quinta-feira, 20 de julho de 2017

Origens do rock'n roll - Fábio Sant 'Anna e Mauro Marcel

Resultado de imagem para elvis presleyHá mais ou menos três décadas alguém ouviu um vinil com um coelho desenhado na capa que continha vários rocks em versões remixadas. Tais mixes tocaram exaustivamente nas FMs, nos bailes de formatura, nas vitrolas existentes e até em elevadores.
Para esse alguém o rock surgiu ali.
Há mais tempo ainda, algumas crianças dançavam aos finais de semana uns sons que pareciam músicas de filmes de cowboy. O disco tinha uma capa amarela com cinco rapazes vestidos de terno intitulado Os Incríveis.
Para aquelas crianças o rock surgiu ali.
Certa feita, um programa no dial da FM apresentou um especial de ano novo dos Beatles. No momento que tocou Twist and Shout um casal vizinho quebrava o pau e panelas que voavam.
Para alguns vizinhos do casal, que ouviam a música e assistiam às cenas, o rock também tinha seu início ali.
Cada qual carrega a sua versão para o início do rock em suas vidas. E mesmo para a História e para os historiadores não seria diferente.
Talvez você já tenha ouvido falar que o rock surgiu com um gordinho chamado Bill Halley cantando Rock Around the Clock, ou mesmo que o ritmo teve sua origem com os negros norte-americanos destilando suas dores no Blues. Ou ainda nasceu ao som dos violões acelerados da música country. Desse liquidificador musical admitimos que todos colaboraram com o nascimento da criança.
Mas alguma coisa soa bem familiar aos ouvidos no som de In the Mood – música de uma Big Band originária da década de 1940 comandada por Glenn Miller – (se você nunca ouviu falar desse sujeito, pergunte ao seu pai ou avô).
Pois bem: o que tem a ver o Jazz de Glenn Miller com nossa análise? O ritmo, o compasso, as estripulias dos metais – (metais aqui são os pistons, as cornetas, saxofones, etc.) – e a dança bem semelhante ao que seria Rock’n roll.
Resultado de imagem para bill haleyE podemos atrasar o relógio de Bill Halley mais algumas décadas e chegarmos aos anos de 1920 com o Charleston e o Foxtrote. Se quiser fazer um teste é fácil: basta pegar uma filmagem do pessoal dançando esses sons, tirar o áudio original e colocar um Rock do Elvis. Assista e terá o resultado.
E por falar em Elvis, não poderíamos deixar de falar em Chuck Berry.
Sim, Chuck Berry, um rapaz negro, músico excepcional que compôs uma música autobiográfica denominada Johny B. Goode. Canção que conta a história de um jovem semianalfabeto com um único talento: tocar guitarra. E as pessoas vinham de todos os lugares para ouvi-lo. Chuck Berry deu uma grande coisa ao rock, o grito. Cantar rock não basta, tem que haver o grito, a postura, o jovem Chuck nos ensinou gritando “vai Johny vai vai vai” (go Johny go go go).
Mas foi Elvis o primeiro ícone roqueiro. Foi ele, cantor excepcional, quem misturou a voz negra à figura do homem branco unindo os Estados Unidos racistas em torno de uma imagem rebolativa.  A pélvis de Elvis foi proibida de ser mostrada na TV, eram os anos 50, a segunda guerra tinha acabado há pouco e os jovens se inspiravam enquanto as meninas transpiravam.
Os rapazes o invejavam ao redor de todo o mundo.
Todo menino levantava a gola das camisas, comprava uma jaqueta de couro, levantava o topete e não queria que ninguém pisasse em seus novos sapatos de camurça.
Resultado de imagem para chuck berryPara Erasmo Carlos o rock começou quando veio parar em suas mãos alguns discos de Elvis, para o jovem Paul McCartney ouvir “Heartbreack hotel” fez despertar em sua mente possibilidades nunca imaginadas “era como se ele cantasse das profundezas do inferno”. Isso fez um verdadeiro milk shake na mente de Paul, George, John, Ringo, Mick, Keith e muito mais.
O rock ainda era ‘n roll até o início dos anos 60, o termo vinha de uma gíria inventada por um DJ americano, nunca ouvi uma tradução digna, seria algo como “botar pra quebrar”, ao dançar, o rock’n roll nasceu como um estilo dançante, ousado, abusado, na pélvis de Elvis quase erótico.
O rock “and roll” é o grito do Chuck na pélvis de Elvis. Entendeu?
Tem uma cena exemplar no filme “Grease”, em que há uma festa em plenos anos 50, assista e perceberá qual o clima que predominava num recinto pleno de pedras rolando, aí traduza rock’n roll do seu jeito.
Na segunda metade dos anos 60 veio a invasão britânica aos Estados Unidos liderada por Beatles e Rolling Stones; depois hippies, contracultura, LSD, Woodstock e muito mais.
Resultado de imagem para jerry lee lewisO rock perdeu o sobrenome ‘n roll transformando-se num caleidoscópio chamado simplesmente de rock, longe dos primeiros acordes do Bill Haley ou Chuck Berry, e mesmo o Elvis do hotel do coração partido. Falar de rock não é apenas falar de música, é necessário ir além de estilos, modas passageiras, falsos ícones, pseudoverdades, gostos pessoais.
