O
ano é 2014, o mês é maio e como a copa do mundo está próxima não posso perder a
oportunidade de falar em eleições.
Não
tenho o menor interesse em discutir o óbvio ululante, os problemas dos brasis
não se resolverão com o fim do torneio e nem começaram nele. Não quero falar
sobre os bilhões investidos num torneio e não gastos com saúde, educação,
segurança.
Também
não quero falar mal da rede globo. O problema não está na globo, está no cara
que segura o controle remoto, não se esqueça disso.
É
fácil dizer hoje que hashtag não vai ter copa.
Já sou velho
nisso. Não houve copa pra mim em 1998, em 2002, 2006 e 2010. Houve em 1994, mas
eu era muito criança e estava eufórico, porque pela primeira vez tínhamos
televisão em casa e sabe como são as coisas. Em 94 fui campeão, aliás, tetracampeão
com a seleção do Parreira, do Romário, do Bebeto. Pessoas que invadiam minha
casa e traziam a alegria que fora ceifada com a morte do Senna. Alegria?
Em
1994 foi o início de uma nova era, a hiperinflação acabou e muitos jovens
púberes, ou impúberes não sabem “ainda” o que é acordar com o pão custando 1 e
dormir com ele valendo 10, ao fim do mês custa 100 e com o passar de várias
semanas não tem mais pão. Não vou defender o pessoal tucano que projetou o plano
real, mas ao final do ano com a vitória do Brasil me senti um idiota vendo fernando
henrique assumir a presidência na esteira da conquista nos Estados Unidos.
E
por falar dos irmãos do norte, nessa copa do tetracampeonato havia um estádio
que nem tinha o tamanho específico para uma partida de futebol amador, foi
feita uma adaptação de um estádio de futebol americano, isto é, não ampliaram,
não demoliram, não seguiram o padrão fifa (assim mesmo em minúsculo), é como
minha avó dizia: “quem se abaixa demais amostra a bunda”.
A
“entidade máxima do futebol” sabe o que faz. Aprendeu o caminho do dinheiro,
seguem a estrada dos tijolos amarelos, a última experiência com países
civilizados ocorreu na Alemanha, depois disso haverá uma longa sequência de
copas do mundo em países com leis relativizadas: África do Sul, Brasil, Rússia,
Qatar. Países em que as leis são tão flexíveis quanto a moral do blater, havelange,
ronaldo e irmãos marinho.
A
culpa não está na copa está no cara na frente da tela do computador.
Em
1998 o Brasil tinha uma seleção muito ruim e como as demais eram também ruins a
seleção canarinho foi à final e nos sentimos no direito de dizer que a copa foi
vendida para os donos da casa. Disse: nos sentimos? Eu não. Não me senti
roubado, não torcia mais para futebol e ri muito alto quando ouvindo o
desespero do galvão bueno ecoando pelas vozes de meus primos, primas, tios,
amigos, vizinhos chorando pelo penta perdido.
Em
2002 já estava com a postura que tenho hoje em relação ao torneio mundial de futebol:
indiferença. Tanto que estava fazendo coisas muito mais interessantes na final
e nem tomei um porre com a vitória dos ronaldos e rivaldo. Os jogos eram de
madrugada e eu nem perdi meu sono. Minto. Acordava com os fogos e explosões de
alegria dos gols fazendo o dia seguinte brasileiro muito mais ameno.
Vexames
em 2006 e 2010 e eu com a mesma indiferença.
O mesmo não
percebia da população que pintava as ruas, torcia efusivamente, coloriam as
escolas, os ambientes públicos, até igrejas. Os cultos e missas nunca na hora
do jogo. As empresas parando a produção para que os funcionários assistissem às
partidas. Quem é o gerente mal caráter que impediria seu funcionário de
assistir ao grande clássico do futebol mundial: Brasil versus Turquia????
A
culpa não está nos candidatos, está na pessoa que tecla na urna.
