Opinião, conto, crônica, fotografia, poesia, vídeos, humor, crítica e o que mais se passar por esta cabeça. Clique nos links e escute os textos em formato podcast. Autor: Mauro Marcel - escritor, poeta e professor.
quinta-feira, 25 de junho de 2015
quarta-feira, 3 de junho de 2015
Televisão , viados e Holywood
Quando criança nunca percebi, mas os adultos ao redor (tios, primos, vizinhos) achavam que eu era gay.
Este não será um ensaio sobre preconceito, antes fora, mas desejo falar sobre a minha experiência nesse pequeno mundo chamado eu-mesmo.
Não sou homossexual, se fosse não sei qual seria minha postura, o caso é que durante todo o meu período escolar fui classificado como tal por todos os "coleguinhas", me insultando, intimidando, agredindo e até ameaçando contra minha vida. (Em algum outro ensaio relatarei a história de como fui ameaçado de morte dentro da escola por ser gay, eu que nunca fui homossexual sofrendo homofobia, a alteridade levada ao grau máximo).
Nunca tornei públicas estas histórias, talvez por vergonha (antes me ofendia ao ser chamado de bicha, hoje sei que isto não é ofensa, ao menos não para mim), ou por desinteresse, acho que em certo ponto familiares, adultos e "coleguinhas" tinham tanta certeza sobre minha sexualidade que comecei a duvidar e questionar: será que eles sabem de algo que eu não sei? Estão vendo o que eu não consigo ver?
Pois bem, o tempo foi passando e eu cada vez mais isolado, vivendo minhas experiências e quando me questionava, eu, a minha própria sexualidade, nunca encontrava espaço para outro homem em minha cama, o cheiro masculino sempre me enjoou, o corpo masculino nunca me atraiu.
Fui um típico moleque hétero: gostando de mulher pelada, curioso com a companhia feminina, etc. etc. Mas acredito que até algumas das quais me interessei, ou flertei tiveram dúvidas em relação a isto em mim, talvez me achassem um mal resolvido, um enrustido, talvez insinuassem que eu saísse do armário e eu nunca percebi, mas vejam só, nunca estive no armário e quando olho pra trás é com tristeza que percebo aquele menino ofendido que não era confuso, mas teve a cabeça confundida por um meio que não o entendia, o jovem-eu não era gay, apenas diferente.
Não sei como isso acontece nos dias de hoje, com as liberdades que somos forçados a ver nas novelas da Globo, nos filmes de Hollywood, nos pontos de ônibus, na sala de casa. Hoje explícito, a situação era velada e ainda o é, algo como um oxímoro: o explicitamente velado.
Me achavam gay porque em vez de ficar na rua jogando bola, rodando peão, gude, pega pega, em vez de fazer coisas de criança eu ficava em casa lendo e relendo os poucos livros e quadrinhos que a mim chegavam, isso e muita televisão. Diferente. Delicado, eu pedia licença para entrar nos lugares. Educado nunca cocei o saco em público, não falava palavrões. Sensível, chorava muito quando algo me atingia.
Como classificar o diferente dentro do modelo pré-existente numa mentalidade atrasada como a nossa? Fácil. Classificando dentro do pouco que se conhece: é delicado? educado? gosta de ler? chora muito? É viado. (Assim mesmo com i).
Durante muito tempo pensei que era especial, o único a ter sofrido preconceito a gays sem ser gay, mas não fiquei surpreso quando ao narrar minha trajetória, esta parte específica, ouvi o mesmo relato por parte de amigos, alguns diziam ter o mesmo tipo de julgamento: são chamados de gays apenas por não serem típico nordestino cangaceiro bebedor de cachaça e torcedor do Santa Cruz.
Antes, quero deixar claro, se é que ainda não fui, que não teria sido nenhum demérito a homossexualidade em minha vida, nem na minha nem da de ninguém. Não julgo o caráter de uma pessoa pela sua sexualidade. Acredito que tem muita gente mais preocupada com o cu dos outros que com o próprio caráter e o de quem quer que seja.
Eu sei o que um homossexual passa porque eu passei por uma fração disso, é claro, uma fração mínima da experiência toda, daí talvez eu seja tão aberto em relação a este tipo de discussão, tanto que nos meus dois livros "A divina tragicomédia humana" e "A cabeça do objeto" há personagens que se relacionam com pessoas do mesmo sexo. A discussão está lançada na Globo, em Hollywood e neste blog.
Sim, este é um ensaio sobre uma experiência pessoal. Não, este não será um ensaio sobre como destruir preconceitos, acredito que eles sempre existirão, o nosso caminho, o dos que pensam ou dizem pensar, é rumar à redução cada vez maior deles, a tolerância às diferenças, um exercício cotidiano de alteridade que começa no sofá da sala, desce o elevador e caminha pelas calçadas, mundo afora.
Não fiquei surpreso quando ao comentar o assunto em sala de aula com meus alunos, um deles relatou que passou pela mesma coisa. Assistindo a um vídeo do canal do Pirula no Youtube sobre preconceito com gays ele disse também ter passado por esta "experiência". Lembro de um colega da Unifesp do curso de História da Arte que disse ter vivido algo parecido. Mais de uma meia dúzia de amigos também. Pelo visto não sou tão especial assim, não sei se fico alegre, triste ou indiferente.
Vou continuar escrevendo e lendo. Pensando e repensando. Afinando e desafinando.
O lado bom de tudo isso é que me tornei sensível em relação ao tema, à vida real, ao outro. Sentir na pele o que um homossexual sente me fez mais humano, mais livre, menos preconceituoso. (menos preconceituoso não quer dizer sem nenhum preconceito, sou ser humano, carrego comigo meus erros), mas acredito que ninguém deveria passar por certas coisas: gays, heteros, bis ou confusos.
Este ensaio não é sobre preconceito, mas por um mundo em que cada um cuide do próprio cu.
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