sexta-feira, 17 de junho de 2016

Cara de professor


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Qual é a cara de um professor? Ontem numa loja de sapatos a vendedora voltou com o meu pedido e ajoelhada, enquanto eu experimentava o segundo par metralhou espontaneamente “Você é professor.” Eu sou professor. De cara pensei que já havia dado aula para a moça em algum momento. Tantos alunos passados nessa vida docente que não seria de surpreender que alguém me escapasse, eu que sou péssimo com nomes, mas muito bom fisionomista. “Sou professor sim, já te dei aula?” “Não. Você tem cara de professor” “Como assim cara de professor?” Esta última frase não saiu, foi posta aqui como efeito retórico. E se não falei, pensei. Por que eu teria cara de professor? Não que eu me ofenda, adorei ser reconhecido como profissional do ensino. Estudei muito pra conseguir saber e mais ainda pra saber passar o que sei. Já dou aula há mais de dez anos, mas minha cara não está envelhecida como a visão que o senso comum tem dos mestres. Nem corrigi a moça quando veio me oferecer um outro par que não o da vitrine, ensinando-a a correta utilização da ênclise. O que faz um professor ter cara de professor? A frase me martelava na saída da loja. Em frente ao espelho ao chegar em casa: óculos de grosso aro, camiseta de banda de rock, calça jeans surrada, tênis lona no pé, barba aparada, algum cabelo na cabeça. Eu sou um esteriótipo? Me transformei no que eu queria ser? Tanto assim que sou reconhecido na rua mesmo por quem nunca vi, nunca voltarei a ver. Que medo. Já pensou aquela brincadeira em que você está no metrô e começa a imaginar como seria a vida das pessoas: profissão, solteiro, casado, filhos, idade, time, onde mora... Será que comigo não haveria mistério algum? Talvez algum pequeno, que me faça um ser mais profundo. Estou condenado a ser eu mesmo. Delícia de vida em que se é o que se quer ser ou que se luta e lutando se alcança o que se é. O que faz de um professor um professor? É claro que não são os óculos. Assim como o que faz um ator não é o palco, nem o que faz um arquiteto não seria a régua. Mas quais seriam os esteriótipos que fazem as tantas outras profissões? Se eu tivesse aparecido na loja com um capacete de motoqueiro e colete de um motoclube, quem sabe me confundisse com alguém mais perigoso, seria preciso um jaleco e um estetoscópio pra ser confundido com um médico, uma camisa azul e ela perguntaria se eu era o cobrador ou o motorista. Talvez um pouco mais careca e com as mãos sujas de graxa me levasse a ser confundido com o mecânico de confiança do pai dela. Não me levem a mal amigo leitor que paciente chegou até este ponto dacrônica. Minhas reflexões me levaram até este ponto, não por não gostar de parecer o professor que eu sou, mas justamente o contrário. Na ocasião em que entrei pela primeira vez numa sala de aula me confundiram com um aluno e se a juventude é uma coisa ótima, é difícil conseguir mostrar ao que veio com cara de moleque. A moça ajoelhada com um par de sapatos nas mãos me pós graduou. Assim como Paulo Autran tinha cara de ator, Washington Olliveto cara de publicitário, Roberto Justus cara de rico, eu tenho cara de professor.

Perdi a cara de eu, hoje sou algo mais.

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