A
deusa Atena permitiu que o filho de Cnossos fosse morto e uma guerra irrompeu
provocada pelo desejo de vingança. A cidade estado de Atenas protegida pela
deusa da sabedoria foi derrotada, Creta, liderada pelo rei Minos exigiu que os
atenienses enviassem anualmente quatorze jovens, sete casais como tributos.
Estes
eram postos num labirinto e ao perder-se entre suas curvas e caminhos, sem
saída, não conseguiam retornar e morriam devorados pelo minotauro que aguardava,
entediado e faminto, sua refeição anual.
Era
impossível a fuga até surgir o jovem Teseu e, como herói mitológico, servir de
modelo até hoje escapando de forma engenhosa e simples do labirinto que, na certa,
o mataria.
Borges
no maravilhoso poema “Labirinto” diz que a vida é este lugar onde “nunca há
porta”, pois “já estamos dentro”.
Somos
postos no labirinto dando voltas, dando voltas, sem escape como castigo à deusa
da sabedoria e inteligência. Presos no labirinto como castigo à Atena. À deusa
da sabedoria, inteligência e do senso de justiça.
Genial o Borges ao dizer que não há portas, sem perceber já
estamos dentro e genial o mito, que como bom mito encerra sabedoria,
inteligência e senso de justiça.
Pois bem, fiz a introdução e se o leitor quiser reler em
algum momento esta crônica, dispense os primeiros parágrafos e comece pelo
próximo, é legítimo de minha parte crer que nem todos conheçam a história do minotauro
e menos ainda o espetacular poema de Borges. Próxima linha, por favor...
Muitos apontam como motivo da superficialidade de nossa época
o excesso de internet aliado à escassez de livros. Alegam que nunca se leu tão
pouco, nunca os debates foram tão superficiais e nunca “antes na história deste
país” as pessoas se entregaram a tantas paixões vazias: sexo, drogas e sei lá
que música completa a frase hoje ou no dia que você tiver contato com este
texto. Prefiro o clássico: sexo, drogas e rock’n roll.
Me chama a atenção no mito o fato de serem jovens os
entregues em holocausto, fico pensando, interpretando, confabulando aqui com os
meus botões e imaginando que tudo não passa de uma grande lição para os
púberes: ao atingir determinada idade, cuidado ao entrar no labirinto, você se
perderá e em algum momento encontrará o monstro.
Borges diz que o labirinto é a vida em si, podemos e vamos
nos perder e virar ração de minotauro.
Mas quando surge o Teseu o mito se transfigura, ganha um
porém (lembrando que tudo dito antes do porém não tem muita importância, tudo antes
do porém é apenas introdução, prefácio, preâmbulo), porque Teseu é o herói e
como tal nos serve de modelo.
Há a possibilidade de escapar, há um jeito de obter a
eternidade, a vida pode ter sentido, não precisamos ser os jovens que nem nome
possuem, são apenas os jovens que são jogados para morrer no labirinto,
diferentemente do filho de Egeu, o grande Teseu que tem, além da história do
labirinto, uma outra que envolve um navio que vale a pena contar em outra
crônica. Anotem e me lembrem mais tarde, quem sabe eu não fale algo a respeito,
ou isso ou vocês podem assistir àquele seriado horroroso da Disney, o
Wandavision. (Desculpe: seriado maravilhoso e cheio de conteúdo e significado
que não quer apenas que você mantenha o olho pregado na tela à espera do
próximo outro próximo episódio).
E voltando ao que dizia (escrevia), Teseu escapou do
labirinto, mas antes matou o minotauro. E como realizou tal façanha?
Ao chegar em Cnossos, caiu de amores por Ariadne, a filha de
Minos, e ela por ele. A moça ensinou-o como escapar, dando ao seu grande amor
um novelo lã que deveria desenovelar mostrando por onde passou, assim
conseguindo a fuga. Alerta de metáforas com muita sabedoria dos gregos à vista:
aprender a olhar os próprios passos, ver a sua própria história e perceber que
sem se dar conta dos próprios caminhos, tomar conhecimento dos lugares por onde
se caminha dificilmente conseguirá escapar do labirinto (precisamos desenovelar
o novelo para saber por onde caminhamos) e não é tudo.
De nada adianta fugir e ter um monstro assombrando a sua
cidade, enfim, a sua vida. Teseu entrou no labirinto armado com um novelo de lã
e uma espada e matou o minotauro.
Estando no labirinto que é a própria vida, onde somos
lançados sem que ninguém peça a nossa opinião é fácil cair na velha conversa de
que somos vítimas das situações, jogados como os sete casais da história. Mas
não vou encerrar por aqui a metáfora, vou pular para o universo que dá título a
este texto: a superficialidade de nosso mundo contemporâneo não é fruto de uma
bolha construída pelas redes sociais, isso porque não há bolhas nas redes
sociais, não há bolhas ideológicas, não há e repito com todas as letras que me
permitem escrever: não há bolhas nas redes sociais. Meu estilo é pleonástico,
vou repetir: não há bolhas nas redes sociais! Agora com um ponto de exclamação
pra mostrar que estou sendo enfático.
Comparo as redes sociais ao labirinto construído com o
objetivo de entreter, divertir, esvaziar o discurso dos jovens transformando-os
em simples mercado consumidor, ou seja, uma vingança contra Atena a deusa da
sabedoria, inteligência, do senso de justiça e das artes...
Há nesse labirinto o encontro com a morte, mas não se formos
como Teseu e entrarmos armados com a lã e a espada.
Ao adentrar no universo virtual podemos muito bem continuar a
mortificar a nós mesmos e assassinar o juízo de valores dos mais jovens, mas
também podemos ser os Teseus e com um pouco de orientação, caminhar olhando
para o que aprendeu com as próprias experiências e ter a coragem de enfrentar a
fera. Matá-la. Voltar para o seu grande amor e dizer que a internet não é feita
de bolhas, mas de labirintos e podemos sair dela muito maiores que quando
entramos.
Tratar a internet como um universo de bolhas é ignorar que
por ela navegamos, como Bartolomeu Dias jogado contra os rochedos do Cabo das
Tormentas, assim como o navegador atacado por tempestades e temendo pela vida
temos, mesmo sem saber, possibilidades de escapar (sim, possibilidades com s,
no plural). Assim como o navegante português encontrou a saída, Teseu matou o minotauro
e você não explode como uma bolha de ar ou de sabão, daquelas sopradas por um
palhaço de praça à espera de algum trocado.
Podemos retornar como Teseus e sermos as Ariadnes de alguém,
assim como Bartolomeu Dias retornou e ensinou o caminho da passagem pelo sul da
África aos portugueses. Não só podemos como faz parte de nossa obrigação, não
como o cara que saiu da caverna porque a internet não é caverna, é possível
aprender muita coisa com ela, assim como no labirinto do minotauro e no oceano
Atlântico do século XV.
É possível retornar vitoriosos como Teseus ao fim de cada
mergulho no labirinto virtual e sim, é mais que possível ser a Ariadne de muita
gente.
Mauro Marcel
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