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Quando criança não tive muito acesso a textos de qualidade, mas sempre esteve perto de mim a figura de Narizinho, Pedrinho, a boneca Emília, O visconde de Sabugosa e mesmo sem estar com os livros de Monteiro Lobato em mãos percebia-o onipresente nos livros didáticos escolares sempre com trechos de sua obra.
Quando criança não tive muito acesso a textos de qualidade, mas sempre esteve perto de mim a figura de Narizinho, Pedrinho, a boneca Emília, O visconde de Sabugosa e mesmo sem estar com os livros de Monteiro Lobato em mãos percebia-o onipresente nos livros didáticos escolares sempre com trechos de sua obra.
Na
TV o Sítio do Pica Pau Amarelo nunca me atraiu muito, talvez pela precariedade
do meu televisor preto e branco, o fato é que Monteiro Lobato sempre foi de relevância
absoluta na criação do imaginário infantil ao longo de todo o século XX.
Lobato é
grandioso em todos os aspectos e me admiro com o fato de alguns grupos
apontarem características preconceituosas, racistas, misóginas e coisas do tipo
em seu trabalho. Não sei onde esses fulanos andam com a cabeça, a questão é que
estamos falando de um escritor brasileiro nascido no século XIX e isto é muito
importante quando da sua análise.
Depois
é preciso pensar muito fora da casinha. Lobato é antes de tudo um visionário.
Há séculos que existia literatura para crianças, mas no Brasil, país em que os
livros eram proibidos de serem impressos até 1808, escrever literatura já era
uma grande aventura, que dirá textos voltados ao público infantil.
E
não apenas isso. Monteiro Lobato enriquece seus textos com personagens do
folclore brasileiro, com uma genialidade tal que hoje a forma como ele as
retrata passa quase como versão oficial. Talvez recaia nisso minha maior crítica
aos seus textos, mas nada tendo o escritor a ver com isso, afinal que culpa tem
Lobato se a visão que se tem do saci é a da leitura de seus textos? Penso que sem
esta descrição sequer saberíamos desta lenda, e talvez das outras como
Curupira, Boitatá e por aí vai.
Outro
grande escritor que passou por esse caminho foi Mário de Andrade com seu Macunaíma
num livro nada voltado para crianças, mas fruto de pesquisa vigorosa sobre o
tema folclore. Também o Câmara Cascudo, que não era escritor, mas pesquisador
de cultura brasileira, um folclorista. Nada disso pouca coisa em se tratando de
Brasil.
Voltando
ao assunto, o maior dano que alegam ser cometido por Lobato se diz quanto ao
tratamento de Tia Anastácia, por exemplo: a mulher negra que passa todo o tempo
servindo os patrõezinhos nas figuras de Pedrinho e da menina do nariz
arrebitado. Também na descrição do Saci como preto e ladrão. Ou em algumas descrições politicamente incorreta para os padrões atuais.
Qualquer dia
vão falar que a Cuca deveria ser retratada como um homem para soar menos machista,
e o Visconde mais afeminado porque não percebem discussão de gênero “nesta obra
retrógrada”.
Estão
utilizando de muita má vontade para com o escritor.
E
para defendê-lo terei de abrir o leque.
Machado
de Assis, o maior escritor brasileiro de todos os tempos, descendente de negros,
também passa por esta mesma crítica. Dizem que foi um alienado por ter
ascendência negra e não ter tomado partido de “seu povo”.
Cruz
e Souza, poeta negro do simbolismo, tinha na cor branca uma de suas maiores
fixações. Passou em concurso público e não pôde assumir por sua cor de pele.
Não há nos textos deste poeta nenhuma palavra gritando por igualdade. Um
verdadeiro absurdo para os patrulheiros de plantão.
Lima
Barreto é visto com mais simpatia. Escritor mulato, retratou as camadas
populares em sua obra, mas nunca caiu na simplicidade do texto panfletário.
