quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Relacionando a função da rainha com a docência

Resultado de imagem para english queen youngAssisti à uma série que me tocou de alguma forma e me permito fazer neste espaço algumas considerações.
                O seriado do Netflix “The crown” conta a vida de sua Majestade a rainha Elizabeth II, de sua infância ao fim do décimo ano de reinado, ao menos ao fim da segunda temporada era por aí que as coisas andavam. Acredito que a intenção seja percorrer todo o período Neo-Elizabetano, mas não é uma crítica ao programa de TV o foco deste artigo.
O seriado teve o mérito de despertar em mim o interesse por tentar descobrir o porquê de um país moderno e rico ainda manter a estrutura de Monarquia Constitucional, e a resposta é dada episódio por episódio: a realiza serve como um modelo de ser humano a ser seguido, um encantamento, o conto de fadas, o ideal de cidadão que todo inglês sonha alcançar, não como parte da realeza, mas como integrante de uma estrutura maior, diferentemente daquelas histórias de reis déspotas, Robin Hood lutando pelos pobres roubando dos ricos, o William Wallace tendo sua esposa entregue ao lorde para as primeiras núpcias, ou algum rei francês perdendo a cabeça. Esta estrutura maior chama-se legado histórico britânico.
Ficou claro pra mim que a rainha funciona como mecanismo unificador da identidade inglesa, qualquer britânico no mundo serve à rainha e sente orgulho por participar como súdito de um reinado que chegou a ocupar toda a vastidão do planeta. Em tempos o Império Britânico era tão vasto que em algum lugar sempre o sol brilhava nas terras das Rainhas Elizabeth ou Vitória. E mesmo o Império não sendo tão vasto quanto o de suas antecessoras é inegável a influência que a Inglaterra ainda exerce no mundo contemporâneo.
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Mesmo sabendo das agruras impostas por este Império ao longo da história, principalmente o período moderno, levando em conta principalmente o papel britânico no neocolonialismo com reflexos terríveis na atualidade. Para o mundo os ingleses não foram santos, mas para os ingleses é preferível ser inglês a português ou espanhol, por exemplo.
A ideia de um ideal, um norte moral, é apresentado em momentos dos mais variados. Alguns me chamaram muito a atenção e podem ser aplicados como lição de cotidiano, mesmo para tupiniquins e tupinambás das terras paulistas. Como a luta de Elizabeth por tornar-se a Elizabeth II, a toda poderosa rainha. A personalidade da pessoa – Lilibeth, para os íntimos – tem de desaparecer, sua individualidade perder-se para que a ideia de Coroa permaneça, porque a Coroa é permanente e não Elizabeth II.
O problema é que Lilibeth vive num mundo de mudanças, de velocidade, e não é fácil perceber qual dessas mudanças é, de fato, boa e qual delas veio apenas para subverter a ordem das coisas causando mais mal do que bem. Quem sabe o que algo tão pequeno como a transmissão da cerimônia de coroação da Rainha, algo que soaria trivial no século XXI, mas que era revolucionário na ocasião do recebimento da coroa por Elizabeth, quem sabe quais as consequências de tal ato?
Ou do casamento de sua irmã Margareth com um homem divorciado. Nada mais comum para meros cidadãos, mas a Princesa Margareth tem um título, uma vida de luxos, é diferente dos súditos comuns e tem de obedecer a uma lei diferente também. A irmã toda poderosa Rainha autoriza o casamento, mas a Elizabeth II representando a coroa a proíbe, a relação entre as irmãs se estremece pra sempre, é o ônus do poder. É o que se paga por ser um modelo a ser seguido por milhões, é o peso da história nas costas da rainha. É a coroa.
Essa modernização em certo ponto é resolvida, a rainha consegue atingir o meio termo e é neste ponto que consigo ver uma relação entre uma vida tão diferente da minha, diria até que uma vida surreal, com a profissão que abracei: a docência.
Resultado de imagem para mr holland Percebendo como a rainha vai se despindo de suas vontades, seus desejos pessoais, sua própria individualidade, tudo isto muito justo, (desde a Revolução Francesa que os ideais de igualdade, liberdade e fraternidade estão aliados a um projeto de direitos humanos que pressupõem que cada pessoa tem o direito de sonhar e buscar este sonho). O próprio tio da rainha Elizabeth II abriu mão da coroa porque queria casar-se com uma mulher divorciada de três maridos.
Mas o professor tem algo de rei. Pode parecer absurda a comparação e é muito absurda mesmo.
