Você já pensou em como as escolas surgiram?
Não a escola do seu bairro construída no início dos
anos 1980 pouco antes ou depois, ou a dos grandes centros na primeira metade do
século XX.
Não quando, mas como?
Em torno de qual
ideia se estrutura o conceito de escola num Brasil de Paulo Freire e Anísio
Teixeira?
E não cito os teóricos como posicionamento
ideológico, mas para dizer que antes dos mesmos já havia quem pensasse um lugar
onde as crianças ficam o dia todo distantes do seio familiar e próximas a outras
influências: Estado, Mercado, esportes, religiões, grupos, paixões, ideias
preconcebidas, ideias, etc. etc.
Ensinar não é algo
novo e ensinar em casa muito menos. Um agricultor tinha muitos filhos porque
muitas pessoas significava muita mão de obra na lavoura.
O ensino doméstico nasceu com a própria ideia de
estabelecer-se em determinado lugar e plantar e colher e plantar novamente e
colher novamente com mais ou menos ajuda, com mais e menos sucesso...
Agora, depois de escrito e relendo fico pensando que
antes já havia a ideia de ensinar a caçar, a coletar, a preparar o alimento retirando as impurezas, e antes a ideia de construir ferramentas das mais
primitivas às ainda primitivas porém mais elaboradas, a cuidar do fogo,
manejá-lo e não deixar o acampamento incendiar-se.
Um João de barro pai
não ensina ao João de barro filho como construir uma casa, o instinto de
preservação está em seus genes, por instinto um passarinho voa, por instinto um
camaleão se protege, por instinto uma leoa caça uma gazela na savana e cruza e
procria, sem aquilo que chamamos de comunicação complexa.
O que quero dizer é que há sim um nível de passagem
de bastão de seres que não nós na natureza, seres que não conseguem enviar um
homem para a Lua e nem pensar em como colonizar outros planetas.
A diferença entre
uma barata e um homem é que para o inseto tudo é presente, um eterno e contínuo
agora, enquanto que para nós, para você que lê o que escrevo, há também um
passado carregando sua consciência de remorsos ou nostalgia, e um futuro
carregando sua mente de ansiedade ou sonhos.
Os seres humanos
precisam de escola porque tem passado, presente, futuro e porque se afastou da
vida simples dos instintos.
Eis os motivos de haver escola: é muita coisa para
administrar.
Difícil essa vida, é mais fácil ser bactéria que não
planeja, não se frustra, não decepciona os pais ao escolher a profissão errada,
não decepciona a si mesmo escolhendo o caminho tortuoso das drogas, não sente
vergonha quando faz cocô na roupa ao passar mal na sala de aula da quinta série
(acho que fui muito específico). Não aprende e não modifica por livre arbítrio
a própria realidade.
Neste momento percebo que me distancio do que me
trouxe ao texto, mas vou fundo pelo caminho que me direcionei, se conseguir,
retorno, se não, deixo a cargo do leitor seguir, ou não, comigo até a última
linha.
Pois bem, ao falar de educação é preciso diferenciar
bem o que é escola do que seja ensino. Ensinar e aprender são processos
ininterruptos que devem nos acompanhar por toda a vida.
Uma pessoa que não aprende, sabemos como chamar.
Também sabemos como chamar uma pessoa que se recusa
a ensinar o que sabe.
A escola, em minha humilde opinião tem que ser
pensada em separado do ensinar e aprender, principalmente num século XXI de
acesso instantâneo a vídeos com tutoriais, aulas com professores amadores que
não são professores, são curiosos sobre determinado assunto, mas que ensinam
também e faz parte da universalização do acesso ao conhecimento tão sonhado por
pessoas ilustradas de distintas épocas da humanidade.
E quero que discordem de mim. Mas também que alguém
concorde. Repito o que para mim nem é tão polêmico: a escola deve ser pensada
em separado do processo ensino/aprendizagem.
Longe de romantizar o debate, é sabido que o Estado
(todos eles) utilizam o dinheiro dos impostos para gerar benefícios para a
população (ou deveria), a educação escolar é um serviço que é um benefício que
deve gerar outros como professores, pessoas mais conscientes que poluem menos,
mão de obra qualificada, pensadores, construtores, policiais, exército,
artistas, médicos...
Em períodos de guerra a escola serviu para
disciplinar (há ideias difíceis de morrer e pessoas que ainda creem que na
escola sempre é tempo de guerra, um lugar de extrema disciplina, “o professor
bom é aquele que consegue controlar a sala” e tome blá blá blá...).
