domingo, 14 de janeiro de 2018

Parnasianismo

Resultado de imagem para torre eiffel                Quando alguém me diz que foi a um restaurante francês tenho a impressão imediata de que essa pessoa tem um gosto refinado, é inteligente, sofisticada e acima de tudo, tem algum dinheiro sobrando.
                Há muito a França nos interessa, uma espécie de fetiche da nossa sociedade, almejando pelos prazeres parisienses. Aqui em São Paulo tem um bairro chamado Campos Elíseos, tradução livre de Champs-Élysées, famosa avenida francesa. Mas nem precisa ir tão longe pra sentir o encanto que a turma de Napoleão nos exerce, batom, sutiã, fondue, lingerie. Algumas palavras nem disfarçam a origem, e pra ser sincero, por que deveriam?
                O Brasil desde sempre foi uma cultura de mistura de povos, assim como na Europa, que se orgulha da “pureza cultural” mas que leva em seu DNA um caldeirão despejado de misturas e mais misturas: mouros, francos, bretões, latinos, nórdicos. Assim como nosso tupi, com europeu, africanos e mais e mais e mais. Até alemães e japoneses apareceram por aqui.
                Nosso encanto pela cultura francesa foi, ao longo do século XX, trocado pelo apreço pela dos norte-americanos, o que me leva a crer que nós não gostamos da França, mas sim daqueles que impõem sua cultura com mais poder ao longo da história, gostamos do que está em evidência. Então se a França tem influência em minha avaliação quanto a alguém ter gosto refinado ou não, os Estados Unidos da América o têm quando minha avaliação vale para o que é descolado, divertido, moderno.
                Logo, eu prefiro usar o verbo deletar mesmo tendo a palavra em língua portuguesa apagar exercendo papel idêntico e com uma letra a menos, o que derruba o discurso da velocidade da comunicação. E outras, afinal, qual vocábulo você encontra em português que substitua vídeo game, console, e algumas patuscadas como pen drive que não se chama assim em inglês, mas flashdrive, ou outdoor que não diz nada a quem conversa na língua da rainha.
Resultado de imagem para escargot                É neste debate que gosto de pensar o Parnasianismo. Um movimento que se desenvolveu na França, no Brasil e só. Simples assim: filhos de fazendeiros brasileiros viajavam para a França a estudos entrando em contado com o que havia de melhor sendo desenvolvido em termos de arte, cultura, literatura, pensamento enfim. Pois bem, com o que havia de ruim também, mesmo não pensando que tudo o que há de parnasiano seja mau, na verdade não é, o que peca neste estilo literário é a cópia farsesca que se faz dele no Brasil.
                A tentativa de um parnasianismo brasileiro, mas sem nenhuma identificação com a nossa cultura, jeito de pensar, falar e agir. Apropriação cultural? Não é disso que estou falando. Não acredito que seja ruim desenvolver o conceito de poesia como uma joia a ser lapidada e também me admiro com algumas belas composições de Olavo Bilac e dos demais parnasianos. O problema foi que em certo momento da nossa história literária esta passou a ser a literatura oficial. Isto sim o problema. Vou tentar ser mais claro.
                O Parnasianismo consiste em valorizar a forma do poema e não seu conteúdo, daí surgem textos racionais, pois são pensados para serem belos. A melhor metáfora vem do mais famoso poema parnasiano “Profissão de fé”, nele o eu lírico afirma que inveja o produtor de joias quando escreve e tem nele sua inspiração na composição de seus versos. O ourives escolhe entre as pedras as mais preciosas, lima o ouro, safiras, diamantes. Troque ourives por poeta e todo o material de ourivesaria por vocábulos literários, temos o objetivo do poeta parnasiano. O poeta usa a pena, o ourives o cinzel. O poeta palavras, o ourives, bom, acho que já deu pra entender. Mas vou além.
                Por que alguém usa um brinco? Uma joia no pescoço? Uma pulseira? A resposta óbvia: para enfeitar o corpo. Isso mesmo. Da mesma forma que uma joia enfeita o corpo um poema parnasiano enfeita o livro, as festas, as relações amorosas da provinciana classe média emergente paulista e carioca.
                Olavo Bilac ficou famoso em seu tempo e junto com Raimundo Correia e Alberto de Oliveira formou o que foi chamado de a Tríade parnasiana. Seria como juntar os Três tenores, ou sei lá, Batman, Super Homem e Mulher Maravilha.
Resultado de imagem para caviar                Os poetas escolhiam palavras para gerar uma sensação estética no leitor, mas uma sensação vazia, como um jogador fazendo embaixadinhas acrobáticas e nunca entrar numa partida de verdade.
Bater bola é legal, mas ganhar um título é melhor.
E o que a Tríade Parnasiana fez foi muita embaixadinha: palavras vazias, lindas, mas vazias. Poemas que não se comunicam, mas que eram o sumo da beleza. Tão belo que beirava a cafonice.
                Exemplos não faltam para tal como o caso do soneto de Alberto de Oliveira, o “Vaso chinês:

Estranho mimo aquele vaso! Vi-o,
Casualmente, uma vez, de um perfumado
Contador sobre o mármor luzidio,
Entre um leque e o começo de um bordado.

