quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

Doutorados, shopping centers e carimbos.

         Há algo de curioso nesses doutores de vinte e poucos anos que desfilam pelos corredores da universidade como quem acabou de zerar um videogame em modo fácil. Carregam diplomas recém-impressos, ainda com cheiro de tinta fresca, e uma pressa que parece ter sido fabricada em série. A academia, coitada, virou uma espécie de startup epistemológica, onde o pensamento precisa caber num pitch de cinco minutos e a tese é tratada como produto mínimo viável.

        Olho para esses jovens doutores e sinto uma pontada de espanto. Não pela inteligência, que às vezes até sobra, mas por essa ingenuidade altiva que só os que não tiveram tempo de errar o bastante conseguem ostentar. Doutorar aos 28 é como envelhecer sem ter passado pela adolescência: uma barba postiça encaixada às pressas no rosto.

        O problema é essa pressa institucionalizada, essa obsessão em transformar formação intelectual em linha de montagem. A universidade, que já foi monastério secular para os devotos do pensamento, agora opera como fábrica de neurônios prontos para consumo, embalados a vácuo. O saber virou fast-food: nutritivo na aparência, indigesto na prática. 

        Porque ninguém, absolutamente ninguém, leu o suficiente aos 29 para sustentar o peso olímpico de uma tese que se pretende adulta. O conhecimento é um organismo lento, desses que crescem como árvores teimosas em quintais abandonados. Requer silêncio, tropeço, reversão de opiniões, o tipo de experiência que o tempo deposita em camadas invisíveis. E tempo, nesse mercado acadêmico apressado, virou artigo contrabandeado.

        Quando alguém termina o doutorado tão cedo, o que mais me intriga não é o feito, mas o contexto que o produz. Há um culto estranho à produtividade, uma liturgia burocrática que confunde currículo com caráter intelectual. A vida acadêmica, antes balbucio, rumor e labirinto, tornou-se corredor polido de shopping center, cheio de promoções imperdíveis: “Publique agora e ganhe pontos na avaliação institucional.”

        No fundo, o que estamos testemunhando é a industrialização da mente. Cada doutor precoce é uma peça de vitrine que confirma o catálogo da eficiência. Só que conhecimento não é esteira, não é carimbo, não é contagem de páginas. É uma demora paciente, quase um vício melancólico, que exige o tipo de cansaço que só chega depois dos trinta.

        Mas vá explicar isso para quem coleciona títulos como figurinhas. Muitos ainda te olharão como quem escuta um velho reclamar da modernidade, enquanto desfilam com seus jalecos impecáveis e suas certezas recém-saídas do forno.

        E talvez seja exatamente isso que a academia perdeu: a dúvida antiga, desgastada, cheia de poeira e profundidade. A dúvida que não cabe num Lattes, mas sustenta o peso do mundo.