terça-feira, 10 de setembro de 2013

Charlie Brown, Lex Luthor e gogoball

         
          Sou de um tempo em que Charlie Brown não era nome de banda. Sempre com a cabeça careca, tentando chutar a bola e sendo enrolado pela Lucy, a irmã do Lino, seu melhor amigo. O dono do Snoop. Charlie Brown era um loser.
          Peanuts foi uma tira de quadrinho escrita e desenhada pelo cartunista Charles Schulz, e este Charlie não foi um loser. Durante 50 anos as tiras do Charlie Brown apareceram em jornais do mundo inteiro e se opondo ao que muita gente babaca diria, Charles Schulz não tinha medo de ganhar dinheiro. 
         Lembro de seus personagens em camisetas, xampus, sabonetes, pasta de dentes, copos, chaveiros, tênis, bonecos, bonecas, bonés, um infinidade de coisas. Nos anos 80 (auge da febre do marketing peanuts) não havia local inimaginado onde não poderia ser posta a cabeça careca do Charlie Brown e o sorriso largo do Snoop.
           Mas Charlie Brown era um loser.  Esse era o seu mérito, aguentando a tudo estoicamente e de forma heroica seguia seu rumo. Na sua eterna infância aborrecida de garoto solitário.
          Charlie Brown era apaixonado pela garotinha ruiva, mas morria de medo de falar com ela. Um dia, só pra ficar ao lado da menina, foi apontar o lápis, pois ela se sentava próxima ao apontador, esqueceu que carregava uma caneta e apontou a caneta.
          Era o pior jogador de beisebol e o responsável pelo time.
          Era amigo da Bete Pimentinha que nunca o chamava pelo nome, mas de Minduim. Acho que ela nem sabia o nome dele.
          Quando seu cachorro entrava na história Charlie virava coadjuvante e Snoop brilhava, tanto que no Brasil não era o desenho Peanuts (Minduim), era Snoop. No Brasil Charlie era coadjuvante do próprio cão.
          Uma vez li uma piada nerd muito engraçada (ou nada engraçada, eu ri na época) dizia que havia o grupo dos garotos carecas chatos babacas que nunca conseguiam nada: Lex Luthor, Richard Fisk e Charlie Brown.
          Sempre me identifiquei com as tiras do Schulz e nunca liguei pro marketing em torno de suas personagens, nem quando em minha adolescência descobri que havia uma banda de rock chamada Charlie Brown Jr.
          Roqueiro clássico, adorador de Led Zeppelin, Deep Purple, Beatles e Stones, me senti incomodado com o som que misturava hip hop, letras vazias, skate, comportamento agressivo e por aí vai. Me incomodei, mas não me importei, seria varrida pela sina dos only hit wonder e desapareceriam assim como desapareceram Virgulóides, Akundum e outras drogas.     
            Não foi o que aconteceu.
          A banda prosperou. Seguiu hit atrás de hit e emplacaram até música na Malhação. Ao contrário do que o nome diria não eram losers. Os pais sempre diferentes dos filhos. Afinal eram os jrs do Charlie Brown, o pai apontava a ponta da caneta, não eles.
          Parei pra ouvir um pouco do som, (não sou um xiita) e descobri algumas músicas legais. Eram ótimos músicos, o baixista mandava muito bem, o vocalista tinha carisma, as letras começaram a dizer alguma coisa, mas o que importava? O som era divertido. Os filhos sempre se saindo melhor que os pais.
          As confusões em que se envolveram: brigas internas, externas, drogas. Tudo parte do universo pop e nada anormal a quem está acostumado a conviver com este meio, isto é, escolheu viver este meio.
          Imagino o Charlie Brown vendo os filhos se saindo melhores que si. Cantando as próprias canções, andando de skate nos palcos do Brasil inteiro, falando o que queriam, sendo ídolos do rock. Charlie deve ter pensando nesse momento "meus filhos são bem melhores que eu". Mas foi apenas por um instante.
          Ao perceber o fiasco destes últimos meses: overdose e suicídio. Fico imaginando o que levou dois jovens tão brilhantes, carismáticos e competentes. Sim. Eram tudo isso e muito mais. Passaram a maior parte da vida que tiveram vivendo de música, se relacionando com o showbusiness brasileiro e lotando casas de espetáculos.
          Lembro do único show deles que fui. Acabou em pancadaria. Descobri depois, lendo a respeito, que era comum as apresentações terminarem assim. 
         Talvez o que tenha me chocado é que foram os primeiros astros de rock da minha época de nascimento a ter esse fim. Jogaram os mesmos jogos que eu, assistiram ao xou da xuxa, ganharam um lango lango no natal, viram o cometa Halley passar, beberam groselha vitaminada milani, pularam de gogo ball, trocaram o cruzeiro pelo cruzado pelo cruzeiro de novo e depois o real.
           O que fez tudo dar errado? Pouco importa agora, o problema é que os jovens tendem a imitar seus ídolos. 
          Meus heróis morreram de overdose, mas antes deixaram um legado lindo e uma vida maior que suas mortes. Espero que seja o mesmo caso dos meninos do Charlie Brown Jr.
           Porque acredito que neste momento Charlie Brown pai, ao enterrar os dois astros do rock, mortos de maneira tão bruta e próxima, não deve ter se sentido tão loser assim. Pegou o telefone e ligou pra garotinha ruiva. 
            Deu ocupado.

2 comentários:

  1. Tá um cronista de mão cheia!
    Esta semana estava pensando s'eu teria condições de ver o Halley novamente... Acho que não vai rolar kkk
    Saudações.

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  2. Que bom que gostou.
    O Halley não vai ser possível ver, mas acho que dá pra tomar groselha Milani, acho que ainda vendem em algum lugar.
    Abraços!

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