sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Café com leite, celular e engenharia


            
Imagine sua mãe passando muito mal, imagine você a levando ao melhor hospital (na nossa imaginação coisas assim são possíveis), então imagine que sua querida progenitora é levada pelo médico e horas depois você recebe a notícia de sua morte.
               Comoção. Tristeza. Choro.
               Tudo isso se transforma em revolta quando você descobre que um enfermeiro (ou enfermeira – pouco importa nessa hora) o profissional graduado da área de saúde trocou a medicação, e em vez de injetar o medicamento prescrito, injetou café com leite na veia da sua mãe.
               Perder os pais faz parte da vida, inevitável como o tédio, a velhice, a própria morte, os impostos; mas o que acontece na situação acima é assassinato simples.
               Várias teorias especulam sobre os motivos que levam enfermeiros a cometer tais barbeiragens no trabalho, grosserias que custam vidas: crianças que recebem na boca ácido pra tratamento de verrugas genitais, ar comprimido no lugar do oxigênio direto nos pulmões, o caso do café com leite narrado (que não é ficção e se fosse seria de muito mau gosto).
               Os cursos de enfermagem e medicina precisam melhorar? Claro. Os hospitais brasileiros são precários? A maioria. Os profissionais precisam ser valorizados? Não há dúvida.
               Mas erros grassos como os citados seriam evitados com uma simples leitura do rótulo. Mesmo com uma rotina de trabalho estafante e jornadas de trabalho exaustivas, trocar informações tão díspares beira a intencionalidade. E não há intenção em fazer o mal, mas o que fazer quando mal está feito?
               É isso. A mãe está morta.
               Morta de forma ridícula.
            O que fazer é buscar as causas para que não se repita com outras mães, outros filhos, mais café com leite injetado em outras veias.
               A nossa sociedade, carente de atenção, carente de carinho, viciada em aparelhos incompatíveis com determinadas tarefas.
               Já entrei em consultórios e tive de esperar o médico terminar a ligação para só depois ser medicado, já vi enfermeira preparando o medicamento com o celular na mão; não pense que estou pichando os profissionais da saúde, a vasta maioria se entrega ao trabalho sem restrições, concentrados, abdicam de lazer, família e de si, por isso mesmo que não é aceitável este comportamento por parte de uma meia dúzia, meia dúzia que aparece muito quando faz besteira.
               Assim como o professor que atende o celular na sala de aula e deixa o aluno usá-lo em momentos que deveriam ser de concentração com o aprendizado. Sou professor e sei o mal que um celular pode fazer ao aprendizado de um estudante. Falsos pseudoteóricos que se dizem modernos e nunca pisaram numa sala de aula pra ensinar, pregam a autonomia citando Kant, Freud, Marx e até Caetano Veloso; esquecem de olhar a sociedade distraída com crianças de cinco anos atendendo o celular enquanto o professor explica a forma adequada de escovar os dentes.
               O motoqueiro passando SMS enquanto pilota velozmente na rodovia presidente Dutra. O estudante de engenharia que passa o tempo de sua formação acadêmica curtindo e compartilhando no Facebook; a torre de Pisa na Itália tem quase mil anos da construção dos primeiros andares, inclina, mas não cai. No Rio de janeiro, no início de 2012 um prédio de cinquenta anos caiu arrastando ao chão outros dois. Motivo? Simplesmente retiraram as vigas que sustentavam o edifício.
               Até o meu primo, servente de pedreiro – semi analfabeto, não se atreveria a retirar a viga principal de um edifício, mas obedeceria se a ordem para retirada viesse do engenheiro formado pela universidade federal/estadual/oficial dos quintos.Engenheiro formado em curtir e compartilhar.
               Essa sociedade distraída gera bizarrices dignas de filmes como “Top gang”, “Corra que a polícia vem aí”, “Quanto mais idiota melhor”, “Apertem os cintos, o piloto sumiu”, “Idiocracia”.
               Se você teve a força de chegar até este ponto da leitura você é um herói. Estamos num tempo de leituras rasas, pessoas distraídas, olhares perdidos.
             E não pensem que tenho algum tipo de tecnofobia, a questão é saber o lugar de cada coisa.
             Os seres humanos sempre leram pouco, e sempre foram distraídos, preguiçosos e carentes, a questão é que hoje todo esse caos é institucionalizado. É bonito ser raso, distraído e perdido. É a inclusão da imbecilidade.
            Coitada da minha mãe quando for ao médico. Ou coitado de você no seu apartamento classe média com todas as vigas “muito” seguras. Coitados de nós atravessando a rua e um motorista passando SMS enquanto não faz a curva.

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