Quando
criança passei por muita coisa afinal eram os anos 80, se na recordação é tudo
muito bonito, com Xuxa, RPM, MTV, Atari, grupo Dominó, Viva a noite, Ayrton
Senna, etc. para mim que estava lá e sentindo tudo na pele a mágica da TV à
cores não coloria o cotidiano.
Vivi
às margens de um córrego e durante as chuvas, fortes chuvas de dezembro à março
as águas invadiam os dois cômodos que morávamos. Acordei várias vezes no meio
da noite para levantar geladeira, fogão, tampar o ralo da privada, tirar as
coisas do chão, expulsar os ratos da cozinha, esperar a chuva passar, a água
sair, secar a casa, descer a geladeira dos blocos, o fogão, calcular os danos e
no dia seguinte ir pra escola fingindo que nada aconteceu. Aconteceu de uma vez
secarmos e limparmos tudo e a chuva retornar trazendo nova enchente. Nunca
houve a visita da defesa civil nem auxílios governamentais, minha
mãe nunca deixou a mim e meus irmãos perdermos um dia de aula.
Minha
mãe se tornou cozinheira, eu terminei o Ensino Médio e após quatro anos sem
estudar fiz uma faculdade particular, paguei integralmente a graduação e para
tal passei todo o curso ausente de festas, aniversários, afins e se tive
alguma vida social é porque ingressei num grupo político ligado ao Partido dos
Trabalhadores e lá encontrei gente realmente interessada em ajudar pessoas que
viviam nas mesmas condições que vivi quando criança.
Mesmo
sem ter as enchentes, afinal a favela que morava já dava mostras de tornar-se
um bairro, pobre, mas um bairro.
Moro,
desde os meus dois anos de idade, na região mais popular de Guarulhos, a região
dos Pimentas. E mesmo sendo a mais popular desde os anos 80, apenas em dois mil
e alguma coisa construíram um hospital para atender a região. Pra se ter uma
ideia, havia um vereador que tinha como plataforma de campanha trazer uma
agência bancária para a região, a primeira lotérica surgiu no ano de 1995, um
único posto de gasolina, supermercados minúsculos, nada de cursos profissionalizantes,
nem bibliotecas, nunca em meus sonhos imaginaria uma faculdade perto de mim, e
nem em delírio uma universidade pública.
Com
muito orgulho posso dizer que fiz parte da luta que trouxe tudo o que consta no
parágrafo acima para a região que moro, muitas indiretamente, pois não fazem
parte das atribuições da luta política, como supermercados, lotéricas... (o
cara do partido de base socialista, por exemplo, que se elegia prometendo um
banco).
Se
tivesse hibernado dez anos não reconheceria o lugar que vivo. Há
bibliotecas, centros educacionais com piscinas e quadras poliesportivas, transporte
público problemático – mas existente, hospital público, SAMU, água encanada,
luz elétrica, terminais de ônibus, delegacia,...
Se me permito falar sobre as
coisas que vejo com sinceridade intelectual é porque me recuso a ignorância.
Eu
também melhorei, com muito trabalho e abrindo mão de muita coisa estudei: informática, inglês, passei no
vestibular para uma universidade particular, me graduei, passei em dois
concursos públicos para professor, pós-graduei, escrevi dois livros de contos, até
curso universitário em outro país eu fiz (com uma bolsa Fullbright, não foi ciências sem fronteiras), e a cada
nova etapa nunca esqueci das noites de sono perdidas estudando, dos
trabalhos entregues à mão quando os professores exigiam digitados (meu primeiro
computador comprei quando já dava aula), e nunca esqueci
também das enchentes, da violência que presenciava e sentia nos anos 90 (a
década com maior número de chacinas da história do país, eu via armas cotidianamente,
pegava em arma; não me orgulho), com essa cara de idiota que tenho, não preciso
dizer que nunca fui para o caminho errado.
Não
me orgulho de onde venho, não me entendam mal, também não me envergonho, a
questão é que tenho uma história para me orgulhar, todos têm o direito de construir sua própria narrativa pra se orgulhar, a Regina Casé não me
representa.
Ninguém deveria sentir orgulho de ser favelado (termo politicamente incorreto) hoje dizem morador de comunidade. No meu tempo tinha disso não. Não havia negros, gays e pobres nem nas novelas nem nas faculdades. Curioso como mostram os pobres felizes nas “comunidades” lutando para melhorar o ambiente com música, grafite, capoeira, futebol... Vai tomar no c.. Regina Casé.
Ninguém deveria sentir orgulho de ser favelado (termo politicamente incorreto) hoje dizem morador de comunidade. No meu tempo tinha disso não. Não havia negros, gays e pobres nem nas novelas nem nas faculdades. Curioso como mostram os pobres felizes nas “comunidades” lutando para melhorar o ambiente com música, grafite, capoeira, futebol... Vai tomar no c.. Regina Casé.
Mudando de assunto.
