Há
muito a França nos interessa, uma espécie de fetiche da nossa sociedade,
almejando pelos prazeres parisienses. Aqui em São Paulo tem um bairro chamado
Campos Elíseos, tradução livre de Champs-Élysées, famosa avenida francesa. Mas
nem precisa ir tão longe pra sentir o encanto que a turma de Napoleão nos
exerce, batom, sutiã, fondue, lingerie. Algumas palavras nem disfarçam a
origem, e pra ser sincero, por que deveriam?
O
Brasil desde sempre foi uma cultura de mistura de povos, assim como na Europa,
que se orgulha da “pureza cultural” mas que leva em seu DNA um caldeirão
despejado de misturas e mais misturas: mouros, francos, bretões, latinos,
nórdicos. Assim como nosso tupi, com europeu, africanos e mais e mais e mais.
Até alemães e japoneses apareceram por aqui.
Nosso
encanto pela cultura francesa foi, ao longo do século XX, trocado pelo apreço
pela dos norte-americanos, o que me leva a crer que nós não gostamos da França,
mas sim daqueles que impõem sua cultura com mais poder ao longo da história,
gostamos do que está em evidência. Então se a França tem influência em minha
avaliação quanto a alguém ter gosto refinado ou não, os Estados Unidos da
América o têm quando minha avaliação vale para o que é descolado, divertido,
moderno.
Logo,
eu prefiro usar o verbo deletar mesmo
tendo a palavra em língua portuguesa apagar
exercendo papel idêntico e com uma letra a menos, o que derruba o discurso da
velocidade da comunicação. E outras, afinal, qual vocábulo você encontra em
português que substitua vídeo game, console, e algumas patuscadas como pen
drive que não se chama assim em inglês, mas flashdrive, ou outdoor que não diz
nada a quem conversa na língua da rainha.

A
tentativa de um parnasianismo brasileiro, mas sem nenhuma identificação com a
nossa cultura, jeito de pensar, falar e agir. Apropriação cultural? Não é disso
que estou falando. Não acredito que seja ruim desenvolver o conceito de poesia
como uma joia a ser lapidada e também me admiro com algumas belas composições
de Olavo Bilac e dos demais parnasianos. O problema foi que em certo momento da
nossa história literária esta passou a ser a literatura oficial. Isto sim o
problema. Vou tentar ser mais claro.
O
Parnasianismo consiste em valorizar a forma do poema e não seu conteúdo, daí
surgem textos racionais, pois são pensados para serem belos. A melhor metáfora
vem do mais famoso poema parnasiano “Profissão de fé”, nele o eu lírico afirma
que inveja o produtor de joias quando escreve e tem nele sua inspiração na
composição de seus versos. O ourives escolhe entre as pedras as mais preciosas,
lima o ouro, safiras, diamantes. Troque ourives por poeta e todo o material de
ourivesaria por vocábulos literários, temos o objetivo do poeta parnasiano. O
poeta usa a pena, o ourives o cinzel. O poeta palavras, o ourives, bom, acho
que já deu pra entender. Mas vou além.
Por
que alguém usa um brinco? Uma joia no pescoço? Uma pulseira? A resposta óbvia: para
enfeitar o corpo. Isso mesmo. Da mesma forma que uma joia enfeita o corpo um
poema parnasiano enfeita o livro, as festas, as relações amorosas da
provinciana classe média emergente paulista e carioca.
Olavo
Bilac ficou famoso em seu tempo e junto com Raimundo Correia e Alberto de
Oliveira formou o que foi chamado de a Tríade parnasiana. Seria como juntar os
Três tenores, ou sei lá, Batman, Super Homem e Mulher Maravilha.

Bater bola é
legal, mas ganhar um título é melhor.
E o que a
Tríade Parnasiana fez foi muita embaixadinha: palavras vazias, lindas, mas
vazias. Poemas que não se comunicam, mas que eram o sumo da beleza. Tão belo
que beirava a cafonice.
Exemplos
não faltam para tal como o caso do soneto de Alberto de Oliveira, o “Vaso
chinês:
Estranho mimo aquele vaso! Vi-o,
Casualmente, uma vez, de um
perfumado
Contador sobre o mármor luzidio,
Entre um leque e o começo de um
bordado.
Fino artista chinês, enamorado,
Nele pusera o coração doentio
Em rubras flores de um sutil
lavrado,
Na tinta ardente, de um calor
sombrio.
Mas, talvez por contraste à
desventura,
Quem o sabe?... de um velho
mandarim
Também lá estava a singular
figura.
Que arte em pintá-la! A gente
acaso vendo-a,
Sentia um não sei quê com aquele
chim
De olhos cortados à feição de
amêndoa.

O
texto parnasiano mais conhecido não foi composto por nenhum poeta da Tríade,
foi escrito por Joaquim Osório Duque Estrada e cantado em forma de hino
acompanhado pela música de Francisco Manuel da Silva. Sim, o nosso hino
nacional é um poema parnasiano.
Inversões
sintáticas: “Ouviram do Ipiranga as margens plácidas de um povo heroico o brado
retumbante” por que não “Às margens plácidas do rio Ipiranga ouviram o brado
retumbante de um povo”, ou ainda “Ouviram o grito retumbante de um povo as
margens plácidas do rio Ipiranga. Talvez se comunique mais.
Vocábulos
raros: lábaro e flâmula no lugar de bandeira, brado em vez de grito, por
garrida entenda brilhante e por clava dá uma consultada em algum bom
dicionário.
Enquanto os
hinos, em geral, servem para motivar e unir a nação em meio a algum evento, uma
guerra, um terremoto, a abertura de um evento oficial, o amanhecer da tropa no
quartel, uma partida de basquete. O hino brasileiro nasceu com o objetivo de
enfeitar, ser bonito, assim como todo texto parnasiano. E é sim muito bonito,
mesmo tendo problemas de construção que não caberia aqui desenvolver.

No mais, é
interessante conhecer muito sobre o Parnasianismo porque nos leva a entender
como em nosso DNA está a admiração pelo estrangeiro, o que em certa medida nos
torna tolerantes, mas que em outra nos leva a ignorar as coisas boas que temos
ao alcance das mãos.
É este debate
que envolve identidade, noções de brasilidade e, é claro, poder, que unirá
vários artistas, poetas, músicos, pintores, buscando entender o que havia de
Brasil no Brasil e tentando encontrar a nossa própria voz. Nossas próprias
letras.

Para ser
criativo é preciso criar. Para ser arte é necessária muita subjetividade. Os
modernistas brasileiros estavam errados sobre muita coisa, mas sobre os
parnasianos eles estavam muito mais do que certos.
O
Parnasianismo teve o mérito de nos fazer olhar para o espelho e enxergar que
poderíamos ser o que fosse, mas continuaremos sendo, acima de tudo, nós mesmos.
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