Eu acredito no
poder transformador e revolucionário da educação. Ou simplesmente: eu acredito
no poder da educação. Ou mais simples ainda: eu acredito na educação. Dito
isso, posso começar a desenvolver o argumento sobre o tema que me traz à pena.
Sim.
À pena, e a duras penas venho escrever sobre a derrubada (na verdade a
tentativa de derrubada) da estátua do bandeirante Borba Gato.
Vamos
à opinião: eu acredito na educação, em seu poder transformador e acredito que os
professores são fundamentais para uma sociedade saudável, consciente e justa.
Ou
em busca de.
Quem
foi Borba Gato? Pouco importa. Verdade. Pouco importa ao debate. Mas como
sempre fico me adiantando, me achando um Brás Cubas indo e vindo com meu texto.
Vou do começo. Se for indicar esta leitura a um amigo, peça que inicie pelo próximo
parágrafo, nada de interessante foi dito nos anteriores.
No
dia 24 de julho de 2021 um grupo decidiu incendiar uma estátua que fica em São Paulo
na avenida Santo Amaro. A personagem retratada na figura é a do bandeirante
Borba Gato. Esta é a notícia principal que completo com a informação que a escultura
não veio abaixo, resistiu firme, com diversas avarias, é claro, e prejuízo aos
cofres públicos que terão de arcar com o conserto causado pelo ataque.
Conversei
com muita gente sobre o ocorrido, muita pessoa inteligente, muito historiador,
alguns livros, vídeos sobre a história dos bandeirantes.
Escrevo quase
um mês após o ocorrido, a estátua ainda chamuscada e em pé, não caída como a
dos Budas destruídos pelo Taliban, nem perdida como os livros incendiados da
biblioteca de Alexandria.
Deste
modo: muitos já destruíram muita coisa em defesa de verdades e muitos também destruíram
em defesa de mentiras, quem sou eu pra julgar? Falo de orelhada. Sou um simples
professor de educação básica. Um simples amante de arte e a estátua nem era,
como direi, assim tão artística. Sou um aficionado por história do Brasil e do
mundo, Borba Gato nem é alguém tão relevante. Quem sou eu na fila da pamonha? Quem
sou eu ao relacionar de algum modo um bandido (bandeirante) com elementos
culturais reconhecidos como excepcionais mundo afora.
Lá vem ele comparar
o assassino bandeirante com Rodin, Brecheret, o nariz da esfinge, o olhar da
Gioconda...
Isso
mesmo. Vamos pôr fogo nas estatuas, vamos queimar e sem deixar traços para as
próximas gerações não permitiremos que nossos netos, bisnetos e tataranetos compreendam
o mundo que habitam com a devida perspectiva histórica.
Esqueçam
o Borba Gato, esqueçam de quem se trata.
Vamos começar
por este parágrafo. Aqui começa a crônica. Deleta o que foi anteriormente
escrito. Incendeie!
Estamos num Brasil que queima estátua em praça pública.
Por hora vou
chamar de vândalo a quem incendeia o patrimônio histórico independentemente do
juízo de valor que possa dele (o patrimônio histórico) independentemente do
juízo de valor que possa dele ser feito.
Nos
últimos anos houve incêndios devastadores no Memorial da América Latina, Museu
da Língua Portuguesa, Museu Nacional, depósito da Cinemateca Brasileira, esqueci
algum? Ah é... A estátua do Borba Gato. Tudo devastado pela ação ou omissão de vândalos.
Sem falar do alagamento que destruiu a cidade de São Luiz do Paraitinga no Vale
do Paraíba, o deslizamento de rejeitos de mineração em Mariana, incêndio em
igreja histórica em Ouro Preto... o Brasil não é para amadores.
A
partir do momento que é retirado das pessoas o acesso à perspectiva histórica só
possível pela educação e contato com sua trajetória humana e pessoal, legamos às
futuras gerações a eterna repetição de modelos fracassados de poder e
sociedade.
Legamos
fracasso e mais fracasso, uma sociedade sem memória, sem passado, sonegada da
possibilidade de julgar os erros de seus antepassados e aprimorar, mudar. E
como? Com educação. Sabe por quê? Porque eu acredito na educação. Eu acredito
no poder transformador e revolucionário da educação e por isso sou contra a
queima do nosso patrimônio histórico.
No livro “Terra
sonâmbula” Mia Couto levanta o debate sobre uma sociedade sem passado, fruto de
uma guerra civil que matou os pais e os avós, deixando as crianças soltas no
mundo, vagando sem história, retirantes de lugar nenhum, sem saber de onde vieram,
como saber para onde irão?
Se fizerem uma
fogueira e queimarem os livros, talvez um dos que exaltam a destruição das
estátuas se erga contra os que assim agem. Mas não acredito, o mais provável é
que festejem a destruição de todo e qualquer contraditório que percebem como
inimigos e adversários e não como o que de fato são: diferentes.
Até onde me lembro, pensar diferente deixou de ser crime desde a Declaração dos direitos do homem e do cidadão em 1789.
Mas há pessoas
que não leram nada a respeito. Não leram e nunca lerão. E o que é pior: se recusam
a permitir que outros tenham acesso ao mundo diferente do que entendem como o
ideal.
Eu sei no que
isso transformou o mundo num passado não tão distante. E num distante também. É
a história se repetindo ad infinitum como farsa após farsa. Incêndio após incêndio.
Por Mauro Marcel
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