quarta-feira, 15 de julho de 2015

Maioridade, Notícias populares e Datena

Resultado de imagem para notícias populares logoNos anos 1980 ouvia minha mãe falando que se eu não me comportasse me mandaria para a FEBEM, pra eu aprender o que era bom, ser jogado e nunca mais saber onde ela estaria. Minha progenitora tinha uma pedagogia toda particular e eu ficava sem saber o que era de fato a tal FEBEM, bastava saber que era um lugar para onde enviavam as crianças que desobedeciam aos pais.
                Para mim ficava o medo de ser jogado lá e nunca mais poder voltar pra casa, que absurdo.
                Neste mesmo período eu observava meu pai chegando do trabalho com um jornal embaixo dos braços, era leitor do extinto Notícias Populares, eu de observador de imagens, passei em pouco tempo a verdadeiro leitor do periódico mais sangrento da história do Brasil. Acontecia com o jornal o que ocorria com os livros em geral, ninguém dava muita atenção. As pessoas não costumam ler, sei lá, não costumavam. A publicação ficava sobre a mesa e eu, que aprendi a ler em semanas, passava o olho pelas notícias de forma rápida e precisa: assassinatos, polícia, bandidos, estupros, sequestros, inflação, fome, África...
                Não era uma leitura indicada para um garoto de cinco anos de idade, mas ninguém nunca se importa com o que o filho do meio está fazendo, soube me aproveitar disso a seu tempo, por isso hoje sei que a violência de agora não é maior nem menor que a violência dos anos 1970, 80 ou 90. A nossa é uma violência diferente, pior por suas peculiaridades.
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                Dentro dela não se pode acusar os menores de serem os principais responsáveis. Absurdo alguém crer que se reduziria a criminalidade com uma medida tão bisonha.
                O Brasil é o país das leis, há leis para todos os problemas. Foi no ano passado que devido à demora ao atendimento a pacientes com câncer fez-se uma obrigando os hospitais a atenderem ao doente em um prazo curto, se não me engano um mês ou dois de espera (no máximo).
 A lei é  a coisa mais fácil de ser feita, difícil é construir hospitais, formar médicos, organizar remédios, tratamentos e tratar do problema.
                O câncer da vez é a maioridade.
              Somos vítimas de um processo de humanização que começou a ocorrer com a redemocratização e ainda não terminou.
                Antes de continuar, quero deixar bem claro que mesmo sendo contra a redução da maioridade sou a favor da punição aos menores infratores na medida do crime cometido. Não sei como seria feito, os estudiosos que se virem para arranjar um jeito. Também não é admissível que um assassino saia pela porta da frente após tal ato. Acredito que neste debate temos um problemão, porque há algo de muito errado quando todos estão certos.
Resultado de imagem para notícias populares menor                Como ia discorrendo, o problema é que sofremos a típica esquizofrenia dos que não conseguem falar com o outro, ou antes, falamos com o outro mas ele não existe. Falamos sozinhos, não sabemos quem somos, etc etc etc...
                Até ontem líamos nos livros didáticos que o Brasil era um país cordial, pelas palavras de Sérgio Buarque de Holanda, uma leitura muito mal feita, diga-se de passagem, algo que nos fez crer que éramos bonzinhos. (A leitura mal feita, não o texto, excelente trabalho)
                Era Rousseau quem dizia que o homem nasce bom e é corrompido pela sociedade. Sendo a sociedade formada por homens, quem foi o primeiro corruptor? Adão? Ih, acho que foi a Eva...
                A nossa esquizofrenia nos fazia crer que éramos bons, quando na realidade nunca beiramos tal. A nossa cordialidade tem a ver com tratar pelo primeiro nome, diferente de outros países onde se passa anos tendo aula com um professor chamando-o apenas de Senhor tal.
Conversamos na porta de casa, abraçamos, pegamos, beijamos, mas assassinamos com automóvel, arma de fogo, estupramos e não matamos, estupramos e matamos, sequestramos, violentamos, vilipendiamos cadáver. Somos corruptos e corruptores.
                Tive um amigo que sofreu um acidente numa rodovia e faleceu. Antes de sua mãe tomar conhecimento de sua morte já tinha alguém tentando utilizar seu cartão bancário roubado do local do acidente. Somo muito cordiais.
                O país trabalhador com um carnaval que dura um mês.
