quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Gramsci, coxinha e Revolução dos bichos

                Quando criança passei por muita coisa afinal eram os anos 80, se na recordação é tudo muito bonito, com Xuxa, RPM, MTV, Atari, grupo Dominó, Viva a noite, Ayrton Senna, etc. para mim que estava lá e sentindo tudo na pele a mágica da TV à cores não coloria o cotidiano.
                Vivi às margens de um córrego e durante as chuvas, fortes chuvas de dezembro à março as águas invadiam os dois cômodos que morávamos. Acordei várias vezes no meio da noite para levantar geladeira, fogão, tampar o ralo da privada, tirar as coisas do chão, expulsar os ratos da cozinha, esperar a chuva passar, a água sair, secar a casa, descer a geladeira dos blocos, o fogão, calcular os danos e no dia seguinte ir pra escola fingindo que nada aconteceu. Aconteceu de uma vez secarmos e limparmos tudo e a chuva retornar trazendo nova enchente. Nunca houve a visita da defesa civil nem auxílios governamentais, minha mãe nunca deixou a mim e meus irmãos perdermos um dia de aula.
                Com o tempo fomos trabalhando a situação.
                Minha mãe se tornou cozinheira, eu terminei o Ensino Médio e após quatro anos sem estudar fiz uma faculdade particular, paguei integralmente a graduação e para tal passei todo o curso ausente de festas, aniversários, afins e se tive alguma vida social é porque ingressei num grupo político ligado ao Partido dos Trabalhadores e lá encontrei gente realmente interessada em ajudar pessoas que viviam nas mesmas condições que vivi quando criança.
                Mesmo sem ter as enchentes, afinal a favela que morava já dava mostras de tornar-se um bairro, pobre, mas um bairro.
                Moro, desde os meus dois anos de idade, na região mais popular de Guarulhos, a região dos Pimentas. E mesmo sendo a mais popular desde os anos 80, apenas em dois mil e alguma coisa construíram um hospital para atender a região. Pra se ter uma ideia, havia um vereador que tinha como plataforma de campanha trazer uma agência bancária para a região, a primeira lotérica surgiu no ano de 1995, um único posto de gasolina, supermercados minúsculos, nada de cursos profissionalizantes, nem bibliotecas, nunca em meus sonhos imaginaria uma faculdade perto de mim, e nem em delírio uma universidade pública.
                Com muito orgulho posso dizer que fiz parte da luta que trouxe tudo o que consta no parágrafo acima para a região que moro, muitas indiretamente, pois não fazem parte das atribuições da luta política, como supermercados, lotéricas... (o cara do partido de base socialista, por exemplo, que se elegia prometendo um banco).
                Se tivesse hibernado dez anos não reconheceria o lugar que vivo. Há bibliotecas, centros educacionais com piscinas e quadras poliesportivas, transporte público problemático – mas existente, hospital público, SAMU, água encanada, luz elétrica, terminais de ônibus, delegacia,...
Se me permito falar sobre as coisas que vejo com sinceridade intelectual é porque me recuso a ignorância.
                Eu também melhorei, com muito trabalho e abrindo mão de muita coisa estudei: informática,  inglês, passei no vestibular para uma universidade particular, me graduei, passei em dois concursos públicos para professor, pós-graduei, escrevi dois livros de contos, até curso universitário em outro país eu fiz (com uma bolsa Fullbright, não foi ciências sem fronteiras), e a cada nova etapa nunca esqueci das noites de sono perdidas estudando, dos trabalhos entregues à mão quando os professores exigiam digitados (meu primeiro computador comprei quando já dava aula), e nunca esqueci também das enchentes, da violência que presenciava e sentia nos anos 90 (a década com maior número de chacinas da história do país, eu via armas cotidianamente, pegava em arma; não me orgulho), com essa cara de idiota que tenho, não preciso dizer que nunca fui para o caminho errado.
                Não me orgulho de onde venho, não me entendam mal, também não me envergonho, a questão é que tenho uma história para me orgulhar, todos têm o direito de construir sua própria narrativa pra se orgulhar, a Regina Casé não me representa.
     Ninguém deveria sentir orgulho de ser favelado (termo politicamente incorreto) hoje dizem morador de comunidade. No meu tempo tinha disso não. Não havia negros, gays e pobres nem nas novelas nem nas faculdades. Curioso como mostram os pobres felizes nas “comunidades” lutando para melhorar o ambiente com música, grafite, capoeira, futebol... Vai tomar no c.. Regina Casé.
Mudando de assunto.  
                Deixa eu falar uma coisa; o que me levou a toda essa reflexão foi o fato de ontem no meio de um debate eleitoral entre a presidenta  Dilma e o candidato tucano Aécio eu ter soltado um tweet criticando a postura da governante petista em relação à inflação. Ela defendia que a inflação, que significa grosso modo aumento de preços, estava sobre controle.  
