Na China
comunista houve um momento interessante, trágico e interessante, de crise em
que os jovens entravam nas escolas e destituíam os professores de sua função,
enviando-os para funções, digamos menos dignas, como limpar foças, quebrar
pedras, colher algodão. Tudo em nome de uma nova ordem a ser posta, valorização
do conhecimento da juventude, sabedoria do novo.
Na
China e em qualquer outro lugar do mundo isto é uma violência sem tamanho.
Matar professores ou destruir museus não trará necessariamente ao novo mundo algo
novo, é difícil de romper com o passado sem o passado como suporte. O que seria
o passado? Por que estou escrevendo tudo isso dando voltas como um louco
caetano?
Aos
jovens é dado mais crédito do que deveriam, lembro de uma canção: “não confio
em ninguém com mais de trinta...”, é isso aí. Hoje tenho mais de trinta, posso
falar que passei por algumas experiências loucas que me trouxeram até aqui,
como estudar, trabalhar, beber, dirigir, beber e dirigir (claro que não
recomendo), beijar, transar, falar mais que escutar e escutar mais que falar
(quase nunca, mas vou tentando).
A
longo deste curto caminho, mais longo que o de um garoto de dezessete, sempre
tive a postura iconoclasta própria da juventude. Idolatrei ídolos do rock como
verdadeiros deuses, esperava piamente que posturas como a minha (e de pessoas
como eu) causassem o impacto positivo num mundo ultrapassado e careta que
esperava ver destruído, quando pouco modificado para que eu pudesse viver uma
vida de paz ao lado de alguém super-descolada.
Meu
mundo perfeito era eu casado com uma Janis morando num eterno Woodstock.
Trabalho? Com arte. Cotidiano? Com aventuras. Ideais? A poesia.
A
minha ficha caiu há algum tempo, (Woodstock foi um fracasso, o povo dormindo,
comendo, bebendo, fumando, transando literalmente na lama, um bando de
vagabundo se aproveitando do dinheiro dos pais, vivendo de slogans, não quero
uma Janis ao meu lado, prefiro alguém que não transe com o primeiro que apareça
e use menos drogas, e olha que eu conheci algumas janis pelo caminho) achei interessante quando disse numa sala de
aula (sou professor) disse que em certos momentos era necessário reconhecer a
derrota.
Um rapagote
levantou-se e disse: “Nunca”. Com uma convicção tão bonita que não tive coragem
de derrubar seus sonhos, sua força de vontade, seus ideais.
Não
estava naquele momento pregando nenhuma nova ideologia, dizia que em certas
situações é viável reconhecer que não se conseguirá tudo o que se pretende e é
melhor parar, se reorganizar e desistir de certas coisas.
Acho que
toquei em algum ponto nevrálgico na consciência do moço. É claro, o que seria
do mundo se alguns gênios desistissem de seus sonhos, se o Pessoa deixasse de
escrever, os irmãos Wright deixado de testar aviões, Steve Jobs se não tivesse
elaborado seus computadores... peraí. Steve Jobs abandonou uma vida de hippie
justamente para fazer computadores. Uma desistência não significa derrota,
significa oportunidade, ou não, sei lá. Estou abstraindo.
O
que tudo isso tem a ver com a China e o massacre aos professores orientados por
Mao? Quase nada.
Vivemos
em uma sociedade que hipervaloriza a juventude, dando poder demais a quem não
deveria. Não falo isso por agora ser um adulto, falo por ser um adulto que leu,
estudou, pesquisou, amadureceu. Não falo de Brasil, mas de mundo. É fato que a
todas as pessoas é vendido um ideal de beleza e juventude, um ideal criado em
ambientes corporativos preparados para vender e vender, cada vez mais criando
nas pessoas um ideal de juventude eterna incapaz de ser mantido, óbvio, somos
mortais. A velhice nos
lembra a todo instante que morreremos.
Aquele velho
ao seu lado e escondido. Literalmente escondido: em asilos, dentro de casa,
fantasiado de jovem com os discursos fantasiosos de “melhor idade”, “mente
jovem”, “cabeça fresca”, etc.
Acredito
que um jovem tenha o direito de o ser, o adolescente tem o direito de
adolescer, o que não pode é adolescer ad infinitum, porque o infinito não
existe para os nossos corpos físicos, morreremos, acho muito triste morrer sem
ter aprendido nada, com a mesma cabeça de um moleque de quinze anos de idade,
buscando frivolidades e com o orgulho de buscá-las.
Há
muitos exemplos desta eterna busca na literatura “O retrato de Dorian Gray”, “Peter
Pan”, “O curioso caso de Benjamin Button”, o mito da fonte da juventude que se
encontraria perdida em algum lugar nas Américas, a própria queda do paraíso,
notem que envelhecer e morrer é um dos castigos de Deus aos pecadores por terem
provado do fruto. Pois bem, o fruto que Eva deu a Adão não trata-se de sexo,
como nos faz supor o senso comum, basta uma leitura mais cuidadosa para vermos
que está lá, desde há muito que o fruto proibido era o da árvore do
conhecimento, aprender nos envelhece, nos faz ficar velhos (e chatos é claro)
ninguém quer um chatão ao seu lado lembrando que montanha russa não serve pra
nada, que está perdendo seu tempo com skate quando deveria aproveitá-lo se
organizando para tempos mais difíceis, se pudesse passar por tudo isso
novamente, quantas coisas diferentes este velho faria, e diz isso olhando
firmemente para a cara do moleque com os hormônios explodindo sem dar a mínima.
