quarta-feira, 6 de março de 2013

Turma da Mônica, Harvard e Crepúsculo

       
             É comum o discurso pronto de que o brasileiro não lê, a geração ignorante que não gosta de leitura, não aprecia os clássicos e perde-se nas comunidades virtuais.
          Tudo isso é verdade, mas nada é tão simples assim. De fato, o brasileiro não lê, quando lê está distraído e quando escolhe um livro vai pelo que está na moda e nunca pelos clássicos. Mas dizer que somos um país de não leitores por isso é muito pouco.
          Lembro do meu tempo de infância, a minha história com os livros. Todo mundo tem uma história com eles, positiva ou negativa. Traumática ou não. Minhas escolhas não foram feitas por mim, foram feitas na medida do possível.
          Comecei a ler porque era fácil, sempre tive facilidade com a leitura, mas não foi isso que me aproximou dos livros: os brinquedos sempre foram raros na minha infância, senão por não poder comprá-los, talvez pelo fato de que sendo o irmão do meio, não me restava espaço para barganhas.
          Meus carrinhos quebravam, as bonecas de minha irmã e as bicicletas do meu irmão sempre eram conseguidos a muito custo, pedi um vídeo game que nunca veio, não lamento, sempre tinha um livro por perto, por mais rasgado que fosse. 
          Se eu tocasse na bicicleta do meu irmão, ele tomava, nunca me interessei pelas bonecas da minha irmã, pela velha enciclopédia do meu pai sempre tive interesse.
          Quando abria aqueles dois livros: um de geografia, outro de história, entrava num mundo diferente. Havia um esqueleto em um, um quadro que hoje sei ser do grito da independência, um desenho do sistema solar e tudo aquilo me fazia duvidar do mundo. Íamos à igreja e lá o padre dizia coisas que a enciclopédia (velha, ultrapassada e surrada) dizia outra. Aprendi a duvidar: dos mais velhos, dos religiosos, dos meus pais, dos meus irmãos.
          E o que era mais interessante, ninguém tomava aquilo de mim. Quando eu estava com um livro nas mãos - depois vieram outros - ninguém se interessava em pedir a vez. O livro era o meu brinquedo e ninguém queria brincar comigo. 
          Então fui amigo de Drummond, Veríssimo, Machado, mas também fui amigo de escritores que jamais saberei os nomes, livros eróticos que encontrava jogados em lixeiras, Sabrinas, Sexo, Heróis de quadrinho, faroestes de bolso, tantas coisas. Seria muito lindo falar que cresci lendo José Lins do Rego, mas a verdade é mais forte, lia muita porcaria, e minha mente aprendeu com isso. 
          E o que é mais interessante em tudo isso: quando tinha um livro nas mãos as pessoas passavam e elogiavam! Eis o poder que o livro tem.
          Imagino as histórias de hoje, das crianças da geração 3 ponto zero. Os herdeiros que crescem com  com ilustrações animadas, castelos saltando das páginas, livros em formato de brinquedos,  em forma de doce (comestíveis), Bienais, assinaturas da Turma da Mônica e o desespero dos pais quando os filhos dizem que sentem horror à leitura e não sabem o que fazer para que os filhos leiam.
          Pensando ainda minha história, na qual o prazer da leitura veio da facilidade, da necessidade, do proibido, dos questionamentos e do ego sendo inflado por elogios, percebo que as histórias dos leitores estão muito próximas a minha. Claro que há exceções, talvez a maioria, não sou pesquisador, tento ser articulista. 
          O prazer vem das mesmas inferências, mas o problemas não é o desprazer. Sempre na história da humanidade houve poucas pessoas lendo e o Brasil foi pensado para ser um país de não leitores. 
          Que ninguém pense que estou sendo provinciano, a primeira "impressora" veio com D. João em 1808, antes disso eram proibidas impressões de livros no Brasil.
          A primeira Universidade Norte Americana foi fundada em 1636 em Boston, se chama Harvard, a primeira brasileira, se ignorarmos a de 1792, que era uma instituição naval, foi a Faculdade de Medicina da Bahia em 1808. O Brasil começou com a chegada de D. João. 
          No país que foi o último a abolir a escravidão a leitura sempre foi significado de ócio e o ócio sinônimo de vadiagem. (Minha mãe me via lendo e dizia: -Ei Mauro, está aí sem fazer nada, vem me ajudar aqui secando essa louça!). Ócio criativo? Que é isso?
          É corrente no Brasil a ideia de que trabalho braçal é sinônimo de honestidade, desta forma seria um formador de caráter.