Nascido livre, escreveu o que viu e apenas isso. Por vezes recai num cientificismo canhestro típico do período, analisa seu próprio fracasso talvez fruto de sua eugenia.
Talvez os pontos de vista de Cruz e Souza e Machado tivessem outra afinação.
Talvez os pontos de vista de Cruz e Souza e Machado tivessem outra afinação.
Estou,
como sempre, dando voltas. Mas difícil de ir ao ponto principal quando não há
ponto principal, mas simples discussão burra e inadequada de um monte de gente
que está misturando tudo o que está lendo. Será que leem mesmo? Não acredito.
Cobrar
de qualquer um destes escritores uma visão que apenas passou a ser corrente
quase um século depois é um pouco demais pra qualquer pessoa com um mínimo de
honestidade intelectual.
Como desejar
que Monteiro Lobato retratasse a Tia Anastácia sentada no sofá, na mesma mesa,
a Dona Benta ajudando-a nas tarefas do lar, se isso não era o costume da época (primeira metade do século XIX)?
Estão lendo o texto de outrora com a visão de agora.
E
uma criança ler isso não é problema algum. Não dá pra higienizar o passado. O
Brasil teve sim quatro séculos de seres humanos como propriedades de outros
seres humanos e isto era tido com naturalidade, aliás, fazia parte indelével do
tecido social brasileiro. De fato, uma vergonha, mas que deveria ficar a cargo
de cada pai o acesso a leitura ou não de cada um destes textos, quando adultos
o livre arbítrio, e nas escolas o livre acesso.
Houve
pessoas que se arvoraram no direito de pedirem o confisco e proibição dos
livros de Monteiro Lobato. Resenhas direcionadas a professores. Exclusão de trechos
inteiros, de capítulos racistas. Será que ninguém vê o problema disso?
Parece
o Winston do livro 1984 trocando as informações dos jornais para fazerem com
que a verdade do partido seja a realidade vista por todos. Higienizar a
realidade, castrar os escritores. Eis uma solução facistóide e medíocre.
O que muita gente desinformada e, o que é pior, muito professor idem, não sabem é que Monteiro Lobato foi um dos maiores editores de livros do século XX e graças a ele o maior escritor negro brasileiro conseguiu lançar seus livros com alguma regularidade e (pasmem!!!) sendo pago por isso. Recomendo a biografia deste autor de autoria de Lilia Moritz Schwarcz lançada em 2017. Não leiam apenas os manuais de Ensino Médio que resumem a obra de Lobato ao artigo "Paranoia ou mistificação", texto crítico à obra e pessoa de Anita Malfati um dos desencadeadores da Semana de arte Moderna de 1922. Sabia que o Monteiro Lobato pouco antes de morrer escreveu um livro chamado "Reconsiderações de um Jeca" no qual passa a limpo suas opiniões e volta atrás em muitos pontos de vista, mostrando que sim, era um homem de opinião, mas que também sabia aprender e perceber as mudanças do tempo e do importante momento histórico que viveu.
O que muita gente desinformada e, o que é pior, muito professor idem, não sabem é que Monteiro Lobato foi um dos maiores editores de livros do século XX e graças a ele o maior escritor negro brasileiro conseguiu lançar seus livros com alguma regularidade e (pasmem!!!) sendo pago por isso. Recomendo a biografia deste autor de autoria de Lilia Moritz Schwarcz lançada em 2017. Não leiam apenas os manuais de Ensino Médio que resumem a obra de Lobato ao artigo "Paranoia ou mistificação", texto crítico à obra e pessoa de Anita Malfati um dos desencadeadores da Semana de arte Moderna de 1922. Sabia que o Monteiro Lobato pouco antes de morrer escreveu um livro chamado "Reconsiderações de um Jeca" no qual passa a limpo suas opiniões e volta atrás em muitos pontos de vista, mostrando que sim, era um homem de opinião, mas que também sabia aprender e perceber as mudanças do tempo e do importante momento histórico que viveu.
