O governo Bolsonaro nem começou, mas a ânsia de
sentir como seria uma administração de direita no Brasil é tão grande que há
laivos de empoderamento bolsonárico em todas as partes. O mais gritante foi a retirada
dos médicos cubanos do programa mais médicos.
É
sobre isso que tratarei aqui.
Não
vou me ater às denúncias de que é um projeto com o intuito de financiar a
ditadura cubana, ou que seria um caso de exploração que beira a escravidão. Meu
foco será a questão da saúde pública no Brasil. O SUS e não apenas ele.
Um
pouco de história.
Antes
da constituição de 1988 ninguém tinha assegurado tratamento médico gratuito no
Brasil. Havia o INAMPS que era uma autarquia do Ministério da Saúde, com o
intuito de assegurar algum tratamento humanitário a mendigos, indigentes,
vacinação a todos e saúde pública a quem contribuía para o INPS.
O que era o INPS? Seria o que é
hoje o INSS. A querida previdência social e pública.
Assim: quem contribuía para a
previdência tinha assegurado o tratamento público gratuito em hospitais do
governo. Isso foi criado em 1974. Não pesquisei como era antes, mas fiquei
curioso, vou dar uma olhada e acrescento algo aqui quando tiver um tempinho.
Então o governo federal assegurava
saúde pública a quem trabalhava com carteira assinada.
Hoje é bem diferente. À luz da
constituição cidadã de 1988 assegurou-se o atendimento de saúde gratuito e
universal no território brasileiro, o SUS (Sistema Único de Saúde), que não é
único porque não existe outro no Brasil, já que em território brasileiro é
livre a venda de planos de saúde privados, Amil, Unimed, e vários outros.
Pois bem. O SUS é um dos maiores
avanços civilizatórios da sociedade brasileira. E sua instauração assegurou a
todos os tupiniquins um tratamento para qualquer doença que nos afete. Sem
carências, sem questionamentos. Gratuito. E então começam as confusões.
O Sistema Único brasileiro sofre o
mesmo que todo plano de saúde por não poder aumentar a mensalidade. Não à toa
muitos planos particulares estão falindo, saindo do mercado, pois são proibidos
de aumentar as parcelas como gostariam, ou como deveriam.
Não dá pra falar desse assunto de
forma tão breve. Minha intenção aqui é ser panorâmico, o que dará a impressão
de que concordo com os convênios privados quando aumentam as mensalidades. O
que não é verdade. Sou a parte mais sensível do processo. Não quero pagar a
mais, entretanto é visível ao longo dos últimos vinte anos os planos particulares
sendo obrigados a cobrirem cada vez mais procedimentos, cirurgias complexas e
caras, restando aos planos particulares abrirem um abismo entre os convênios premiums
e os dedicados ao povão.
Sim. Está cada vez mais difícil aprovar alguma cirurgia em hospitais particulares, mas se você paga três ou quatro mil reais por mês talvez não tenha problemas para ter um coração transplantado no Albert Einstein, por exemplo. Não conheço ninguém com essa sorte, quer dizer, este plano.
Sim. Está cada vez mais difícil aprovar alguma cirurgia em hospitais particulares, mas se você paga três ou quatro mil reais por mês talvez não tenha problemas para ter um coração transplantado no Albert Einstein, por exemplo. Não conheço ninguém com essa sorte, quer dizer, este plano.
Outra questão é que ao criar
problemas para seus pagadores, os convênios particulares empurram seus clientes
para o SUS. Que por natureza não pode e nem deve discriminar ninguém. Rico ou
pobre.
Então se você tem uma gripe, uma
virose, o melhor lugar do mundo é um hospital particular. Te oferecem até um
carinho na saída. Mas se o caso é mais complexo, como um câncer, uma cirurgia
vascular, o melhor lugar no Brasil ainda é o SUS. Os convênios sabem disso e
economizam às nossas custas, dificultando liberações de procedimentos. Incorrem
em ilegalidades e quase sempre são processados, quase sempre perdem os
processos, o que parece ser mais benéfico para a saúde financeira dessas
empresas que arcar com todos os custos de um tratamento moderno, caro e
funcional.
Do outro lado o SUS padece por sua
grandeza. É o sistema federal com maior alcance, lembrando que a educação é
repartida com estados e municípios, assim como a segurança. A mesma carteirinha
do Sus é válida nos confins do Mato Grosso e nos sertões paraibanos. Sim, o SUS
é muito bom. Não existe sistema de saúde público universal nos Estados Unidos, por exemplo. O Obamacare é a tentativa yankee de algo do tipo, obrigando a todos os americanos o pagamento de uma cobertura mínima.
No SUS brasileiro acontece a maior parte dos transplantes,
tratamento contra o câncer tuberculose, ossos quebrados, gripes, resfriados, coquetel antiviral para o tratamento do HIV e vacinas. Eu mesmo posso falar
da vez que quebrei um braço (ainda criança) e tive todo o processo de reestabelecimento
gratuito. O SUS não discrimina.
Mas qual o problema com este
sistema tão bom que retrato acima. Tão bom que chega parecer ridícula a
comparação com os parceiros particulares Brasil afora?
O problema é o preço.
Com um real gasto com educação é
possível comprar um lápis e uma criança pode escrever durante quinze dias, ou
mais, numa escola em qualquer ponto do país. Um real em saúde não compra um
dipirona pra reduzir a febre desta mesma criança quando sai pra brincar na
chuva e toda criança adora brincar na chuva. Isso no caso de um simples resfriado,
imagine o custo do tratamento caso tenha leucemia, por exemplo.
