sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Avó, marketing e trâmites

          Minha avó faleceu e agora sinto a saudade que a falta de uma avó causa. Puxa vida, esta é uma crônica póstuma, a mãe de minha mãe faleceu há quase dois anos e naquele momento, eu, como uma rocha, fui eleito pelo destino para desenvolver o papel do parente que corre atrás dos tramites e consegue resolver tudo de forma a fazer com que cada familiar veja o morto (no caso, a morta) de maneira confortável no caixão para assim poder prestar os ritos finais à vida do que vai. (Da que foi).
          Minha avó se foi há dois anos e percebi hoje, pelos olhos de uma senhora que subia com dificuldades uma ladeira, agarrada aos braços de uma filha com ar resignado, que o tempo passa, que ele é inexorável e que nunca mais verei minha avó.
          Este era o momento em que começaria a falar a respeito de como os jovens tratam os velhos como seres humanos de segunda classe, de como a mídia endeusa a beleza e a juventude, restando aos que passam, aos que passaram o vexante papel que lhes é imposto. Neste momento poderia começar a falar (escrever) tudo isso, de como somos inconsequentes em pensar que jamais envelheceremos, que somos imortais, que os nossos filhos cuidarão de nós, que teremos uma velhice tranquila e saudável ao lado de nossos netos, que morreremos de forma súbita durante o sono.
          É claro que poderia falar sobre tudo isso, mas não vou. Falarei de minha avó que perdeu seu marido cinco anos antes de morrer aguentando apenas esse tempo sem ele.
         Meu avô teve um fim bem trágico: morreu na casa dos setenta, fumou desde os sete, passou por um câncer de garganta que o definhou em seus últimos dois anos de vida. Minha avó assistiu a tudo, assistiu meu avô, assessorando-o em todos os seus momentos de dor e angústias finais. Ela mesma passou por estes momentos pouco tempo depois: enfrentou vários acidentes vasculares e foi ficando aos poucos paralisada, até que uma pneumonia levou-a deixando-me órfão de avós.
          As pessoas vivem desesperadas, vivem sem perceber as flores, vivem sem perceber o sol. Meu Deus, eu nem olhei para o céu hoje. Que lua será essa? E eu vou morrer. É fato. Também é fato que se for daqui a muito tempo eu terei de enfrentar as mesmas situações que meus avós enfrentaram. Será que eu teria tanta dignidade?
          Lembrei-me de minha avó por ver esta dignidade nos olhos da senhora segurando no braço de sua filha subindo aquela ladeira e percebi que o mundo não é do tamanho de uma vírgula neste texto infinito que é o universo e que chegará o tempo em que estarei segurando nos braços de alguém e subindo uma ladeira. Chegará o momento em que alguém correrá os tramites para que eu me vá em paz após uma oração, num campo santo qualquer de uma cidade qualquer, talvez esta mesma. Não espero mais que isto.
          Espero mais do mundo. Talvez que os velhos, sim, velhos; que os velhos não se ofendessem com a idade que os anos lhes impuseram. Impuseram? É assim que a vida é. As pessoas passam, não ficam tão belas por fora, ficam grandiosas por dentro. Grandes de uma grandeza tão superior que não somos capazes de compreender, desejando que eles apenas passem, que morram e nos deem menos trabalho. Nossa vida tem pressa para acontecer. Nossa vida será maior que a vida dos que passaram. Tudo será muito maior ou muito menor. Num tempo onde tudo está oculto e que as opiniões e sonhos são comandados por publicitários.
          Temos que consultar sempre o pessoal do marketing antes de desejarmos qualquer coisa.
          Sinto pena de velhos que dizem ter um espírito jovem quando a única coisa boa da velhice é ter o espírito carregado da velha sabedoria que a velhice trás.
          No fim minha avó foi se encontrar com meu avô que foi o grande amor de sua vida, apesar de eu nunca ouvi-la falar de amor. E perceber todo o amor de doze filhos em seu velório.
          De fato esta se tornou uma crônica pra lá de triste, porém mais triste é perceber que as pessoas demonstram amor umas pelas outras apenas no derradeiro e último momento de partida.

Um comentário:

  1. Acho que me identifiquei com sua crônica, não só eu, tenho certeza que muitas pessoas. Talvez seja porque as histórias se repetem tanto que acabam sendo, por si só, comuns ...Ou então seja porque achei em suas palavras algo que realmente fizesse sentido.Tenho certeza disso. Também pode ser porque a maneira como descreveu o sofrimento tenha sido realmente diferente ou igual, quem sabe.
    Enfim ...perdi uma avó, ainda tenho 3,mas confesso que a maneira como perdi foi exatamente como no final de suas palavras, e isso é triste. Tenho medo de que aconteça novamente, vai acontecer,mas desta vez eu cresci.Sou aparentemente mais forte,mais racional e menos humana. Adorei mesmo seu texto. Parabéns!

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