segunda-feira, 7 de junho de 2021

Não é bolha, é labirinto

 

A deusa Atena permitiu que o filho de Cnossos fosse morto e uma guerra irrompeu provocada pelo desejo de vingança. A cidade estado de Atenas protegida pela deusa da sabedoria foi derrotada, Creta, liderada pelo rei Minos exigiu que os atenienses enviassem anualmente quatorze jovens, sete casais como tributos.

Estes eram postos num labirinto e ao perder-se entre suas curvas e caminhos, sem saída, não conseguiam retornar e morriam devorados pelo minotauro que aguardava, entediado e faminto, sua refeição anual.

Era impossível a fuga até surgir o jovem Teseu e, como herói mitológico, servir de modelo até hoje escapando de forma engenhosa e simples do labirinto que, na certa, o mataria.

Borges no maravilhoso poema “Labirinto” diz que a vida é este lugar onde “nunca há porta”, pois “já estamos dentro”.

Somos postos no labirinto dando voltas, dando voltas, sem escape como castigo à deusa da sabedoria e inteligência. Presos no labirinto como castigo à Atena. À deusa da sabedoria, inteligência e do senso de justiça.

Genial o Borges ao dizer que não há portas, sem perceber já estamos dentro e genial o mito, que como bom mito encerra sabedoria, inteligência e senso de justiça.  

Pois bem, fiz a introdução e se o leitor quiser reler em algum momento esta crônica, dispense os primeiros parágrafos e comece pelo próximo, é legítimo de minha parte crer que nem todos conheçam a história do minotauro e menos ainda o espetacular poema de Borges. Próxima linha, por favor...

Muitos apontam como motivo da superficialidade de nossa época o excesso de internet aliado à escassez de livros. Alegam que nunca se leu tão pouco, nunca os debates foram tão superficiais e nunca “antes na história deste país” as pessoas se entregaram a tantas paixões vazias: sexo, drogas e sei lá que música completa a frase hoje ou no dia que você tiver contato com este texto. Prefiro o clássico: sexo, drogas e rock’n roll.

Me chama a atenção no mito o fato de serem jovens os entregues em holocausto, fico pensando, interpretando, confabulando aqui com os meus botões e imaginando que tudo não passa de uma grande lição para os púberes: ao atingir determinada idade, cuidado ao entrar no labirinto, você se perderá e em algum momento encontrará o monstro.

Borges diz que o labirinto é a vida em si, podemos e vamos nos perder e virar ração de minotauro.

Mas quando surge o Teseu o mito se transfigura, ganha um porém (lembrando que tudo dito antes do porém não tem muita importância, tudo antes do porém é apenas introdução, prefácio, preâmbulo), porque Teseu é o herói e como tal nos serve de modelo.

Há a possibilidade de escapar, há um jeito de obter a eternidade, a vida pode ter sentido, não precisamos ser os jovens que nem nome possuem, são apenas os jovens que são jogados para morrer no labirinto, diferentemente do filho de Egeu, o grande Teseu que tem, além da história do labirinto, uma outra que envolve um navio que vale a pena contar em outra crônica. Anotem e me lembrem mais tarde, quem sabe eu não fale algo a respeito, ou isso ou vocês podem assistir àquele seriado horroroso da Disney, o Wandavision. (Desculpe: seriado maravilhoso e cheio de conteúdo e significado que não quer apenas que você mantenha o olho pregado na tela à espera do próximo outro próximo episódio).

E voltando ao que dizia (escrevia), Teseu escapou do labirinto, mas antes matou o minotauro. E como realizou tal façanha?

Ao chegar em Cnossos, caiu de amores por Ariadne, a filha de Minos, e ela por ele. A moça ensinou-o como escapar, dando ao seu grande amor um novelo lã que deveria desenovelar mostrando por onde passou, assim conseguindo a fuga. Alerta de metáforas com muita sabedoria dos gregos à vista: aprender a olhar os próprios passos, ver a sua própria história e perceber que sem se dar conta dos próprios caminhos, tomar conhecimento dos lugares por onde se caminha dificilmente conseguirá escapar do labirinto (precisamos desenovelar o novelo para saber por onde caminhamos) e não é tudo.

De nada adianta fugir e ter um monstro assombrando a sua cidade, enfim, a sua vida. Teseu entrou no labirinto armado com um novelo de lã e uma espada e matou o minotauro.

Estando no labirinto que é a própria vida, onde somos lançados sem que ninguém peça a nossa opinião é fácil cair na velha conversa de que somos vítimas das situações, jogados como os sete casais da história. Mas não vou encerrar por aqui a metáfora, vou pular para o universo que dá título a este texto: a superficialidade de nosso mundo contemporâneo não é fruto de uma bolha construída pelas redes sociais, isso porque não há bolhas nas redes sociais, não há bolhas ideológicas, não há e repito com todas as letras que me permitem escrever: não há bolhas nas redes sociais. Meu estilo é pleonástico, vou repetir: não há bolhas nas redes sociais! Agora com um ponto de exclamação pra mostrar que estou sendo enfático.

Comparo as redes sociais ao labirinto construído com o objetivo de entreter, divertir, esvaziar o discurso dos jovens transformando-os em simples mercado consumidor, ou seja, uma vingança contra Atena a deusa da sabedoria, inteligência, do senso de justiça e das artes...

Há nesse labirinto o encontro com a morte, mas não se formos como Teseu e entrarmos armados com a lã e a espada.

Ao adentrar no universo virtual podemos muito bem continuar a mortificar a nós mesmos e assassinar o juízo de valores dos mais jovens, mas também podemos ser os Teseus e com um pouco de orientação, caminhar olhando para o que aprendeu com as próprias experiências e ter a coragem de enfrentar a fera. Matá-la. Voltar para o seu grande amor e dizer que a internet não é feita de bolhas, mas de labirintos e podemos sair dela muito maiores que quando entramos.

Tratar a internet como um universo de bolhas é ignorar que por ela navegamos, como Bartolomeu Dias jogado contra os rochedos do Cabo das Tormentas, assim como o navegador atacado por tempestades e temendo pela vida temos, mesmo sem saber, possibilidades de escapar (sim, possibilidades com s, no plural). Assim como o navegante português encontrou a saída, Teseu matou o minotauro e você não explode como uma bolha de ar ou de sabão, daquelas sopradas por um palhaço de praça à espera de algum trocado.

Podemos retornar como Teseus e sermos as Ariadnes de alguém, assim como Bartolomeu Dias retornou e ensinou o caminho da passagem pelo sul da África aos portugueses. Não só podemos como faz parte de nossa obrigação, não como o cara que saiu da caverna porque a internet não é caverna, é possível aprender muita coisa com ela, assim como no labirinto do minotauro e no oceano Atlântico do século XV.

É possível retornar vitoriosos como Teseus ao fim de cada mergulho no labirinto virtual e sim, é mais que possível ser a Ariadne de muita gente.

                                                                     Mauro Marcel

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