Ninguém
quer ser este velho chato, todo mundo quer ser amado, querido, estar ao redor
de muita gente, não uma multidão, mas de gente o suficiente para passar a sensação
de segurança que os nossos genes necessitam desde que habitávamos as cavernas e
precisávamos de um grupo enorme para caçar aquele javali, fugir do leopardo,
controlar o fogo, ensinar a fazer a roda, construir um teto, organizar as
primeiras vilas, abrir as estradas, aprender como isso tudo foi feito e poder
repetir.
Estamos numa
época em que algumas coisas são tidas como obsoletas porque estão ocultas, a
velhice está obsoleta, como já disse. Também já disse que está oculta
fantasiada de skatista, roqueiro, usando o tênis da moda, com perfil no
facebook. O fim da velhice também está oculto, a morte oculta dos debates, do
cotidiano, a promessa da vida eterna dentro das igrejas não passa pelo discurso
de que teremos de morrer para alcança-la.
A
morte está escondida. Íamos ao cemitério frequentemente e em especial no dia de
finados, hoje jogamos vídeo game, temos muitas vidinhas a perder. No dia 2 de
novembro há em São Paulo a nova tradição do desfile de zumbis. Mataram a morte,
estão estrangulando a velhice, não existe mais com quem aprender a ser melhor,
mais digno, moralmente elevado e capaz.
Alguém
que nos ensine que desistir às vezes é bom. Que nos fale que o herói de verdade
é o cara que pega um ônibus lotado às quatro e meia da manhã, isso porque
acordou às quatro. Depois de trocar duas ou três, não raro quatro vezes que
condução, chegar ao emprego por volta das oito e ter de fazer algo que não
gosta durante oito horas consecutivas, ou mais. Ter de voltar ao trabalho
fedendo a suor, tendo no estômago o café preto, a marmita requentada e uma
coxinha comprada na barraca de higiene duvidosa do outro lado da rua. Isto é
vida real. Um herói sem capa. E a idade avança e aprendemos (ao menos eu
aprendi) que herói não é o cara que se masturba no palco pra provocar o
sistema, ou o outro que veste uma sunga e diz bem vindos à selva, o heroísmo se
faz nas pequenas coisas, como, por exemplo, abrir mão da própria vida pelo
filho. Não tendo que doar um coração, um rim, um pulmão, mas desistindo dos
próprios sonhos para pagar um curso de inglês, uma escola de qualidade, um
tênis um pouco melhor para que não se sinta humilhado frente ao do colega com
melhores condições de vida.
É
fácil idolatrar um Che Guevara, está longe, morto, dezenas de biografias o
elogiam. Quantas biografias elogiam o seu professor, seu pai, sua mãe, as
pessoas realmente responsáveis pelo sucesso de sua vida?
Fala
sério. O que fazem hoje com os adultos é semelhante ao que faziam na China da “Revolução
Cultural”, só que antes entravam na marra, hoje os convidamos a adentrar nossas
cabeças, salas de aula, bibliotecas, museus.
O
que é um moleque entrando na escola e expulsando o professor comparado a uma
palestra de uma dirigente de ensino pedindo que os professores autorizem o uso
dos celulares em sala de aula.
O que é isso?
O professor está
ultrapassado?
Os
museus interativos. Museu vem da palavra musa, algo para ser admirado, visto.
Museu em que se entra nas coisas, se pega, se quebra, não é museu, é parque de
diversões. Coisa de criança. Os adultos se divertem nesse tipo de lugar. “Os museus
do mundo têm duas opções: se adaptar ou morrer”.
Na
minha opinião ambas representam sua morte.
A
morte do olho que não se concentra em um quadro por mais de cinco segundos. A
desimportância dada aos ritos de passagem, transfigurados em outros elementos
infantis, enquanto crianças brincam com I-pads, I-phones, salvando tudo nas
I-clouds, os adultos compram livros de colorir para desestressar com lápis de
cor e caneta.
Afinal,
envelhecer é chato. O mercado não gosta.
Lembrei
de um filme “Logan’s run”, não sei o título em português, a distopia de um
mundo em que todos eram mantidos em uma cidade subterrânea sem saberem disso,
ao completarem certa idade, de maneira encoberta, eram mortos. Havia um limite
para a vida, mais ou menos como o que havia no nosso planeta terra antes de
antibióticos, vacinas, lentes multifocais que nos permitem ver, mesmo depois de
velhos.
Mas preferimos
ser cegos, por que olhar minha pele flácida se aplico botox em suaves
prestações a perder de vista?
Por que
lembrar que a cada dia vivido é um dia mais próximo da morte? Isto causa
depressão, tristeza, fadiga e hoje somos obrigados a ser felizes. Há uma
ditadura da felicidade que nos empurra autoritariamente a antidepressivos –
químicos ou não – tudo para nos fazer mais e mais capazes de comprar e comprar
e comprar e comprar e comprar e comprar e comprar...
Ao infinito.
Com um sorriso no rosto como o daquelas seitas dos anos setenta em que todos se
matavam coletivamente ao chegar uma data. Nós não nos matamos fisicamente, o
que fazemos é matar nossa capacidade intelectual deixando-a como a de uma
criança de quinze anos e vivemos nisso para sempre.
Então somos
crianças educando crianças, fazendo birra, tomando porres homéricos escondido
dos pais, fumando maconha como se fosse a coisa mais digna do mundo, cabulando
aula como se não houvesse consequências, vestindo fantasia da Marvel, DC, comprando
aparelhos eletrônicos para nos distrair da realidade, transando sem camisinha
porque a AIDS é coisa ultrapassada, jogando o vídeo game de última geração por
horas e horas,...
E quando a
vida acabar, não veremos a vida passar. Quando tudo acabar estaremos muito
entretidos olhando os pixels desta ou de outra tela.
Não precisam
tirar os professores das escolas como fizeram na China, basta deixá-los falando
sozinhos.
Um futuro pra
lá de sombrio.
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