           Já ouvi professores repetindo barbaridades como esta: -Que bom que este menino está trabalhando, assim ele começa a valorizar o que é certo. 
          A leitura, a escola, o mundo das letras é posto em segundo plano. No Brasil o trabalho é castigo e a leitura é vadiagem. Como ficamos? Simples: buscando nos equilibrar entre uma coisa e outra. Correndo atrás do que Manuel Antonio de Almeida chamou de "Um sargento de milícias". Buscando nos dar bem.
          Bem simples explicar, um americano quer ganhar na loteria pra realizar um projeto, montar sua empresa, ser o próprio patrão. Um brasileiro quer ganhar na loteria pra se aposentar, ou seja, ser um sargento de milicias.
           A nossa cultura é a da busca pelo vazio, não porque somos piores, porque está no nosso DNA que utilizar a tarde domingo lendo um livro é uma perda de tempo imperdoável, passar sete anos na universidade e não se formar médico é absurdo, chamamos de cu de ferro os melhores alunos da escola, passamos a vida inteira sem ler um livro até o fim. 
          (Detalhe, fiz uma rápida pesquisa e só no Brasil o termo para o bom aluno é tão ofensivo, em inglês diz-se geek, nerd, etc.que se traduz como esquisito). E quem lê fica esquisito e não com o cu enlatado.
          Os resultados da pouca leitura é fácil perceber  na pouca noção de sociedade que encontramos: desrespeitos às leis de trânsito, músicas de baixíssimo nível artístico, uso extrapolado do senso comum em debates, atitudes rasas. 
          Não é à toa que dizem que o Facebook tá virando um Orkut, a culpa não é da comunidade, a culpa é dos usuários. Veja bem aquilo: este é o Brasil: muita foto, pouco texto, rimas pobres, pouco conteúdo, debates superficiais e muito mau gosto. Tudo muito fofo.
          Ler com os filhos, para os filhos, seria um bom começo, mas ao invés disso o que os pais fazem é presentear a criança com um I-phone se passa de ano e com um Samsung Galaxy se repete. 
          Acreditam que o filho é inteligente porque passa o dia inteira na frente do computador, mas não se limitam a ver quais são as companhias virtuais das crianças. 
          A TV era a babá do meu tempo, as babás de agora são outras, babás que formam babacas. Uma geração edonista e sem paciência de ler uma página inteira, guardar uma fórmula de física na cabeça, aprender com qualidade outro idioma.
          Mas todo mundo está tão bonito e feliz na internet. Assim as coisas vão.
          A boa notícia é que não é só no Brasil que as coisas estão assim assim, de onde vocês acham que vêm Crepúsculo, Facebook, Harry Potter, Percy Jackson e outras  drogas? Em compensação nós damos a eles Paulo Coelho, o que perto de J. K. Rowling chega a ser algo até que muito bom.
          Sempre se leu pouco no mundo, e nunca se leu nada no Brasil. Sempre houve best sellers e sempre haverá. E sempre haverá os que compram livros e não leem, e os que o fazem pela metade. Ainda há os que andam com os livros embaixo do braço como adorno, montam prateleiras, o livro é bonito. 
          Mas nunca antes na história desse país e desse mundo, foi tão melhor parecer bonito do que ser bonito.

2 comentários:

  1. Veja bem Mauro... Acho que a "classe intelectual" (e bota aspas nisso) presta um grande desfavor ao ficar achincalhando os Crepúsculos e Harry Potter da vida. Creio que dos males o menor. Entre não ler nada e ler um Paulo Coelho, melhor o Paulo Coelho. Você não consegue que um adolescente tome gosto pela leitura obrigando-o a ler O Ateneu na escola. É óbvio que não estou tratando de qualidade. Estou falando que não resolve ficar nessa de brasileiro isso e brasileiro aquilo. A gente não odeia brasileiro.A gente odeia a ignorância, a desinformação, a alienação. Se o povo não lê é porque é ignorante. Se lê, só lê lixo importado. Qual é a solução então??? Acho que é todo mundo ler "A Divina Tragicomédia Humana" certo? Desde que estejam lendo, deixa esse povo ler o que quiser.

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  2. Eu fico sempre entre estes dois extremos:mas às vezes acho mesmo que é melhor não ler nada que ler certas coisas.
    Alguns desses livros são não livros, não formam, deformam.
    Mas sei lá, ainda estou formando minha opinião.
    Abraços!

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