Uma das perguntas mais recorrentes em aula de
literatura é “a qual movimento literário pertencemos”. Se o Romantismo acabou,
assim como Realismo, Parnasianismo, Modernismo e outros tantos ismos, para onde
estamos indo e onde viemos parar?
Este
ensaio tratará disso, mas desde já poupo a leitura e dou a resposta sem a
argumentação: não é possível saber a qual movimento pertencemos, podemos
especular a respeito e quando tivermos distância histórica para tal, aí sim
haverá uma definição de consenso entre os estudiosos de letras e outras áreas.
Isto
posto, posso começar a desenvolver meu raciocínio um tanto entre a especulação
e o repertório do passado.
É
por este caminho que levarei quem se arriscar a ser meu leitor, indo e vindo,
cambaleando por palavras do cotidiano, esquecendo o fato de que nada está
totalmente dito e muito por se dizer mesmo a respeito de estilos literários já
consolidados como o Barroco ou o Arcadismo.
Sem
mais voltas.
Começo
pela definição do que seja um movimento literário, ou escola literária, ou
estilo de época.
Movimento literário é o que
convencionou-se denominar de o conjunto de textos pertencentes à mesma época,
que atenda às mesmas características estruturais quanto à sua forma e ou
conteúdo.
Portanto para um poema ser
Romântico, não basta ser escrito por Álvares de Azevedo, nem ter sido composto
na primeira metade do século XIX; tem de atender às características próprias do
que convencionou-se chamar Romantismo – uma série de características próprias do
que é romântico, que não caberiam explicar neste ponto, mas que vale retomar
num outro momento.
Logo, todos os textos
escritos na primeira metade do século XIX que atendem a uma certa
característica estrutural e de conteúdo pertencem ao Romantismo.
Mesmo havendo poemas que
podem ser considerados românticos nos dias de hoje não são do Romantismo,
porque este movimento teve seu início e fim há algum tempo.
Tanto o Romantismo quanto
seu antecessor o Arcadismo, quanto o predecessor Realismo tiveram seu início e
ocaso e nada impede os estudiosos do texto literário classificarem algo feito
hoje como neo isso ou neo aquilo.
De fato, já houve algo
chamado neo-realismo, este é um dos nomes pelo qual é conhecido o regionalismo
de 1930, com livros como “Vidas secas”, de Graciliano Ramos e “Capitães da
areia” de Jorge Amado. Claro, com algumas características próprias e outras
semelhantes às do movimento literário de Machado de Assis.
Indo mais a fundo dá pra
perceber que existe alguma regularidade entre as mudanças de uma época a outra,
como num movimento pendular em que muita coisa é alterada, mas a espinha dorsal
continua a mesma. Mais ou menos assim de forma cronológica: o Trovadorismo é
basicamente um movimento emocional e subjetivo, o Classicismo racional e
objetivo, depois o Barroco emocional e subjetivo, o arcadismo racional e
objetivo, o Romantismo muito emotivo, o Realismo objetividade ao extremo e
muita racionalidade, o Simbolismo subjetivo e com muita emoção como respostas
para as contradições da alma humana, o Modernismo como um grito louco, mas
ainda assim racional...
Depois somos nós. Sim.
Restou para nós a subjetividade e a emoção.
É claro que nada disso é
livre de erros, mas quando se estuda uma ciência humana é necessário observar
as regularidades e perceber que em certos aspectos não somos muito diferentes
dos amigos que lançaram velas ao mar e gritaram “Terra à vista” ao chegar na
costa da Bahia. E tem mais, especular sobre o futuro tem disso: a chance de
errar é enorme e não se pode temer.
Somos, segundo este
movimento pendular, que ora vai para um extremo racional, ora pra outro
emotivo, ora de uma objetividade ímpar, em outros momentos de uma subjetividade
atroz, somos segundo isto fadados a vagar pelo campo da emoção. Não ligamos
muito para as consequências objetivas de nossas atitudes. Que se dane a
realidade.
Será?
Será que hoje a maioria dos
livros escritos procuram tratar de assuntos que envolvem a emoção, de forma a
atrair nossos sentimentos mais recônditos e não temos paciência para a leitura
extensa de descrições exatas e objetivas da realidade?
Será que atualmente somos
levados a pensar com nosso coração e não com o cérebro?
Sim. Exatamente assim.
Somos o suprassumo da
subjetividade humana. Em nenhum outro momento da história da humanidade as
pessoas estiveram tão voltadas à realização dos próprios desejos, à satisfação
dos próprios prazeres. Os livros, filmes, músicas, obras de arte estão todos voltados
para isso e assim o fazem porque estão engendradas neste mecanismo subjetivo e
emocional chamado século XXI.
Basta reparar como os filmes
de maior bilheteria são um apanhado de cenas de explosão do primeiro ao último
take.
