quinta-feira, 14 de julho de 2016

Meu outro blog, o Bibliofilia virtual

O Bibliotextura é um blog de indicação de livros.
Uma biblioteca de apontamentos dos livros que li e leio e de sua importância.
Em cada postagem uma única pergunta a ser respondida:
Por que ler este livro?
http://bibliofiliavirtual.blogspot.com.br/

quarta-feira, 22 de junho de 2016

O tempo

Resultado de imagem para via lácteaNo começo não havia  o tempo e nada para contar.
Depois havia o tempo e ninguém pra vê-lo passar.
Então surgiu quem o contasse, mas não sabiam contar.
Logo aprenderam a contar, mas preferiram vê-lo passar.
Depois que o tempo passou, ainda havia pessoas para o recordar.
Assim o tempo acabou e sem tempo, sem nada, sem  ar.
Voltando ao início nonada,
sem ré, sem mi, sem lá.


sexta-feira, 17 de junho de 2016

Cara de professor


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Qual é a cara de um professor? Ontem numa loja de sapatos a vendedora voltou com o meu pedido e ajoelhada, enquanto eu experimentava o segundo par metralhou espontaneamente “Você é professor.” Eu sou professor. De cara pensei que já havia dado aula para a moça em algum momento. Tantos alunos passados nessa vida docente que não seria de surpreender que alguém me escapasse, eu que sou péssimo com nomes, mas muito bom fisionomista. “Sou professor sim, já te dei aula?” “Não. Você tem cara de professor” “Como assim cara de professor?” Esta última frase não saiu, foi posta aqui como efeito retórico. E se não falei, pensei. Por que eu teria cara de professor? Não que eu me ofenda, adorei ser reconhecido como profissional do ensino. Estudei muito pra conseguir saber e mais ainda pra saber passar o que sei. Já dou aula há mais de dez anos, mas minha cara não está envelhecida como a visão que o senso comum tem dos mestres. Nem corrigi a moça quando veio me oferecer um outro par que não o da vitrine, ensinando-a a correta utilização da ênclise. O que faz um professor ter cara de professor? A frase me martelava na saída da loja. Em frente ao espelho ao chegar em casa: óculos de grosso aro, camiseta de banda de rock, calça jeans surrada, tênis lona no pé, barba aparada, algum cabelo na cabeça. Eu sou um esteriótipo? Me transformei no que eu queria ser? Tanto assim que sou reconhecido na rua mesmo por quem nunca vi, nunca voltarei a ver. Que medo. Já pensou aquela brincadeira em que você está no metrô e começa a imaginar como seria a vida das pessoas: profissão, solteiro, casado, filhos, idade, time, onde mora... Será que comigo não haveria mistério algum? Talvez algum pequeno, que me faça um ser mais profundo. Estou condenado a ser eu mesmo. Delícia de vida em que se é o que se quer ser ou que se luta e lutando se alcança o que se é. O que faz de um professor um professor? É claro que não são os óculos. Assim como o que faz um ator não é o palco, nem o que faz um arquiteto não seria a régua. Mas quais seriam os esteriótipos que fazem as tantas outras profissões? Se eu tivesse aparecido na loja com um capacete de motoqueiro e colete de um motoclube, quem sabe me confundisse com alguém mais perigoso, seria preciso um jaleco e um estetoscópio pra ser confundido com um médico, uma camisa azul e ela perguntaria se eu era o cobrador ou o motorista. Talvez um pouco mais careca e com as mãos sujas de graxa me levasse a ser confundido com o mecânico de confiança do pai dela. Não me levem a mal amigo leitor que paciente chegou até este ponto dacrônica. Minhas reflexões me levaram até este ponto, não por não gostar de parecer o professor que eu sou, mas justamente o contrário. Na ocasião em que entrei pela primeira vez numa sala de aula me confundiram com um aluno e se a juventude é uma coisa ótima, é difícil conseguir mostrar ao que veio com cara de moleque. A moça ajoelhada com um par de sapatos nas mãos me pós graduou. Assim como Paulo Autran tinha cara de ator, Washington Olliveto cara de publicitário, Roberto Justus cara de rico, eu tenho cara de professor.

Perdi a cara de eu, hoje sou algo mais.