Jurei para mim em nome de vários santos que não
escreveria mais crônicas tão longas, ou ensaios, ou o que for este texto até o
final, mas é que sou professor há quase vinte anos e apaixonado pelo assunto.
Lembro de como imaginava a escola que trabalharia enquanto cursava letras: sonhava
com os estudantes lendo os clássicos da literatura, todos libertos dos grilhões
da obediência cega, e nunca me flagrei imaginando uma aula em que perguntava o
que eles desejavam ser, fazer, sonhar...
Sempre mais importante na escola dos meus sonhos o
meu grandiosos sonho, corretíssimo e asséptico e, bem diminuto quase um detalhe, os desejos
dos alunos.
Quem eram eles para saber o que era melhor para si?
E demorou para mudar, mas mudou. (em mim ao menos)
Se uma época é mais industrial, é legítimo formar
mão de obra para a indústria. Se é uma escola inserida numa comunidade agrária
também é legítimo formar pessoas que se ocupem das atividades campesinas, o que
não impede alguém do campo em sonhar viver do ramo fabril e vice versa.
Alguém aí pensou em equidade? Isso mesmo. Acho que
estamos na mesma página, se não, tudo bem, ainda estou aprendendo.
É legítimo aos pais influenciarem nas decisões de
vida dos filhos e os filhos desobedecerem aos pais. A vida é dinâmica e não
adianta escrever roteiros e buscar segui-los, talvez sirva para uma meia dúzia
de pessoas, mas na escola do início do século XXI a complexidade, os debates, o
aprender, o ensinar, tudo é muito mais complexo que no fim do século XX. E
muitos professores estavam e ainda estão por lá ensinando em 2021 como se
ensinava em 1995 e isto é um dos maiores tabus da educação, entre os diversos
que existem.
O caso é que vivemos numa época em que as
informações não são obtidas apenas pelos antigos e (dizem alguns) ultrapassados
canais oficiais. A informação e o conhecimento vêm de todas as partes numa
enxurrada descontrolada, e é papel, hoje, da escola ensinar a selecionar o que
é relevante do que não é, assim como a colaborar nessa nevasca de informação:
tudo misturado: textos, imagens, infográficos, memes, vídeos, podcasts,
aplicativos, redes sociais e o que mais surgir e surge.
Dentro disso, é importante saber que aprender é
também entender o que merece nossa atenção. Ao longo do dia milhares de pessoas
vão lutar para obter sua, vão querer te vender serviços, mercadorias e ideias.
Porque escrevo este texto, por exemplo. Quais as
minhas intenções? Talvez eu queira convencer de alguma coisa não tão boa, mas
como saber?
Neste imbróglio é importante pensar que a sociedade
enfrenta desafios diferentes dos da mesma população de há quinze anos e
enfrentará novos em cinco, dez, vinte; os problemas se renovam antes de serem
resolvidos e se avolumam.
A escola de hoje precisa se comprometer com a
formação do socioemocional muito mais do que a aquisição de meros conhecimentos
enciclopédicos. Sempre haverá um aparelho eletrônico por perto para buscar a
capital da Austrália que não é Sidney, a raiz quadrada de um número negativo
que não existe ou o que for, a fórmula de bhaskara, a lista de verbos
irregulares. E se não houver um aparelho por perto para buscar a informação? Faça
o mesmo de quando quer escrever e não encontra a caneta. Admirável mundo novo,
muito a aprender, muito a ensinar.
O homeschooling, termo em inglês que significa em
tradução livre “ensino doméstico”, deve ser uma opção não apenas para o período
escolar, mas para toda a vida. A internet nos aproxima do conhecimento. Ponto.
Não há o que discutir. Mas também nos aproxima das maiores bizarrices e
imbecilidades inventadas pelo homem.
Aprender na escola
significa, agora em plena década de vinte do vigésimo primeiro século, se relacionar com outros indivíduos e
superar desafios de maneira saudável e equilibrada e isto não se aprende longe
das pessoas. O ser humano se faz humano no convívio e convivência se aprende e
se pratica. De frente para o computador? Um tanto. Porém muito mais no olhar,
compartilhando espaços e rotinas com pessoas de diferentes faixas etárias e
culturas. A internet otimiza isso, mas nunca substituirá a prática: conviver
com as frustrações, por exemplo, se abrir para o novo. São habilidades que a
escola tem que desenvolver nos estudantes desde crianças até a adolescência,
para que o adulto acrescente vida à própria vida, qualidade aos próprios
sonhos, realizações para seus ideais e autonomia aos próprios passos.
Mauro Marcel
Link para consulta: BNCC - Base Nacional Comum Curricular