Ninguém produz nada em dia de jogo da seleção em copa do mundo.
O último a acabar com a escravidão como política de estado.
Não somos tão trabalhadores assim.
                Mas foi o que nos disseram: somos uma nação cordial de homens e mulheres trabalhadores. Sem contar que fomos colonizados pelos degredados de Portugal, toda a corja que por algum motivo não podia permanecer por lá aportava por estas bandas.
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É claro que as melhores cabeças não vieram, se bem que reivindicar as melhores cabeças portuguesas era um problema. A ligação íntima entre a igreja católica e a coroa lusitana teve grande impacto lá e aqui. Também na Espanha, mas isso é assunto para outro momento.
                O que estou falando é que não dá pra pensar em discutir violência de forma tão rasa. Quer dizer que a culpa do crime organizado é do menor de idade?  Então quem eram os menores que estavam no Presídio da Ilha Grande na ocasião da formação do Comando Vermelho? O primeiro grande grupo criminoso organizado do Brasil.
                Quem eram os menores que mataram policiais quando os presídios se rebelaram em São Paulo?
                Vou falar uma coisa: a culpa da violência não é dos menores. Mas não aceito ver um menor solto após ter cometido um crime, algo tem que ser feito.
                Quer saber por que discutimos os crimes dos menores hoje? Porque, ao contrário do que muito idiota leitor de orelha de livro diz, a polícia está mais humanizada no Brasil do que em outras épocas. Eu sei, eu vi, eu lembro, eu li.
Resultado de imagem para notícias populares chacina menor                Menores apareciam mortos todos os finais de semana estampados nas manchetes de jornais. A cara enorme deles com tarja preta cobrindo os olhos, os corpos baleados misteriosamente. Os menores não iam para a FEBEM, este um lugar para uma minoria que tinha a sorte de sobreviver. Para as crianças criminosas o que havia era pena de morte. E morriam ostensivamente, qualquer pessoa com um pouco mais de idade lembraria disso se não fôssemos bombardeados diariamente por Datenas, Alckmins, PSDBs e seus interesses. Cada um com o seu.
                Não existe solução fácil para um problema complexo. Você acredita mesmo que o crime diminuiria se um menor cumprisse pena como adulto, num presídio comum?
                Deixa eu falar mais, a nossa sociedade está buscando uma solução imediatista para o problema da violência, já falei acima que o problema vem da própria fundação do nosso povo. Somos assim, e nos recusamos falar sobre o assunto abertamente. Tanto que nem chamamos nossas Guerras Civis, as várias que tivemos, por este nome.  Chamamos de: Revolta Farroupilha, Revolução Constitucionalista de 32, Confederação do Equador, etc...
                (Somos cordiais e exterminamos quase toda a população do Paraguai na guerra que travamos contra os mesmos. Cordiais sim, pacíficos? Nunca. A história da mentira repetida tantas vezes até virar verdade.)
                Nós não chamamos as coisas pelo nome adequado, como queremos resolver a questão?
Resultado de imagem para notícias populares chacina menor                E fala sério, no Brasil não é só o menor que não vai preso, ninguém vai preso. Já leu sobre as estatísticas de quantos assassinatos são resolvidos? Quantos ladrões estão presos se compararmos com os que nunca passaram um dia nas prisões medievais brasileiras.
                Nas paragens tupiniquins só sendo muito azarado para ser preso. Ou isso, ou muito pobre, porque rico com advogado tem como protelar sentenças até o fim da vida. Estamos num Brasil de uma população carcerária enorme, curiosamente o mesmo país que não prende os criminosos que deveria prender. Já pensou se os sessenta mil assassinatos anuais tivessem como consequência a cadeia? Sabe o que aconteceria?
                Jamais saberemos. Não serão presos. Este é o nosso país. Eles não estarão longe da sociedade purgando seus crimes, estarão onde sempre estiveram, ao nosso lado, nos ônibus, andando nas ruas, vizinhos, padeiros, pedreiros, jornalistas, estudantes, professores, mecânicos, dentistas, vivendo a vida como se jamais tivessem cometido mal algum.
                O que se pretende reduzindo a maioridade penal é ensinar ao jovem pela força. Quer ensinar força? Cumpram-se os mandatos de prisão em aberto. Construam sim mais presídios e enviem para lá todos os que cometeram erros de acordo com o crime que cometeram não importa a classe social, o credo, a cor, a orientação sexual.