Fino artista chinês, enamorado,
Nele pusera o coração doentio
Em rubras flores de um sutil lavrado,
Na tinta ardente, de um calor sombrio.

Mas, talvez por contraste à desventura,
Quem o sabe?... de um velho mandarim
Também lá estava a singular figura.

Que arte em pintá-la! A gente acaso vendo-a,
Sentia um não sei quê com aquele chim
De olhos cortados à feição de amêndoa.

Resultado de imagem para estátua da liberdade                Divertido pensar que este tipo de poesia teve um bum literário no começo do século XX. Não havia festa sofisticada sem canapés, escargots, caviar e poesia parnasiana recitada pela filha mais velha do dono da recepção acompanhada pelo piano de calda.
                O texto parnasiano mais conhecido não foi composto por nenhum poeta da Tríade, foi escrito por Joaquim Osório Duque Estrada e cantado em forma de hino acompanhado pela música de Francisco Manuel da Silva. Sim, o nosso hino nacional é um poema parnasiano.
                Inversões sintáticas: “Ouviram do Ipiranga as margens plácidas de um povo heroico o brado retumbante” por que não “Às margens plácidas do rio Ipiranga ouviram o brado retumbante de um povo”, ou ainda “Ouviram o grito retumbante de um povo as margens plácidas do rio Ipiranga. Talvez se comunique mais.
Vocábulos raros: lábaro e flâmula no lugar de bandeira, brado em vez de grito, por garrida entenda brilhante e por clava dá uma consultada em algum bom dicionário.
Enquanto os hinos, em geral, servem para motivar e unir a nação em meio a algum evento, uma guerra, um terremoto, a abertura de um evento oficial, o amanhecer da tropa no quartel, uma partida de basquete. O hino brasileiro nasceu com o objetivo de enfeitar, ser bonito, assim como todo texto parnasiano. E é sim muito bonito, mesmo tendo problemas de construção que não caberia aqui desenvolver.
Resultado de imagem para mcdonald'sRecomendo o livro “O Xangô de Baker Street” de Jô Soares para uma visão interessante sobre o período histórico retratado aqui. A narrativa acompanha uma aventura do famoso detetive Sherlock Holmes convidado por sua majestade Dom Pedro II para resolver um crime ocorrido no Rio de Janeiro. O crime envolve um violino Estradivários, pelos pubianos, personagens fictícios como o próprio Sherlock e seu inseparável Watson com personagens reais como Dom Pedro II, Olavo Bilac, José do Patrocínio e outros. Porém o que chama a atenção é o choque cultural que o detetive tem com a terra brasileira, não por ser tudo muito diferente, mas porque aqui as pessoas se espelham na Europa em todos os aspectos da vida: roupas, hábitos, comida, móveis. Vale a leitura.
No mais, é interessante conhecer muito sobre o Parnasianismo porque nos leva a entender como em nosso DNA está a admiração pelo estrangeiro, o que em certa medida nos torna tolerantes, mas que em outra nos leva a ignorar as coisas boas que temos ao alcance das mãos.
É este debate que envolve identidade, noções de brasilidade e, é claro, poder, que unirá vários artistas, poetas, músicos, pintores, buscando entender o que havia de Brasil no Brasil e tentando encontrar a nossa própria voz. Nossas próprias letras.
Resultado de imagem para virado à paulistaNão há nada de errado de errado em pegar um modelo europeu e aplicá-lo por aqui, inclusive hoje. O grande ponto é fazê-lo em detrimento da própria cultura esquecendo que na literatura, como em todas as demais formas de arte, não basta ter um molde e repeti-lo crendo que assim estará com lugar garantido entre os grandes mestres. Isso valia para Bilac, Correia e Oliveira e também hoje para as novelas da Globo, distopias adolescentes, livros de auto ajudo ou o que for de livro da moda quando da ocasião em que você estiver tendo contato com este ensaio.
Para ser criativo é preciso criar. Para ser arte é necessária muita subjetividade. Os modernistas brasileiros estavam errados sobre muita coisa, mas sobre os parnasianos eles estavam muito mais do que certos.
O Parnasianismo teve o mérito de nos fazer olhar para o espelho e enxergar que poderíamos ser o que fosse, mas continuaremos sendo, acima de tudo, nós mesmos.


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