Deixa
eu falar uma coisa; o que me levou a toda essa reflexão foi o fato de ontem no
meio de um debate eleitoral entre a presidenta Dilma e o candidato tucano Aécio eu ter
soltado um tweet criticando a postura da governante petista em relação à
inflação. Ela defendia que a inflação, que significa grosso modo aumento de
preços, estava sobre controle.
É claro e notório o aumento dos
preços, eu sei como funciona, não preciso dizer que li a respeito, porque eu
li, mas também vivi na época de maior inflação na história deste país e
passe da forma que relatei acima, com estoicismo? Não sei.
Preferia outro início, quem disse que as coisas precisam ser difíceis para
terem valor.
O
caso é que um idiota respondeu ao meu tweet me chamando de fraldinha filhinho
de papai que não sabia o que era inflação de verdade como a dos anos 90. Pois
bem. Basta uma pequena releitura alguns parágrafos acima para ter a noção de como
o imbecil que respondeu ao meu tweet é mesmo um idiota e desinformado.
Nestas
horas dou razão ao ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso ao dizer que estes socialistas são leitores de palestras e
boteco, pois nunca leram "O capital" conhecendo o comunismo de ouvir falar e
aceitando a opinião de terceiros sem o filtro do intelecto.
Não
sou um reacionário, estou mais à esquerda que muito militonto que conheço. O
que me deixa muito triste, pois esperava outra postura do governo do Partido
dos Trabalhadores.
Difícil
ter uma postura crítica quando a discussão é com pessoas que leram tão pouco,
assim fica raso, não sabem do que estão falando, mas têm a máquina
pública mão.
Antes
de me chamar de coxinha, querido leitor, devo dizer que este blog eu faço pra
mim, volta pro seu Facebook se quiser, e se quiser que a sua opinião tenha
algum valor pra mim busque saber quem é Antonio Gramsci e qual a importância de
suas ideias na estrutura universitária, escolar, cultural, midiática enfim,
ideológica nos dias de hoje.
Se
eu acordasse daquela hibernação estranharia tanta coisa: onde está a Erundina?
A primeira prefeita nordestina e petista de São Paulo. Por que a Heloísa Helena
se mandou? Por que o Suplicy foi jogado no limbo? Por que o PSDB é tão forte no
estado em que nasceu o PT? Por que Marina Silva está fora dos quadros do
partido? Por que a candidata à presidênciado PT está no mesmo palanque que
Fernando Collor? Por que o vice é o Michel Temer? Por que Luciana Genro está
fora e contra o pai, um dos maiores quadros dentro do mesmo? Por que as pessoas
de esquerda não se reconhecem no PT? Mesmo o PT sendo um legítimo partido de
esquerda. (Leia o Gramsci.)
Pois
bem, o PT fez muito mais bem que mal ao nosso país. Mas é preciso repensar
muita coisa, daí o fato de eu respeitar quem pensa em votar em outras opções,
mesmo as opções sendo totalmente disparatadas como a opção tucana.
Ou
você, petista histórico, não se frustra ao ver Dirceu, Genoíno e cia na cadeia. E a militância paga (sou de uma época em que íamos às ruas porque acreditávamos,
perguntei o salário de um militante de um candidato e ele disse que a ele foi
prometido um cargo na prefeitura). Simples assim?
Ok,
tudo bem. A vida me transformou num coxinha. Mas a mesma vida que fez isso
comigo também mudou o meu partido dos trabalhadores, igual ao roqueiro que diz
que rock é liberdade e se revolta com quem não escuta sua música, vejo o
petista querer um país melhor e fazendo tudo o que o PMDB faz. Igual. Pena.
Me
lembro do clássico “A revolução dos bichos”. Quando é que os porcos começaram a
se parecer com homens? Quando começaram a usar calças?
Tenho
certeza que outro partido político assumiria a prefeitura da minha cidade e
deixaria tudo igual ou pior do que antes, assim como a vida seria muito mais
difícil para a grande maioria da população em caso de permanência do PSDB no
governo federal no lugar do PT no início dos anos 2000. O que me faz ficar
ainda mais indignado. Não precisava recorrer a estes mecanismos de dominação,
afinal o povo estava no poder. Ou nunca esteve?
Mas
o grande mal realmente foi a instalação das patrulhas ideológicas. O povo do
politicamente correto. Aqueles que excluem o contraditório e matam
intelectualmente, pichando a moral do argumentador e nunca rebatendo os fatos.
Argumentos como: você é um vendido, traidor, ah ele é tucano, coxinha,
fraldinha, riquinho, burguês, reacionário, racista, classista, fascista,
direitista, etc. etc. etc.
Sei
que não quero um peessedebista no poder, porém depois de tanto pensar, não sei
se quero esse PT também. Pois em ambos os casos o governo será o das mesmas
oligarquias que mandam desde as capitanias hereditárias. Mais PMDB goela
abaixo. Até quando?
E
sobre isso eu já escrevi há algumas semanas. Paro por aqui.
As mentes dos brasileiros foram dominadas por um sopro de ignorância inadmissível. Está faltando um mergulho na realidade histórica das nossas conquistas e perdas, enquanto sociedade. Involuímos, pois.
ResponderExcluir