Uma das possíveis definições de um conceito
importantíssimo da gramática é a tal da coesão textual. Em termos simples,
significa dizer mais com menos palavras. Fácil de entender, poucos exemplos
bastam. E não há um único aluno neste planeta que chegue ao fim da Educação
Básica sem ter ouvido falar disso. Acontece em todas as línguas, em qualquer
canto do mundo.
Por outro lado, o Brasil — esse mesmo em que vivemos —
não parece valorizar muito a formação básica. No discurso, sim. Na prática,
não. Frequentar escola, seja pública, particular ou confessional, não garante
aprendizado. Nenhuma delas. A Educação brasileira já é desleixada por natureza,
e ainda sofre ataques sistemáticos de ignorantes sem leitura, sem base, sem
vergonha na cara. Um dia ainda escrevo a crônica que venho me prometendo sobre
essa geração que não lê, se informa com professores que também não leram,
formados por uma leva anterior que lia menos ainda. Um ciclo vicioso de
desinformação.
Estou me perdendo? Talvez. Mas como diria Clarice — a
Lispector, claro —: "Se estou confusa, não me importo. Eu me
entendo."
De todo modo, quero tentar ser claro sobre coesão e
por que escrevo sobre ela.
O fato de estúpidos ensinarem outros estúpidos, que
seguem orientações estúpidas sem consultar fontes, eu deixo pra outro momento.
Agora é aula de língua portuguesa. Básica. Bem básica.
Coesão. Vamos lá.
É usar menos palavras — até menos letras — para dizer
mais. Exemplo? O uso do masculino como forma de coesão. Não como instrumento do
patriarcado, mas como estrutura gramatical. “Os humanos habitam a Terra.”
Inclui mulheres? Sim. E se eu disser “as humanas”? Excluo os homens. O
masculino, no plural e no singular, é também a forma neutra.
Nos anos 1980, Sarney — presidente da época — iniciava
seus discursos com “brasileiros e brasileiras”. Não é exatamente um erro, mas
falta de coesão. Em uma redação do ENEM, por exemplo, perderia pontos. Bastava
“brasileiros” para incluir a todos. Se quiser ser neutro mesmo, diga “pessoas
do Brasil”. Simples.
Esse jogo de estilo, adaptação, metáfora, pertence ao
campo da estilística. É o que faço aqui: tento modular uma voz humana, escrever
como quem conversa.
Mais exemplo de falta de coesão? Os eufemismos que
servem para suavizar palavras por causa de preconceitos ou desculpas
pseudo-históricas. Em vez de uma palavra só, damos voltas infinitas para não
ofender, e o texto vira um emaranhado insosso. Não se pode mais dizer “puta”,
“prostituta” ou “meretriz”. Preferem “garota de programa”, “mina do job”,
“mulher da noite”. Moralismo disfarçado, tanto da esquerda quanto da direita.
Lembro das personagens ultrarreligiosas de Dias Gomes,
que hoje me lembram militantes de esquerda: feministas, ativistas, militantes
de qualquer causa. Todas com medo das palavras. Todas temendo ofender seu deus
— seja ele o catolicismo, o marxismo ou o feminismo. Seriam o marxismo e o
feminismo brasileiros versões seculares do catolicismo nacional? Perguntar não
ofende.
Não se diz mais “prostituição”, e sim “modelo de book
rosa”.
“Estupro” virou “violência sexual”.
“Pedofilia” agora é “abuso infantil”.
E o “gay, lésbica, bissexual”? Não. Tem que ser
LGBTQIA+. E até onde estudei, a sigla parava aí.
E tem mais: aquelas trocas que não dizem nada.
Chamadas de politicamente corretas, mas que apenas deforma, distorce, corrompe.
“Ladrão”? Não. “Suspeito”.
“Assassino”? Também não. “Indivíduo investigado”.
Já vi num telejornal: “há indícios de que fulano seja
suspeito de cometer o crime”. Juro. Assim mesmo. Vídeo do crime, flagrante, e o
sujeito é... suspeito.
Se fosse eu, diria direto: “Fulano é o suspeito.” Ou
“há indícios que levantam suspeita sobre fulano”. Menos palavras, mais clareza.
Drummond já dizia — e quem ousa discordar dele? —: escrever é cortar palavras.
Um dia volto pra escrever só sobre o politicamente
correto. Porque, ao que parece, ninguém mais quer se fazer entender. É um bando
de gente burra — sim, burra, não “mal informada” — dando aulas, vendendo
livros, vídeos, cursos. E ficar dando voltas na língua é típico de tempos
autoritários.
Chico Buarque cantou:
“Hoje você é quem manda
Falou, tá falado
Não tem discussão, não...”
E disse assim porque não podia dizer o óbvio: “Tem
censura. Se a gente falar, a gente morre.”
Quando começamos a substituir palavras por medo,
estamos sendo reprimidos. Em casa, chama-se educação. Não se diz “puta” no
jantar. Na escola, formação: não se chama o professor de “mano”. No congresso,
o protocolo manda tratar o colega por “Vossa Excelência”. Ok.
Mas no cotidiano, se sou obrigado a dar voltas para
seguir cartilhas escritas por analfabetos de Ciências Sociais, aí chamo de
autoritarismo, censura, ditadura, o que for.
Viram? Usei “analfabetos de Ciências Sociais” direto.
Não fui prolixo dizendo “estudantes funcionalmente analfabetos de cursos de
humanas, prioritariamente Ciências Sociais, não exclusivamente”. Fui direto.
Porque dar nome aos bois é papel de quem escreve com
clareza. E esses bois — malformados, malfodidos, mal-amados — não entendem nem
o que vivem. Falta sexo pra essa gente.
Em vez de dizer “dor de corno”, dizem “situação
delicada”.
Em vez de “desempregado”, dizem “em transição de
carreira”.
Em vez de “sou gay”, dizem “estou me descobrindo”.
Cansa.
E, confesso, cansei por hoje. Volto a esse assunto
depois.
Até!