Gol da Alemanha, IDH e pernas tortas

Resultado de imagem para bola de meia                 Cada país tem suas tragédias.
O Japão teve um tsunami que invadiu as cidades costeiras corroborando para a destruição de uma usina nuclear fazendo todo o povo daquelas ilhas repensar sua política enérgica. Em tempo, o Japão é um dos países, se não o mais bem preparado para tragédias naturais.
Os Estados Unidos tiveram o seu 11 de setembro. O que veio depois os fez repensar seu modo de vida, não somente eles, perdemos todos a inocência. Causa graça hoje assistir aos filmes antigos em que as personagens dentro de aviões fumando, com pistolas de choque, garfos, facas, garrafas. A guerra ao terror, o próprio termo terrorista ganhando outro significado no século XXI.
O Brasil de enormes tragédias sociais e quase nenhuma natural também passou por um processo de luto e obrigatoriedade de ter de repensar sua própria identidade. Não tivemos Pearl Harbor, não tivemos Hiroshima, nem terremotos como o Haiti ou o Chile. Tivemos uma derrota avassaladora para o time de futebol da Alemanha.
Foi em 8 de julho de 2014. O dia em que nos olhamos no espelho e não gostamos do que vimos.
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Durante o século XX foi-se construindo a imagem do Brasil como uma nação de vira latas, um povo de segunda classe e que tinha apenas no futebol um motivo para orgulhar-se e sentir-se tal qual as grandes nações do mundo. Não à toa houve uma copa do mundo deste esporte no ano de 1950 e com uma pseudo grande vergonha a seleção brasileira derrotada em pleno Maracanã, no silêncio  então chamado Maracanazo.
Pois bem, depois disso o país investiu neste esporte via meios de comunicação de massa: rádio, televisão, jornais impresso. E ao longo da segunda metade do século XX viu-se transformar aí sim na pátria de chuteiras: cinco vezes campeão do mundo, melhor jogador de futebol da história, seleções maravilhosas como a de 1970 e injustiçadas como a de 1982 e assim por diante.
Lembro da minha infância, eu nunca gostei realmente de futebol, mas ele – o futebol – era onipresente em todos os lugares que ia: nas paredes enfeitadas com as fotografias dos times (aquela clássica com cinco abaixados e sei em pé), troféus nas prateleiras de todos, a televisão preto e branco com times de um lado e outro, bola de capotão no pé do meu irmão, o rádio com o Osmar Santos e seu tirulirulá tiruliruli e muito mais. As crianças jogando futebol na rua o dia inteiro, correndo livres o dia inteiro, pulando o muro das escolas para jogar futebol na quadra o dia inteiro.
Resultado de imagem para pelada futebolUma vez li em algum lugar que pra tornar-se bom em alguma coisa uma pessoa deveria fazer mil vezes o mesmo movimento. Talvez por isso nunca tenha sido bom em esporte coletivo algum, não ficava na rua com os outros meninos jogando bola (futebol é tão onipresente em nosso cotidiano que mesmo havendo dezenas de esporte com bola, chamamos o futebol de “jogar bola”).
Pois bem, na última Copa do Mundo vencida pelo Brasil um jogador francês chamado Thierry Henry deu uma declaração interessante. Então eu abro aspas “É claro que os jogadores brasileiros são melhores. Eles jogam desde a infância. Na França as crianças vão pra escola”. Fecho aspas.
A frase que despertou alguma curiosidade, pouca revolta e alguns debates na época está no cerne do problema do futebol no Brasil. Sabendo que este tema em qualquer lugar do mundo é apenas esporte, mas que acabou por tomar uma relevância cultural absurda – numa entrevista com o grande jogador brasileiro de basquete Oscar ele alegou que o basquete não era o terceiro esporte do Brasil, “o futebol é o primeiro, o segundo, o terceiro, o quarto, o quinto, o vôlei talvez o décimo, sendo o basquete um pouco depois”.
Resultado de imagem para fifa 2016No Brasil o futebol não é apenas futebol. O jogador francês Henry percebeu isso de forma muito simples. As crianças recebiam futebol na chupeta, mesmo fora da escola. É um esporte fácil de ser praticado, mesmo sem material oficial: bola de meia, chinelo como trave, no meio da rua, time com e sem camisa e diuturnamente o esporte bretão é praticado.
Então o que aconteceu de errado? Por que não somos mais os tops do esporte? Respondo: mandamos as crianças para a escola. Simples assim.