Lembro de outro filme muito bacana, traduzido no Brasil como “Adorável professor” nele o Mr. Holland, professor protagonista, chega ao primeiro dia de aula carregando uma pasta sofisticada, vestido de terno e gravata e se dizendo maestro com um projeto de dar aulas para ter tempo de compor a sua sinfonia.
Ao longo da narrativa vemos o Mr. Holland se desapegando de seus ideais, seus sonhos e desejos para fazer o que era necessário como professor. E à medida que se desapegava de si os alunos criavam gosto pelas suas aulas, sua sinfonia ficava de lado, sua família ficava de lado, mesmo seu filho deficiente auditivo perdia um pouco do pai. Os alunos ganharam o melhor professor de suas vidas.
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A cena final do filme é marcante quando vários de seus alunos ao longo dos anos apareceram para se despedir do professor e agradecer pelo maravilhoso motivador que foi, sua sinfonia estava ali aos seus olhos, na vida de seus pupilos.
O professor, em certa medida, tem de desaparecer enquanto indivíduo, em prol de um ideal maior. O aluno e seus sonhos. Este é o trabalho do docente.
Isso fica muito evidente no seriado “The crown” quando o rei George, pouco antes de morrer chama seu genro, marido de Elizabeth, o Duque Philip para uma conversa em que explica de forma bem clara que sua obrigação era a rainha. Ou seja, quando Lilibeth se tornar a representante da coroa todas as ações do marido Philip deveriam estar voltadas a organizar, proteger, salvaguardar, a rainha Elizabeth. E isto somente ocorreria se o marido da rainha abrisse mão de toda a sua individualidade.
No seriado esta questão é a que traz o maior problema, afinal qual o papel de um marido de rainha? Para o rei George era bem claro, para Philip custa a lhe ocorrer. Assim como para a irmã Margareth que também ama as benesses da realeza, mas não aceita muito bem o papel de figura idealizada.
Resultado de imagem para ao mestre com carinhoPor incrível que pareça, a pessoa que melhor aceita pagar este tributo é a própria rainha que desaparece tanto na coroa que chega a ser uma caricatura de si própria, não à toa olhamos a rainha da Inglaterra (a verdadeira) como uma figura decorativa, sem voz, sem tom e sem graça. A graça não está nela, mas na coroa.
Mas voltemos ao fardo que o professor tem de carregar, e sei da injustiça da comparação que faço, a família real é proibida de trabalhar, vive em castelos, não diferenciam dias da semana de feriados e quem são os professores perto disso tudo?
Lembro que na minha infância nutria verdadeira admiração pelos meus professores, admiração que se perdeu ao longo do Ensino Fundamental II e Médio e que redescobri no Ensino Universitário.
Nos primeiros anos de escola olhava aquelas professoras entrando na sala cheias de sacolas com livros, atividades, cadernos de alunos de outras séries, o diário de classe verdadeiro objeto proibido e tudo aquilo me gerava um encantamento e respeito que, talvez um súdito da rainha tenha com a mesma.
Ouvi dizer que isso ainda ocorre no Japão, país em que o professor é tratado como o Imperador, sendo o único profissional que não precisa se curvar ante o mandatário.
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Mas ao longo dos anos fui percebendo que professores foram se aproximando muito, tanto que em certos aspectos não sabia onde começava um professor e terminava um aluno. E se falo isso é porque acredito no poder que o encantamento pode causar na vida de uma pessoa quando vindo de um docente.
Sei que pareço reacionário dizendo essas coisas, mas o professor tem de ser um ideal de moral e ética para seus alunos assim como a coroa tem de o ser para os súditos ingleses.
O Mr. Holland de “Adorável professor” perde inclusive sua disciplina e ao final do filme está desempregado, no filme “Ao mestre com carinho” o professor também abre mão de um emprego mais qualificado porque aceita outro ano lecionando.
A profissão mais difícil do mundo, eis o que é: abrir mão não apenas de noites de sono, de momentos com a família, de um salário digno, mas da própria identidade, das próprias ideologias por vezes, pra que o aluno descubra seu próprio caminho. Sem proselitismos, sem idealidades.
O professor é uma vocação linda. É uma profissão impossível.

É muito triste ter de aceitar que o indivíduo na frente da lousa, sem voz, cansado, dentro do jaleco coberto de giz passa sem deixar rastros e o que mais importa é a “coroa”: o conteúdo, os sonhos e objetivos dos alunos. Mas servir ao próximo desta forma é muito mais grandioso e transformador que apenas sendo uma figura decorativa, fria e muda como a Rainha da Inglaterra.

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