Também os livros envolvendo
esoterismo, sexo, espiritualidade, bruxaria como os mais lidos em qualquer
lista de best seller: bruxos, vampiros, doentes terminais, conversas com
espíritos, teorias da conspiração, nada que resista a uma leitura criteriosa e
científica. E não aplico a esta análise nenhum juízo de valor, apenas
constatação simples após leitura da realidade.
E por que lemos livros
assim, assistimos a filmes explosivos, ouvimos canções no mesmo molde? Resposta:
somos frutos do meio.
A arte está retratando o
nosso tempo e não o oposto. O rabo não está balançando o cachorro. Estupidez
pensar que as pessoas estão sendo “subjetivizadas” pela mídia.
Os meios de comunicação
estão dando para o público o que ele deseja.
E com o parágrafo anterior
introduzi um novo coeficiente ao debate: os meios de comunicação.
Nunca na história da
humanidade os veículos de comunicação estiveram tão interligados a ponto de o
que acontecer neste instante numa pequena província do interior da China ter
repercussões imediatas minutos depois em qualquer lugar do mundo ou no mundo inteiro.
Pode ter acontecido a este
movimento pendular da literatura o mesmo que ocorreu à cilada Malthusiana.
Explico: Thomas Malthus estabeleceu um critério de pesquisa para explicar o
motivo que levava a população mundial a passar por períodos de fome seguidos
por períodos de fartura. Segundo ele as pessoas se reproduziam, comiam muito e
faltava comida. Depois, esgotavam os recursos alimentares por haver muita gente
no mundo se alimentando e passavam fome por não ter comida para todos. Morriam
de fome em meio a crises de abastecimento que eram comuns no passado. Como num
círculo para lá de vicioso.
O século XX rompeu com isso
quando os agrotóxicos foram inventados. A cilada malthusiana é coisa do
passado, ao menos por agora.
O mesmo pode ter acontecido
com a estrutura pendular da literatura em que um movimento basicamente emotivo
dá a vez a outro racional. A estruturação da indústria cultural, veículos de
informação de massa, pasteurização e profissionalização da produção artística,
enfim, tudo isso pode e deve estar nos levando, depois de séculos, rumo a algo
novo, algo desconhecido.
Daí então não estamos
fadados à subjetividade e emoção como neorromânticos. Seríamos o rabo de alguma
coisa velha ou a cabeça de outra totalmente nova. Seria a modernidade líquida
descrita por Bauman. Ou alguma outra coisa citada por outro alguém.
Mas não podemos esquecer do
mais importante nesse papo todo: tudo isso não passa de mera especulação.
Isso porque não sabemos
ainda o nosso lugar no mundo. A nossa dimensão.
Não dá pra saber a menos que
passe algum tempo e percebamos que algo novo surgiu a partir do feito
anteriormente, ou sei lá. Basicamente um
dia as coisas parem de ser as mesmas e depois alguém se debruça sobre isto e
zás... Eis uma nova escola literária.
E por que os estilos mudam?
Como mudam?
Então acredito que esta seja
a resposta mais simples.
O jeito de fazer literatura
e arte se modificam porque as pessoas enjoam da mesmice, ou simplesmente
desejam fazer algo diferente do já estabelecido.
Imagine o movimento Barroco,
por exemplo, com seus exageros, morbidez, sangue, dor, dúvidas, sofrimento,
jogos de palavras, escuridão, discurso labiríntico. Até que alguém algum dia
resolve fazer algo diferente (às vezes esse diferente sempre esteve lá, mas
como todos só queriam Barroco, nunca ligaram praquilo).
Até que alguém pendura na
parede um quadro com folhas e plantas, flores, um rapaz sorrindo, o que dá a
ideia para um poema que não envolve sangue e dor e faz tanto sucesso que alguém
copia o estilo e outro e outro e outro também, e temos o Arcadismo. Assim
mudamos.
Como você de saco cheio de
ouvir a música do seu pai procurando por uma solução, porque você adora música,
mas odeia as do seu pai.
Resta a nós saber quando as
pessoas ficarão esgotadas de assistirem a filmes de super heróis, cenas de
explosão, músicas sensuais, quebra da quarta parede. Quando este momento chegar
estaremos dentro de alguma outra coisa. Melhor? Não mesmo. A qualificação aqui
não tem a menor importância, porque cada estilo de época é uma resposta para
problemas, aflições, angústias próprias de cada período.
Não cabe a ninguém lamentar
um ou outro momento histórico por sua forma de expressão, quanto mais o nosso.
Ainda mais quando temos a oportunidade que nenhuma outra época teve: o poder de
compartilhar pensamentos, criações e sonhos através do único mecanismo de
publicação artístico de duas vias inventado na história da humanidade: a
internet.
Com mais esse coeficiente
nesta cilada pendular, impossível prever o futuro. Ainda mais porque hoje já
existem pessoas querendo prever o presente, enquanto outras nem lembram que
houve um passado.