segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Playboy, Everest e Jorge Amado

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                Recebi a notícia de que a revista Playboy deixará de circular. Na realidade deixa o mercado brasileiro a partir de janeiro de 2016, neste exato momento que escrevo.

Sabendo que não sei que data o meu leitor tem no calendário.
                E será sim uma crônica saudosista.
                Nos idos anos 80, eu uma criança na sua primeira ou segunda infância, morador da periferia de uma cidade periférica, não tinha os catecismos de Carlos Zéfiro ou um pipoqueiro como o do belíssimo filme do Jabor: “A suprema felicidade”.
                Pois bem, é o fim de uma era.
                Lembro da primeira mulher que vi totalmente nua. Sim, foi pelas páginas da revista playboy. Admito meu pecado, não contava oito anos completos, a revista foi encontrada num terreno baldio, as folhas rasgadas, não tinha a malícia para ter o nojo que revistas “usadas” me causaria anos depois. A tal foi encontrada por meu irmão entre o estrado de minha cama e meu colchão e como ele era muito mais relapso que eu a publicação foi parar sem muita demora nas mãos de minha mãe: escândalo, choque, absurdo. Como pode um objeto daqueles nas mãos de crianças.
                Mas olha só, veja bem, preste atenção. No primeiro momento a Playboy era uma revista de mulheres nuas. Mas não falo sozinho quando digo que havia uma leitura de muita qualidade a cada edição.

Não havia o Zéfiro e também não havia internet.
Por obrigação do período histórico a revista faleceu, hoje não só as mulheres nuas conseguimos a um click, também entrevistas fascinantes como a do Ayrton Senna, que li aproveitando linha por linha, a do Fernando Henrique Cardoso, muitas outras, como a dos escritores Jorge Amado, Luís Fernando Veríssimo e muito mais. Pessoas que tinham algo a dizer, e havia até o bordão de ser “uma conversa franca...”
                Sim. Aprendi muito com a playboy. Eu ia além das beldades da seção “Gatas e coelhinhas” com deliciosas mulheres de vários cantos do Brasil seminuas e dizendo falsamente de como preferiam seus amantes, do que gostavam na cama, do estilo musical favorito. Informações imprescindíveis para alguém, que como eu, só recebia conteúdo via televisão com os séculos de atraso dos anos oitenta e noventa.
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                As estrelas de capa eram realizações de sonhos. Ver as mulheres, as mesmas que apareciam em horário nobre na vênus platinada: Vera Fischer, Maitê Proença, Luiza Tomé, Isabel Filardes, Paloma Duarte, Mel Lisboa, algumas improváveis como Hortência do basquete e Ida do Vôlei. Outras impossíveis como Xuxa Meneghel e Mara Maravilha. Algumas históricas como a mascarada Tiazinha e mais, muito mais.

                A playboy foi além disso.
Havia seções que funcionavam como verdadeiro banco escolar, uma espécie de universidade para moleques púberes como eu, ou mesmo estúpidos como um ou outro de mais idade. Foi lá que aprendi uma coisa chamada orgasmo feminino, ponto G, ejaculação precoce, Aids, doenças sexualmente transmissíveis, camisinha. Aliás, a primeira vez que vi o interior de uma embalagem de camisinha foi numa revista playboy.
                Aprendi como tratar as mulheres. Aprendi que não é porque você transou com a adorada a noite inteira que vai sair pelado pelo quarto, usando a educação, vista a cueca e vá fazer seu xixizinho vertendo água na porcelana para não fazer um barulho ridículo e quebrar o clima.
                Aprendi que pagar a conta não é machismo, mas sinal de que você se importa com a pessoa que está ao seu lado, e que é preciso dar um pé na bunda da mulher que não se oferece para dividir, a menos que se queira apenas uma transa.
                Aprendi que o tamanho do pênis não tem a menor importância. Na verdade, havia verdadeiros roteiros ensinando o homem a levar a amante ao orgasmo. Lembro de uma reportagem em que a entrevistada diz que há homens que pensam que as mulheres são bate estaca e ficam brincando de socar pilão. Informação muito útil ao cidadão viciado em filmes pornôs.
                Isso e muito mais.
                Produtos que me permitiram sonhar: Ferrari, Lamborghini, Dolce Gabana, Ricardo Almeida, Prada, Zara...
                Acredito na necessidade de haver Everests na nossa vida.
Havia a crítica de a mulher ser posta apenas como mais um dos produtos a serem consumidos, a tal da reisificação. Mas enquanto um monte de mulher feia ficava protestando e debatendo nas mesas das universidades, muita mulher bonita aproveitou dos próprios atributos, tirou algumas fotos e comprou apartamento, conheceu outros países, mudou de vida.  
                Sonhar em escalar as montanhas mais altas, a revista mostrava o que de havia de melhor no universo masculino. Ensinava a ter senso de humor. As piadas na última página eram impagáveis. Todo o conteúdo de um bom gosto excelente.

                É claro que a revista não suportaria o embate com a internet. Uma pena. Só quem viveu o medo de ser um menor de idade com uma revista proibida nas mãos sabe do que estou falando, eu pensava mesmo que a polícia podia me parar e me levar preso à Febem.
                Ter uma coleção clandestina embaixo do colchão, no fundo da gaveta, escondido dos pais, acender a luz de madrugada e com o coração aos pulos ler página por página até chegar na estrela da capa. Virar a revista e abrir o pôster. Admirá-lo por um bom tempo, os dois lados. Aí então continuar a leitura e no final rir com as últimas páginas e voltar numa releitura, mas desta vez apenas nas fotos das mulheres.

                Foi um tempo bom. E acabou.
                Está tudo lá internet, salvo num backup horroroso, onde nada é proibido, tudo aberto a todos. O espírito do tempo é de outros tempos.
                Adeus Playboy.
                Por Mauro Marcel


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