Há muitos problemas na estrutura esportiva nacional, é óbvio. Assim como há vários problemas num país a se construir como o Brasil: educação, saúde, cultura, ética, enfim, tudo o que transforma um território em país, um país em nação. Um lugar que chamamos de lar.
Resultado de imagem para copa do mundoMas no futebol havia um paradoxo: mesmo quando íamos mal na vida o Pelé fazia gols, o Galinho de Quintino lançava seus petardos de falta, os joelhos quebrados do Fenômeno pareciam consertar-se para concertar uma orquestra de gols e o que dizer do Gênio das Pernas Tortas (mesmo com as pernas tortas), parecia milagre, parecia que Deus era mesmo brasileiro.
Todos eles adultos com pouca escola, sem curso universitário, oriundos do que o Brasil tinha a oferecer de mais comum para seu povo: uma vida de privação e algum futebol.
E como os gênios do esporte acima citados repetiam os mesmos movimentos pela manhã, à tarde e à noite. Não é absurdo se imaginar que aos dezessete anos já podiam praticar o esporte de forma profissional e levar uns trocados pra casa. Por vezes mais que uns trocados, criando assim a figura do jogador profissional arrimo de família, ou do jogador de futebol milionário. Em todo caso com nenhuma ou raríssima formação escolar – não raras são as histórias dos jogadores profissionais narrando suas aventuras fugindo da aula em direção ao campo de pelada.
Resultado de imagem para gol da alemanhaQuando o Brasil universalizou o ensino alcançou tardiamente um padrão de exigência humanitário que deveria ter sido alcançado há muito tempo, foi no final dos anos 1990, o governo celebrou todas as crianças estudando. E mais, no Brasil é crime não enviar as crianças pra escola. Menos crianças nas ruas, menos jogadores nos campos de pelada, mais alfabetização.
Com mais alfabetização outros prazeres são descobertos, outros gostos, outras vontades. O poder aquisitivo aumenta, vídeo games são comprados, as pessoas começam a morar em condomínios, o número de filhos diminui então a preocupação com os poucos que se tem aumenta.
Resultado de imagem para garrinchaE como resultado um grande impacto social positivo causado pelo acesso à educação, mesmo sem ser a tão sonhada educação de qualidade: aumento do PIB, elevação do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), acesso à água encanada, esgoto, luz elétrica e novamente menos crianças nas ruas jogando bola.
Poucos anos depois os jogadores brasileiros não são mais os mesmos. Não há tanto treinamento auto didático como outrora. As escolinhas de futebol não são para todos e não somos uma cultura esportiva como os Estados Unidos que enviam seus melhores atletas para jogarem nas universidades com bolsa de estudos, desenvolvendo assim uma ciranda quantitativa e qualitativa incentivando as crianças desde pequenas a praticarem o esporte dentro dos muros da escola.
Sem contar os outros problemas da questão, como o assédio de empresários inescrupulosos às crianças que em tenra idade já são enviadas pra jogar em países como Turquia, China, Rússia, Japão e um ou outro sortudo Espanha, França, Inglaterra e outros centros da prática do futebol. Alguns deles até têm a sorte de profissionalizar-se e crescer nesta carreira, outros desaparecem sem ao menos aparecerem de fato.
Mas é corrente entre os que vivem deste esporte a consciência de que não deixam ter tempo de maturar o talento, que mesmo sem estar pronto já assinam contratos e vão rendendo alguns trocados para agentes inescrupulosos.
Seria cômica a constatação de que hoje as crianças jogam muito mais futebol nos vídeo games que na realidade.
Também que a qualidade das escolinhas de futebol se assemelha à qualidade das escolas regulares, isto é, péssima.
Resultado? Gol da Alemanha.
No dia seguinte ao fiasco da Copa de 2014 o brasileiro, atônito, não sabia pra onde correr. Aquilo que tanto o orgulhava deixara de ser.
Como ter orgulho de seu povo? Como se reinventar? Como se reconstruir?
Talvez esquecendo que para se ter excelência em algo deva-se aplicar, estudar, inovar, buscar, batalhar, perder noites de sono, usar horas de sua vida para tornar o que se faz algo de valor.
No tempo do Pelé se forjava o talento na pedra.
As coisas mudaram. Ou reaprendemos a forjar novos talentos, ou descobrimos, numa epifania louca, que nunca fomos, de fato, o país do futebol.

 Por Mauro Marcel