Imagine
você com um câncer, seu filho mais novo semianalfabeto, seu filho do meio
precisando de universidade e o mais velho desempregado. Sua esposa com os
dentes cariados e a sua casa alugada caindo aos pedaços. Você então dá uma
festa. Pede dinheiro emprestado, aluga um buffet, compra carne, muita carne, e
cerveja, muita cerveja. Aliás, quando faltam algumas semanas pro evento você
decide pegar mais dinheiro emprestado e construir um novo buffet. Talvez você
nunca dará outra festa na vida, pode morrer de câncer manhã, mas não importa,
só a festa importa: a cerveja que aumentou de preço, a carne que aumentou, as visitas
que chegaram e o que vão pensar das festividades. Você reserva um bom dinheiro
para roupas (alugadas), carros (alugados). O que importa depois da festa...?
Imaginou isso? Agora imagine se a sua esposa disse que não pode ir pra festa
porque os dentes estão cariados. Seu filho mais novo diz que não vai porque não
sabe ler o convite. O do meio não quer ir porque preferiria que o dinheiro
fosse gasto com o seu curso superior. O mais velho só pensa no emprego que não
tem. E você, o pai, quer festejar de qualquer jeito. Agora imagine que toda a família
começa a atrapalhar o andamento da preparação, tipo jogando água no chope,
salgando demais a carne, furando o pneu do carro alugado. Ligando pros
convidados e dizendo que você em vez de gastar com a família e suas
necessidades está dando uma festa de arromba para impressionar as visitas...
Imaginou?
Então. Talvez por isso eu não fique indiferente dessa vez. Apenas acredito que
a carne do churrasco está comprada, a cerveja está gelada e eu já paguei por
tudo. Foi do meu bolso e eu fui consultado sim. Fui consultado sim. Repito: Fui
consultado sim.
Vivemos
numa república, uma democracia representativa. Quando se utiliza a urna como
privada é isso o que acontece: bilhões gastos num torneio que deveria trazer investimento
e traz vergonha inclusive aos organizadores. Apenas acho de uma hipocrisia sem
tamanho o cara estar dentro do estádio na abertura do evento, com o ingresso
comprado e tudo mais, e vaiar a pessoa que proporcionou a festa. Se merece a vaia
ou não o papo é outro, mas que é hipocrisia é. E da brava.
A
culpa não está no ônibus, mas botam fogo mesmo assim.
Dentro
de alguns dias começará a copa do mundo e o festival de hipocrisia começará: o
safado da fifa lucrando bilhões e dizendo que há problemas de estrutura, o
militante de esquerda pregando a revolução com uma mão e segurando o álbum da
copa completo na outra, o galvão bueno ufanizando todas as situações, o povo no
ônibus gritando que a culpa de tudo o que é ruim é da copa, sem lembrar que
tudo já era ruim antes disso e não vai melhorar sem leitura, senso crítico,
respeito às instituições, valorização do voto, exclusão de políticos corruptos
da cena pública, crítica verdadeira e tolerância ao contraditório.
Nada
vai melhorar e nem piorar com a copa, este é o grande problema. Vai tudo continuar
a mesma porcaria: ninguém assume a culpa.
Quer
saber, dessa vez eu vou é sentar em frente à tv, abrir uma gelada, assar a
carne na grelha e ver jogo após jogo. E qual a minha expectativa para o
mundial?
Resposta: Quem vai tirar maior proveito eleitoral.
Resposta: Quem vai tirar maior proveito eleitoral.
Assim mesmo. Parece que o problema da falta d’água foi resolvido, o da
violência, educação, narcotráfico etc. Tudo culpa da copa. Nação sem leitura,
opiniões simplistas. Sim, vai ter copa. E não importa quem vença, a história
está passando e nós todos perdendo as oportunidades de construir uma nação
verdadeira, com um processo civilizatório real e digno.
Mas
é assim mesmo. Logo logo esquecem de tudo. Em instantes começam a falar das
olimpíadas do Rio de Janeiro. Então voltamos tudo do começo.
Depois
o carnaval, os carnavais...
Até que se passem quatro anos e outra copa se inicie trazendo saudades do tempo em que lutamos por um país melhor... e fracassamos.
Até que se passem quatro anos e outra copa se inicie trazendo saudades do tempo em que lutamos por um país melhor... e fracassamos.
Afinal
o problema não está na globo...
Por Mauro Marcel
Por Mauro Marcel
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