É claro e notório o aumento dos preços, eu sei como funciona, não preciso dizer que li a respeito, porque eu li, mas também vivi na época de maior inflação na história deste país e passe da forma que relatei acima, com estoicismo? Não sei. Preferia outro início, quem disse que as coisas precisam ser difíceis para terem valor.
                O caso é que um idiota respondeu ao meu tweet me chamando de fraldinha filhinho de papai que não sabia o que era inflação de verdade como a dos anos 90. Pois bem. Basta uma pequena releitura alguns parágrafos acima para ter a noção de como o imbecil que respondeu ao meu tweet é mesmo um idiota e desinformado.
                Nestas horas dou razão ao ex-presidente  Fernando Henrique Cardoso ao dizer que estes socialistas são leitores de palestras e boteco, pois nunca leram "O capital" conhecendo o comunismo de ouvir falar e aceitando a opinião de terceiros sem o filtro do intelecto.
                Não sou um reacionário, estou mais à esquerda que muito militonto que conheço. O que me deixa muito triste, pois esperava outra postura do governo do Partido dos Trabalhadores.
                Difícil ter uma postura crítica quando a discussão é com pessoas que leram tão pouco, assim fica raso, não sabem do que estão falando, mas têm a máquina pública mão.
                Antes de me chamar de coxinha, querido leitor, devo dizer que este blog eu faço pra mim, volta pro seu Facebook se quiser, e se quiser que a sua opinião tenha algum valor pra mim busque saber quem é Antonio Gramsci e qual a importância de suas ideias na estrutura universitária, escolar, cultural, midiática enfim, ideológica nos dias de hoje.
                Se eu acordasse daquela hibernação estranharia tanta coisa: onde está a Erundina? A primeira prefeita nordestina e petista de São Paulo. Por que a Heloísa Helena se mandou? Por que o Suplicy foi jogado no limbo? Por que o PSDB é tão forte no estado em que nasceu o PT? Por que Marina Silva está fora dos quadros do partido? Por que a candidata à presidênciado PT está no mesmo palanque que Fernando Collor? Por que o vice é o Michel Temer? Por que Luciana Genro está fora e contra o pai, um dos maiores quadros dentro do mesmo? Por que as pessoas de esquerda não se reconhecem no PT? Mesmo o PT sendo um legítimo partido de esquerda. (Leia o Gramsci.)
                Pois bem, o PT fez muito mais bem que mal ao nosso país. Mas é preciso repensar muita coisa, daí o fato de eu respeitar quem pensa em votar em outras opções, mesmo as opções sendo totalmente disparatadas como a opção tucana.
                Ou você, petista histórico, não se frustra ao ver Dirceu, Genoíno e cia na cadeia. E a militância paga (sou de uma época em que íamos às ruas porque acreditávamos, perguntei o salário de um militante de um candidato e ele disse que a ele foi prometido um cargo na prefeitura). Simples assim?
                Ok, tudo bem. A vida me transformou num coxinha. Mas a mesma vida que fez isso comigo também mudou o meu partido dos trabalhadores, igual ao roqueiro que diz que rock é liberdade e se revolta com quem não escuta sua música, vejo o petista querer um país melhor e fazendo tudo o que o PMDB faz. Igual. Pena.
                Me lembro do clássico “A revolução dos bichos”. Quando é que os porcos começaram a se parecer com homens? Quando começaram a usar calças?
                Tenho certeza que outro partido político assumiria a prefeitura da minha cidade e deixaria tudo igual ou pior do que antes, assim como a vida seria muito mais difícil para a grande maioria da população em caso de permanência do PSDB no governo federal no lugar do PT no início dos anos 2000. O que me faz ficar ainda mais indignado. Não precisava recorrer a estes mecanismos de dominação, afinal o povo estava no poder. Ou nunca esteve?
                Mas o grande mal realmente foi a instalação das patrulhas ideológicas. O povo do politicamente correto. Aqueles que excluem o contraditório e matam intelectualmente, pichando a moral do argumentador e nunca rebatendo os fatos. Argumentos como: você é um vendido, traidor, ah ele é tucano, coxinha, fraldinha, riquinho, burguês, reacionário, racista, classista, fascista, direitista, etc. etc. etc.
                Sei que não quero um peessedebista no poder, porém depois de tanto pensar, não sei se quero esse PT também. Pois em ambos os casos o governo será o das mesmas oligarquias que mandam desde as capitanias hereditárias. Mais PMDB goela abaixo. Até quando?
                E sobre isso eu já escrevi há algumas semanas. Paro por aqui.                

Um comentário:

  1. As mentes dos brasileiros foram dominadas por um sopro de ignorância inadmissível. Está faltando um mergulho na realidade histórica das nossas conquistas e perdas, enquanto sociedade. Involuímos, pois.

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