Se
formos um pouco mais fundo em sua obra encontraremos o conto “Negrinha”
que desmente toda essa sanha politicamente correta e hipócrita. Nele uma menina
é discriminada, humilhada, espancada, torturada psicologicamente e quando
pensamos que nada seria pior a menina é tratado com dignidade por um grupo de
crianças e esta consciência da realidade a mata. Recomendo mesmo a leitura
apurada deste conto que mostra como é possível ser verdadeiro sem ser
panfletário.
Aliás, quem
foi que disse que a literatura precisa ser verdadeira, sendo que um dos
objetivos da arte da escrita é o de simplesmente ser o questionamento dessa
realidade.
Num
capítulo de “Memórias póstumas de Brás Cubas” o personagem título encontra um
rapaz negro que havia sido seu escravo agredindo um escravo de sua propriedade,
da mesma forma como a criança Brás Cubas também fazia com o mesmo rapaz negro
anos antes. A ironia machadiana indo fundo na discussão da realidade mostrando
que o problema nunca foi tão simples.
No
conto “Pai contra mãe” o mesmo Machado aponta com mais crueldade os caminhos
para a sobrevivência nessa sociedade que nunca foi simples. Nunca foi amigável
para os desfavorecidos, entre eles os escravos, depois os libertos e nós hoje
descendentes deste Brasil do final do século XIX.
Outros
escritores assumiram esta voz e em seus momentos devem ser lidos como tais:
Vinícius de Moraes e Jorge amado por exemplo. Isso porque falam abertamente
como representantes de uma cultura que os envolvia ou que tomaram para si.
E
mesmo eles não tinham o pensamento estruturado em relação às demandas e lutas
de um movimento que só veio a se estruturar de fato no mundo na década de 1960
e vinte anos depois no Brasil.
Mas
deixa eu ser um pouco mais polêmico.
Dizem
que é necessário ter mais escritores negros sendo ensinados nas escolas como
leitura fundamental. E concordo. O que não se pode fazer é, com a desculpa de
buscar uma reparação histórica enfiar goela adentro de nossos jovens uma
literatura de qualidade inferior apenas por ser escrita por este ou aquele
segmento étnico. Não há julgamento de valor algum aqui em relação a raças,
credos, gêneros.
Literatura de
qualidade é de qualidade não importando de qual cabeça venha. Os livros de
Clarice Lispector não são melhores por ela ser mulher, os de Caio Fernando
Abreu também não o são por ele ser gay, nem os de Lima Barreto por ele ser negro.
É necessário
fomento aos escritores hoje, pesquisa aos livros de qualidade, incentivo maciço
em educação. Daí não haverá importância quem escreve, o livro falará por si.
É claro que
trechos da obra de Lobato soam racistas aos leitores de agora, assim como
possíveis ideias de eugenia; mas é necessário lembrar que até mesmo a Alemanha,
um dos países mais esclarecidos do mundo, caiu fundo num processo racista,
xenófobo, misógino, totalitarista que lhe custa caro até hoje e custará ao
longo de muitas décadas ainda. A história cobra seu preço. E se mesmo dentro do
mundo esclarecido houve terreno para o desenvolvimento de tão absurdas ideias,
que dirá aqui em terras tupinambás.
O que é
preciso, na minha humilde opinião, é ler tudo com critério. Não apenas o
Lobato, mas tudo. Mesmo os gênios, os obscuros, os marginais. Todos os textos
estão apinhados de processos proselitistas. Cabe ao professor ajudar em seu
desmonte: apontando livros, escritores, teóricos, propostas de intervenção; e não contribuir para tal: destruindo obras, proibindo livros,
higienizando a cultura, falseando a história e a realidade.
Taí um dos
objetivos da literatura nas aulas de literatura: ensinar que os textos de 1912
devem ser lidos como textos de 1912. É óbvio que os que dizem que Monteiro Lobato
é racista faltaram a esta aula.
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