E, assim sendo,
trago em mim uma bela bagunça ideológica, um samba do criador e da criatura, uma
crise existencial digna de qualquer episódio de Black Mirror.
Escrevo, portanto,
como forma de colocar alguma ordem nesse colapso mental pós-moderno em que todos
estamos metidos até o pescoço, com um celular na mão e uma alma perdida em algum
algoritmo.
Porque, vamos falar a verdade: há algo de grandioso e assustador
acontecendo ao mesmo tempo. De um lado, robôs que escrevem, pintam, diagnosticam
câncer, operam com precisão milimétrica, dirigem carros e corrigem erros que
humanos não enxergam.
Do outro, multidões viciadas em TikTok, acreditando que a
Terra é plana, que vacina transmite chip e que o ChatGPT vai roubar seu emprego
de frentista.
É um paradoxo bonito de se ver: a era mais inteligente da história
convivendo com o auge da ignorância produzida em escala industrial.
E mais
bonito ainda é o surto coletivo: há os evangelistas da IA, que veem no avanço
tecnológico a salvação da humanidade, e há os apocalípticos, que já estão
construindo bunkers no interior de Goiás com medo da Skynet. Nenhum dos dois
lados entendeu nada.
Porque, ao contrário do que dizem os gurus da inovação, a
IA não é neutra, nem pura, nem imparcial. Ela é treinada com dados humanos. E
humanos são preconceituosos, contraditórios, falhos, egoístas, geniais, idiotas
— tudo junto e misturado.
Alimentamos as máquinas com nossas escolhas, nossos
vícios, nossos históricos de pesquisa no Google, nossas fotos com filtro e
nossos preconceitos mais bem disfarçados. Ou seja: a inteligência artificial
nada mais é do que a burrice natural organizada em código binário.
E o que me
assusta nem é ela. É a gente. Porque a IA não odeia. Mas pode replicar ódio. Não
ama. Mas pode manipular desejos. Não acredita em Deus. Mas pode distribuir
doutrina religiosa personalizada com base no seu CEP. Não sente inveja. Mas pode
enganar com a maestria de um político em véspera de eleição.
E o que fazemos com
tudo isso? Damos poder. Delegamos decisões, terceirizamos pensamentos, pedimos
que ela diga o que vestir, o que escrever, o que comer, quem amar.
E, aos
poucos, vamos perdendo a capacidade mais essencial do ser humano: a dúvida.
Duvidar é revolucionário.
E a IA não duvida de si. Ela afirma. Baseada em dados,
padrões, estatísticas. O problema é que a vida não se resume a padrões. Ela é
cheia de exceções.
E é nessas exceções que moram a arte, o amor, o erro, o
perdão, a graça da existência. Por isso, me declaro aqui em conflito: amo a IA.
Uso, estudo, implemento, me deslumbro.
Mas, ao mesmo tempo, desconfio,
questiono, me afasto e temo pelo dia em que ela substituirá não os trabalhos
braçais, mas os humanos sensíveis.
Porque, sim, é possível que um robô opere meu
coração com mais precisão do que qualquer cirurgião. Mas será que ele saberá o
que fazer quando, no meio do procedimento, eu chorar por medo de morrer?
A
inteligência artificial pode processar bilhões de informações por segundo. Mas
não sabe lidar com o silêncio de um luto, com o olhar perdido de uma criança
abandonada, com o peso da saudade. Portanto, convivo muito bem com essa
contradição dentro de mim: sou entusiasta da IA, mas também seu crítico mais
ferrenho. Paradoxal? Sim. Como tudo em mim, em ti, em nós.
E fico triste com
essas tentativas de moldar a discussão em termos simplistas: “quem não abraça a
IA é ultrapassado”, “quem alerta para os riscos é tecnofóbico”. Não. O debate é
muito mais profundo. Exige nuance, exige ética, exige humildade diante do que
ainda não compreendemos.
O Brasil, como sempre, chega atrasado ao debate. Com
escolas sem internet, professores mal pagos e um ensino que ainda ensina o que
decorar, não o que pensar. E nesse vácuo educacional, a IA vira messias ou
demônio. Nunca ferramenta. A solução?
A de sempre. Educação. Porque, no fim das
contas, mais perigosa do que qualquer inteligência artificial é a burrice
natural institucionalizada e premiada com cargo público.
Se ensinarmos as pessoas
a pensar, talvez a IA sirva para nos libertar — e não para nos vigiar.
Talvez o
futuro seja promissor. Talvez apocalíptico.
Mas enquanto houver gente disposta a
pensar com a própria cabeça, ainda há esperança.
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