeira política.

     Antes que qualquer leitor (cidadão de bem) pense que quero fazer uma defesa do aumento do Imposto Predial Territorial Urbano quero deixar claro que não é essa minha intenção. Também não quero fazer aqui um ataque ao reajuste. Adoro polemizar e quem polemiza geralmente desagrada a todos os lados. É o que farei.
     Não quero deixar ninguém feliz, estou solitário em minha tristeza, todos tão felizes, celebrando o ano novo, o dia novo, a hora nova, o segundo inicial do dia primeiro de janeiro quando vem um carnê dizendo que seu imposto aumentou até quatrocentos por cento.
     É errado.
     Existe uma premissa em direito que versa sobre tributos, denominada "equilíbrio financeiro", uma taxação não pode subir tão rapidamente de um ano para outro porque isso desequilibra toda a vida financeira de qualquer família. O IPTU não pode subir de 400 para quatro mil reais por ano, as contas das famílias não fecham e acabam na inadimplência. É ilegal.
     Pra se ter uma noção dessa realidade, segundo dados oficiais da prefeitura do Rio de janeiro: lá de 20 a 30% apenas das residências pagam o imposto predial.
     Este não pagamento acarreta problemas sérios para a cidade que fica paralisada, mal cuidada e desorganizada.
     Moro em Guarulhos e a população está realizando uma petição pública para análise e correção do cálculo do aumento da taxação. Já fazia 13 anos que  não se atualizava a planta genérica e este aumento, mesmo que obrigatório por lei, não pode cair completo do dia pra noite.
     Muitos dos que dizem liderar a luta pela redução do imposto estão apenas utilizando o problema como palanque eleitoral, isso somado à desinformação da sociedade em geral em relação ao assunto.
     A região mais populosa de Guarulhos foi uma das que mais sofreu com o reajuste do IPTU e é formada por uma classe trabalhadora, descendentes de nordestinos, negros, nós. Os pobres.
     Vivo nesta região desde os anos 1980 e de lá pra cá sempre fui vítima de uma cambada de candidatos salafrários que vinham até o bairro e prometiam respostas pontuais para problemas gerais. Assim foi quando morávamos em ruas de terra e o candidato vencedor "trouxe o asfalto" trazendo a "solução para os nossos problemas".
     Também quando inaugurou um posto de saúde trazendo "a solução para a saúde pública". Outro trouxe água encanada trazendo "saciedade para a nossa sede". Coleta de lixo. Um deles "dava" terrenos a quem quisesse em troca de votos.

     (Os terrenos não eram dele, algumas pessoas ganhavam dois, três, quatro, dez lotes e vendiam - surgiu assim nosso bairro - o Bairro dos Pimentas - se não conhece joga no google maps, não será uma visão agradável se compararmos com Jardim Europa, Alfavile e Morumbi (Bairro dos Pimentas nos olhos dos olhos é refresco), mas é o bairro que vi nascer, crescer e se desenvolver.)


     Os canalhas não trouxeram benefício algum para o bairro, nós da periferia fomos utilizados como massa de manobra, compra e venda.
     Após o asfalto nas ruas, os ônibus do prefeito (que era o dono da empresa de ônibus da cidade) chegara, e tivemos a sensação de que éramos importantes.
     Assim como contratos obscuros entre a prefeitura e a empresa de coleta de lixo, empresa que administrava o saneamento básico, desvios e mais desvios de verbas públicas, impeachment e votos no partido que está hoje no poder.
     De doze anos pra cá a região recebeu o mínimo de urbanização: agência bancária, hospital, supermercado, renovação da frota de ônibus, placas de trânsito, radares, rede municipal de ensino, shopping center, universidade pública federal, condomínios, policiamento ostensivo nas ruas, etc. (Tudo ainda pequeno e deficitário assim como tudo o que começa e começa muito tarde).
     O que havia na região antes de 2000? Nada. Apenas um posto de gasolina aqui, um mercadinho acolá, algumas ruas asfaltadas, coisas do tipo.

     Lembro que pra fazer um trabalho de escola na biblioteca tínhamos que pegar um ônibus fedendo a diesel e permanecer nele durante mais de uma hora para no centro de Guarulhos pesquisar na única biblioteca pública da cidade.
     Problemas resolvidos? Não.
     Mas uma casa que valia nesta época 15.000 reais, hoje vale 200.000.
     O IPTU é calculado no valor venal do imóvel, portanto é normal que o IPTU aumente quando a região é valorizada. O QUE NÃO ACONTECE COM A REGIÃO DOS PIMENTAS.
     É falácia dizer que a região melhorou apenas porque nela há o mínimo para a subsistência com um mínimo de dignidade.
     Não havia bancos e hospitais antigamente? Deveria haver. Não é justo aumentar o imposto levando em consideração o mínimo que um ser humano precisa pra existir, se locomover, respirar, estudar, trabalhar. Não havia nada no bairro. Não é justo que agora o imposto seja tão alto.
     E quanto à época em que o imposto era pago e não havia nenhum serviço? Isto deve ser levado em consideração, a região do Pimentas já pagou muito imposto sem ter serviço público algum, não pode agora pagar a mais porque se tem o mínimo.
     Outra coisa é o fato de que uma velhinha que tem apenas um imóvel, construído a duras penas durante toda sua vida e tem o aumento de quinhentos por cento no imposto não deveria pagá-lo. Não porque a prefeitura a perdoa, mas porque a consciência a libera.
     Você conhece alguém que perdeu a única casa que tinha por não pagar IPTU?
     Infelizmente no Brasil a moradia, que é uma questão social, é tratada como investimento. Num país com um déficit tão grande de residências não é justo que uma pessoa compre imóveis pra multiplicar seus rendimentos.

     O estado deveria confiscar os imóveis nesta situação e repassá-los a quem não tem, a preço reduzido e prestações infinitas, com o imposto justo.

 
  Não pagar o IPTU só traz problemas a quem tem uma única casa na ocasião de vendê-la.
     Não pagar o que acha injusto chama-se desobediência civil, ninguém deveria pagar, nem em juízo, se acha que está sendo lesado. Ninguém vai perder a única casa que tem por conta disso.
     A região que citei  passa por uma fase interminável de especulação imobiliária, pessoas que vêm de outras cidades e estados e compram duas, três, dez casas para revender a preços exorbitantes. Uma casa com quatro cômodos neste local não sai por menos de duzentos mil reais: uma região sem calçadas, sem praças, sem áreas públicas de lazer, sem segurança. Não estou pichando meu bairro, estou apontando os defeitos a serem corrigidos. Alguns dos muitos que se repetem nas periferias Brasil afora.
     Se está essa bagunça agora e melhoramos quinhentos por cento, imagine como era viver por aqui nos anos 80 e 90. Mesmo com baixo IPTU e nenhuma qualidade de vida.
     A questão é que é impossível manter as pessoas na ignorância durante todo o tempo. Não creio que este tempo acabou. Desobedecer e não pagar não resolverá o problema, mas criará um fato novo obrigando a prefeitura a se reorganizar buscando uma saída mais democrática.
     Mas quem sou eu pra dar opinião. Nem imóvel eu tenho.

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