                Fazendo isto, vamos mais longe, começando de baixo. Garantido acesso à educação a todos e investindo em qualidade. Mas isso em todos os níveis, mas principalmente nas séries iniciais onde se encontra o verdadeiro problema.
Resultado de imagem para aqui agora                Depois um investimento maciço em aberturas de cursos universitários e técnicos relevantes para a sociedade: cursos de medicina, por exemplo. Cursos estes que não são abertos ostensivamente pelo boicote feito pelos conselhos regionais impedidores do processo, fazendo com que a profissão de médico seja rara para um salário alto.
                Uma sociedade mais humana, com mais médicos, mais professores, mais advogados e até mais policiais. Sim, os que pedem o fim da polícia são os mesmos que a chamam após sofrerem algum mal.
                Nós caminhamos muito pouco. Demorou algum tempo para o menor perceber que podia cometer crimes sem sofrer punições, quanto tempo você acha que levará até o adulto perceber que com ele é o mesmo? Sim. Em certos aspectos a justiça é até mais justa com o menor. Sabia que um menor tem de necessariamente ir “preso” ao cometer um “crime”, chamado pelos envolvidos de ato infracional. Por outro lado um adulto pode cometer o mesmo “ato” e responder em liberdade.
                Peraí, não estou defendendo ou atacando nada. Nem argumento nem contra argumento, apenas especulando. E pra quê? Pra deixar mais claro que o problema é muito complexo para ser resolvido com um grito e uma canetada.
                Aliás, sabia que a taxa de reincidência do crime da antiga FEBEM, hoje Fundação Casa é de menos de 15%, enquanto a dos presídios é de mais de 50%? É pra lá que vão mandar os menores?
Resultado de imagem para datena                Me explica como isso reduziria a sensação de impunidade? Como isso reduziria a violência? Como isso colaboraria para uma sociedade mais justa?
                Repetindo: minha opinião é de que cada um seja punido na medida dos seus crimes, independentemente da idade.  Para isso as leis que estão por aí bastam. Sim, elas são suficientes. Vide o caso do Champinha, matou cruelmente o casal de namorados ainda menor, está preso muito além dos três anos que um menor, a princípio deveria cumprir por crime semelhante, bastou utilizar os mecanismos legais e muito pode ser feito.
                Também acredito que não somos os donos da verdade, nem eu, nem você, nem o Caetano Veloso. As sociedades se modificam, não estou falando que evoluem, elas mudam. O que para uma sociedade é crime, para outra não é, dependendo do momento histórico. Quero dizer que já passa da hora de avaliarmos a questão do tráfico de drogas como crime, descriminalização da maconha e coisas do tipo. Seguir o mesmo passo de sociedades não tão diferentes da nossa como Uruguai, Estados Unidos, Suécia... Sim, eles não são tão diferentes de nós, diferente eu contaria como o extremo oriente em que há um verdadeiro choque cultural, somos americanos. Há experiências bem sucedidas nas Américas para nos dar subsídios para uma mudança.
                Ou faremos como no caso da escravidão e seremos os últimos do mundo a perceber que certas coisas estão erradas?
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                Fico aberto a críticas, sugestões, pontos de vista convergentes ou divergentes. Fico aqui pensando um Brasil mais justo. Um Brasil que saia do slogan há muito apodrecido. Um país que pare com este pensamento caquético que lei é a solução para os problemas. Vivemos numa democracia e pensamos como se estivéssemos vivendo no período absolutistas, onde os arautos gritavam as leis e tudo se modificava. Não funcionava lá e não funcionará aqui. Simples assim. Não há apenas dois lados. O mundo não é tão simples. Para cada problema uma solução diferente, daí a grande beleza da Modernidade.
                Não basta nascer no século XX ou XXI para pensar como um moderno. É preciso se apropriar de cultura e isto só se faz com escola: para mim, para você, para o menor infrator, para o presidiário, para o deputado, o senador, o presidente.
                A sociedade se faz fazendo. E se quero que este ensaio sirva para algo não é o de dar respostas, mas de convidar a pensar o Brasil com um pouco mais de inteligência. Sem romantismos. E perceber que viver em sociedade é isso: ouvir e ser escutado.
                O direito de falar tem um preço: escutar o que dizem. Sem precisar concordar, mas com respeito.

                Falta isso ao debate.

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