Quando escrevi alguns parágrafos acima
que o SUS é público e gratuito eu menti descaradamente. Público sim. Gratuito
nenhum pouco. O sistema público brasileiro é mantido com o dinheiro dos
impostos, algo em torno de 12 e 13 por cento da receita das esferas federal,
estaduais e municipais. O mínimo.
É como ter uma casa com o orçamento
de mil reais e ser obrigado a gastar 130 com a compra de remédios, tratamentos,
vacinas. Para toda a família.
E se o dinheiro não der pra cobrir
as despesas? E se o filho mais novo da família contrai uma pneumonia, o mais
velho torce o tornozelo jogando futebol e a mãe tem um cisto no ovário?
A péssima notícia é que esta
família é o Brasil. A boa é que nem todos os membros da casa estão tão doentes.
José Sarney era o presidente quando
da sanção da última constituição brasileira e ao saber dos direitos todos que
ela garantia, ficou desesperado como membro do executivo sem conceber de onde retirar
verba para tantos gastos. O problema se resume muito a dinheiro, mas como disse
no parágrafo anterior os problemas brasileiros não são tão complexos, de fato
não são.
Cerca de setenta por cento das
pessoas que procuram um médico no Brasil busca um tratamento para uma doença
chamada de baixa complexidade: resfriado, diarreia, virose, febre, cefaleia,
etc.
No Reino Unido existe a cultura das
enfermeiras cuidadoras. Elas dão o primeiro atendimento se responsabilizando
pelo cuidado do paciente. São treinadas para perceber situações mais sérias e
encaminhar, se for necessário, ao médico responsável.
Nos Estados Unidos a rede Wallgreen (uma mistura de lojas americanas, farmácia e supermercado) disponibiliza atendimento com farmacêuticos para a indicação de medicamentos
para tratamentos mais simples, como ouvido entupido, cortes e queimaduras
superficiais, e outros entreveros menos urgentes, passíveis de um tratamento
sem a necessidade de um profissional hiperqualificado.
Isso no Brasil é permitido quando
se autoriza parte dos remédios serem comprados com receita e outros não. Eu
acho que poderíamos ir mais longe.
Há no Brasil um sistema público que
deveria atender a todos, mas não atende por diversos motivos. O governo Dilma
alegou que o principal era a falta de médicos. O que eu discordo enormemente.
Talvez a falta de especialistas em diversas áreas: neurologistas, geriatras para assistir as novas demandas da sociedade, o envelhecimento da população é urgente.
Talvez a falta de especialistas em diversas áreas: neurologistas, geriatras para assistir as novas demandas da sociedade, o envelhecimento da população é urgente.
Se fosse dada a liberdade a
enfermeiros prescreverem receitas simples, atendimentos básicos, aliado a uma
orientação mais especializada, com certeza se esvaziariam os ambulatórios,
seria dado um atendimento mais de pronto levando aos médicos os casos mais
graves e aqueles que fugissem da expertise de um profissional de enfermagem.
Sem medo. No meio do caos é necessário
ter coragem para algumas atitudes que podem mesmo salvar vidas. Uma pessoa que
retorna ao ambulatório reclamando de dor duas, três vezes seguidas precisa se
consultar com um médico. Uma outra que virou a noite na rua e bebeu até cair
precisa de um cuidado menos acurado, qualquer enfermeiro sabe o que fazer e
problemas assim lotam as enfermarias de todo o Brasil.
Em cidades mais afastadas, com
problemas de doenças tropicais deveria ser feito um estudo mais aprofundado,
assim como em locais sem saneamento básico, alto índice de acidentes de trânsito,
quedas de motos como em São Paulo. Tudo isso otimizaria o atendimento,
desburocratizando a figura do doutor.
É claro que muita gente vai
reclamar. Se sai de casa é porque quer ver um médico e isso não vai se alterar
no curto prazo. Para tal se faz urgente a informação. Isso e um olhar à
realidade. Toda vez que fui a um ambulatório buscando atendimento médico passei
por uma triagem: medem pressão arterial, temperatura, uma breve entrevista e em
caso de gravidade passam na frente para o atendimento imediato. Enquanto isso
situações menos complexas esperam por seis, sete, dez, doze horas na fila em
busca de atendimento. Quantas vezes não vemos pessoas desistindo de esperar, se
levantando e partem. Deixaram de ficar doentes? Um pouco mais de inteligência,
por favor.
Que tal se na triagem já houvesse
medicação, aliviando o peso do trabalho do médico. Ele poderia assim cuidar
melhor da velhinha que volta pela quarta vez reclamando de dores no pescoço.
Seria a perfeição? Claro que não.
Mas entupir os hospitais de pessoas com problemas pouco complexos, fomentando
automedicação e a venda de medicamentos sem prescrição não me parece ser um
caminho saudável (trocadilho obsceno).
Os farmacêuticos estudam tanto para
atender atrás de um balcão? Por que não podem prescrever?
As enfermeiras estudam por quatro,
cinco anos? Por que não podem atender, prescrever, cuidar de fato?
O médico especializado em
complexidade, por que passar o dia inteiro receitando remédios para prisão de
ventre e diarreia?
Enquanto isso crianças morrem com
surtos de dengue, malária, leptospirose, verminose e várias outras doenças
ligadas ao simples fato de serem pobres e viverem muito perto das próprias
fezes.
Mais médicos? Talvez.
Mais profissionais da saúde com mais
autonomia? Com certeza.
Concordo plenamente que demais profissionais de saúde tivessem mais autonomia, seria bom para as pessoas e para o sistema de saúde em geral.
ResponderExcluirVerdade. Confiar na inteligência das pessoas é fundamental.
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