O rock se construiu através de canções, cantores, músicos, produtores, arranjos, instrumentos, invenções, capas de discos, atitudes, sexo, drogas, loucuras, festivais, mídia e mais, mais e mais.
Deste caleidoscópio trataremos nos capítulos que seguem, sem nos preocuparmos com a história. O pontapé foi dado pelos caras do hotel, do relógio e das grandes bolas de fogo, mas não precisamos seguir uma linha histórica para entender nosso assunto. Nossa proposta é bem leve e solta.
Mas quero deixar meu leitor um pouquinho mais nervoso comigo, sim, não vou te poupar, escolheu este livro e quero que vá até o final, mas não farei grandes esforços para deixá-lo com ele aberto, a não ser o fato de dizer que você é a sua razão, assim como o público e não a música é a razão do rock.
O rock teve sim um início, mas teve um fim? Claro que não, diriam os mais afoitos, ainda existe rock sendo feito, há música pipocando por toda parte. Mas não é o que pensa este velho (não tão velho) roqueiro. E não é aquele papo tão velho quanto o rock de que o rock morreu. Ainda existem tropicalistas soltos por aí, mas não vejo ninguém chamando MPB de tropicalismo. Nem chamando Luis Fernando Veríssimo de escritor modernista porque ele usa linguagem coloquial em seus textos.
Resultado de imagem para musical grease festa
Ainda há rock sendo feito, ainda há pélvis, ainda há gritos, mas existe uma palavra alemã “zeitgeist” que explica bem o que quero dizer. Significa “espírito do tempo”, algo como modo de pensar, agir, falar, momento histórico, seres humanos, tudo o que envolve uma época.
E o rock que falamos aqui não é o rock que é feito por aí, muito embora exista muita música boa sendo feita. O rock enquanto música está vivo, enquanto movimento cultural está morto, não está enterrado porque a música ocupa os espaços, está em todos os lugares, e cá para nós, a música é muito boa, mas a música é só uma parte do zeitgeist.
O rock é a única música que se vivia, se comia, se cheirava, se transava, se morria.
Resultado de imagem para jive bunnyDesculpa novamente, hoje em dia o funk carioca faz o papel que o rock fazia muito melhor que o rock. Deixa eu arrumar a frase, ela ficou meio torta, mas não me arrependo de tê-la escrito: o funk carioca exerce o papel de sexo e drogas que pertencia ao rock. O problema é que o funk é tão primário que não nos serve como música, mas haverá um capítulo sobre o funk, se quiser vá direto a ele, eu recomendo que siga nosso roteiro.  Ou faça do seu jeito, como os roqueiros faziam (e fazem).
O rock, como todo movimento cultural, teve um marco inicial, que definimos como o grito do Chuck e a pélvis rebolativa do Elvis. Ponho como marco final do rock um evento mais estático no tempo: o suicídio de Kurt Cobain. Nada seria igual a partir dali.
Mas este é o meu marco, escolha o seu. Alguns marcos possíveis e impossíveis que já ouvi:
O rock acabou quando:
-John Boham morreu;
-Os Beatles acabaram;
-Elvis foi para o exército;
-John Lennon foi assassinado;
-Renato Russo morreu de aids;
-Inventaram o rock’n rio por um mundo melhor;
-Alguém teve a infeliz ideia de misturar rock com rap;
-Surgiu a MTV;
-Alguém cantou “Anarchy in the UK;
-O Metallica cortou o cabelo;
-O Blitz berrava “você não soube me amar”
-Michael Jackson, Madonna e Tina Turner foram aclamados como ídolos rock nos anos 1980;
-A Legião Urbana cantou Menudo;
-A primeira distorção foi feita;
-Um negro foi assassinado na frente das câmeras no festival de Altamont durante a apresentação dos Rolling Stones;
-Surgiu o Axé;
-Surgiu a expressão pop rock.
Resultado de imagem para gang 90            Brincadeiras à parte, todos os pontos acima citados podem ser considerados o fim de algo ou o início de outra coisa. Como a Blitz cantando “você não soube me amar”. Música que infernizou as rádios nos anos 1980, ainda hoje toca vez ou outra, considerada a decadência da juventude brasileira, mas que representa na verdade o início da popularização do rock no Brasil. Graças à Blitz surgiram Barão Vermelho, Cazuza, Titãs, Ira!, Engenheiros do Hawaii, João penca e seus miquinhos amestrados, Paralamas do Sucesso, Gang 90, Camisa de Vênus, e muito mais. Mas também graças à Blitz surgiram, Kid Abelha, Mamonas assassinas, PO Box, Virguloids e muito menos.
            Deixemos pra você as conclusões, tiramos as nossas. Vamos para o próximo capítulo.

 (Texto introdutório do projeto "Manual do rock para as novas e velhas gerações" de Fábio Sant'Anna e Mauro Marcel)

Nenhum comentário:

Postar um comentário