
Desde muito jovem tive uma curiosidade enorme sobre as coisas e uma timidez escandalosa em declarar minha ignorância em relação ao que fosse. Daí o meu silêncio. Nunca admitiria não saber de algo, ainda mais quando via meu pai falastrão tão sabedor dos rumos do Brasil, Plano Cruzado, Plano Bresser; o padre tão saber dos rumos de minha alma após minha morte; os meus primos e irmão mais velhos tão sabedores de tudo antes de mim, tratando-me por idiota por nunca ter feito tudo o que “faziam” (entre aspas assim, porque eles faziam o que as crianças mentiam fazer, seria tão bom voltar no tempo e saber de certas coisas – das mentiras deles e de todos, por exemplo).

Numa palestra do Rubem Alves o ouvi dizer que ensinar era um ato de amor, então eu digo que forçar alguém a aprender é como um estupro. Ninguém deveria ser obrigado a fazer nada, mas forçar alguém a aprender não é um estupro.
Senso comum: uma caneta é bem mais leve que uma pá, ou uma enxada, e bem menos gorduroso que passar o resto da vida fritando hambúrgueres atrás duma cozinha fast food.
A verdade vem de todos os lugares, mas só vem se acompanhada de contemplação, ócio, pesquisa, trabalho, intelecção, busca, crítica, dúvidas e uma grandiosa dose de ceticismo.

Inclusive duvidar dos que inventaram tudo o que citei, de suas intenções, seus valores; assim como aprendi instintivamente a duvidar das verdades de meu pai, padre e primos.
Valorizar o conhecimento é importante num país tão avesso a escolas, local em que a primeira universidade de estrutura acadêmica foi fundada apenas na década de 30 do século XX, a primeira impressora trazida no século XIX e os livros proibidos antes disso. Os padres eram funcionários pagos pelo tesouro nacional, portanto funcionários públicos, tínhamos uma religião oficial e tudo isso nos deixou profundas marcas.

Por uma anomalia do destino me interessei pelos livros e comecei a achar as minhas próprias respostas nas folhas tingidas escritas por pessoas que já haviam há muito morrido, outras estavam vivas.
Até hoje me lembro do primeiro escritor que conheci pessoalmente: Luis Marinho, meu professor de português da sexta série, escreveu o livro de poesias “Reamanhecência”, o título ainda me martela a mente, assim como possibilidades do paradeiro do professor poeta, que nunca mais vi ou ouvi falar. Apenas a lembrança de suas aulas medianas, o livro que escreveu e nunca li e o cheiro de álcool vindo de seu hálito quando se inclinava para explicar a análise morfológica.

É comum nas escolas públicas argumentos do tipo “eu não gosto de inglês, bom mesmo é espanhol” (é bom ou mais fácil?). Assim mesmo, para os que falam a língua portuguesa o espanhol quase não é uma língua estrangeira. Bom mesmo seria aprender as duas e mais que isso e tudo o que fosse possível aprender na escola.
Não à toa os professores com maior nível de stress nas escolas são os de ciências exatas, os de Educação Física surfam por outros caminhos. A matemática é desqualificada, dizem que não precisam. “Nunca voltarão a fazer uma equação de segundo grau fora da escola”. Argumentos assim.
E gestores públicos (que já foram alunos) aceitam os argumentos e põe em prática um processo de destruição do conhecimento: dizem que as aulas tem que ser divertidas, que os professores precisam aprender com os alunos, que o celular é uma ótima ferramenta que tem que ser bem utilizada, que o aluno tem que ser escutado em todos os momentos porque é a figura central do processo ensino/aprendizagem, que é preciso olhar para o aluno e aceitá-lo, falar sua língua... discursos vazios ao infinito.

Nenhum dos argumentos acima, utilizados por gestores “libertários”, professores “moderninhos”, políticos salafrários, religiosos mal intencionados. Nenhum dos argumentos se sustenta. O aprendizado verdadeiro é lento, chato e solitário. Mas é a única saída da miséria que se vive e que se continuará vivendo no país de faz de conta.
Todos sabem dos problemas da educação, muitos já tentaram fazer alguma coisa. Desistiram. Deram as escolas para os alunos, para as igrejas, para as empresas de telecomunicação.

O discurso da mídia de que o jovem pode ensinar muita coisa é profundamente demagógico. Todo ser humano tem muito a ensinar, esta é grande viagem humana, a beleza da individualidade.
As relações humanas são assim. O jovem brasileiro é criado num universo escolar fascista porque vai pra escola pra ouvir o próprio discurso. Se até os anos 90 a luta era contra o professor reproduzindo o discurso fascista do governo, hoje o professor luta contra os alunos reproduzindo o discurso fascista da mídia e do livre mercado.
"Narciso acha feio o que não é espelho."

A escola de periferia deixa o menino livre enquanto criança, para ser um escravo das mega corporações durante toda a vida. Enquanto isso o aluno da escola particular de qualidade é maltratado, judiado, pisado, disciplinado, para que no futuro seja livre e patrão do pobre da periferia.

Confúcio separa o mundo em pessoas que sabem e sabem que sabem – mestres; pessoas que não sabem e sabem que não sabem – futuros mestres; e pessoas que não sabem e pensam que sabem – idiotas.
Deve-se seguir os primeiros, ensinar os segundos e fugir dos terceiros.
No Brasil, os primeiros são desrespeitados, os segundos humilhados e os terceiros exaltados.
Por Mauro Marcel
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