domingo, 30 de dezembro de 2012

O T do tatu


O t está no começo e quase no fim do tatu. É metade do tatu. È quase o tatu todo.
O t do tatu está no começo de tudo, mas não está no início das coisas. O t do tatu é incognoscível e está em tudo o que é dilacerante.
O t do tatu está em todo trato, em todo pacto. É o começo do tango, é o começo do tapa.
É o fim do tricot de minha avó.
Não desfaz nenhum nó, pois está também no que é bruto e onde há Cristo.
Vejo o t do tatu em todo mártir. Em todo trote.
Como posso compreender o tatu sem chegar nos segredos do t? Sabendo que o t do tatu está nos mistérios. Sabendo que o t do tatu é metade do tatu e toma o tatu inteiro.
O t do tatu não está no mundo, mas está no início da terra.
O t do tatu não está no fim das coisas, está no meio dos postes.
O t do tatu é estático.
È grandiloqüente.
È quente.
Está no meio do que atravesso.
Está no texto.
Não está no verso.

sábado, 29 de dezembro de 2012

Ditadura, matemática e recordações


        
Era fim de ditadura, ou era o início de outra? Mas não tínhamos noção disso naquele ano, naqueles anos, era 1985, 1986, 1987 e a ditadura não existia. Não existia dentro da escola.
          Vinte anos depois a lembrança me traz à cabeça recordações de professores ditadores que não discutiam o sentido vocabular, ou histórico, talvez filosófico da palavra ditadura. Meu sonho era o de ser um professor naquele tempo, ao menos era.
          Hoje não tenho mais sonhos e nem sou um professor igual àqueles: que insultavam, batiam, castigavam. Professores donos de um saber enciclopédico que tinham como única função manter os alunos em silêncio e escrevendo muito no caderno. Escrevendo o que diziam ser importantes sem nunca dizer o porquê de tal importância. Uma matemática obsoleta, uma geografia bizarra, uma história mais bizarra ainda, nem as aulas de língua portuguesa se salvavam trazendo uma literatura descompromissada com o texto e mais próxima da falsa aula de história.
          Havia no meu tempo de escola falsas aulas, falsos professores, alunos alienados. Isso tudo ainda há.
          Mas hoje, conhecendo o sistema educacional por dentro, percebi que não há e nunca houve falsos professores, falsas aulas ou alunos alienados.
          O que há e sempre houve foi o ser humano em determinado contexto histórico-social, o que há são intenções sendo desenvolvidas, sonhos sendo iniciados, revoluções pessoais interagindo. A educação é uma fase da vida de alguns, uma missão para outros, salvação para muitos, desejos de outros tantos.
          Mas o que ficou daquela época foi a certeza de que não importa a época, se mais ou menos libertária, se mais ou menos ditatorial. O que importam são as pequenas tarefas e a maneira como são apresentadas e desenvolvidas. O ser humano acima de tudo, num momento especial de sua vida, descobrindo o mundo, trabalhando seus potenciais com maior ou menor intensidade.
  Tenho esperança de que a educação continue este organismo vivo que é: pessoas construindo e desconstruindo, “afinado e desafinando”.
          Pois tive uma educação da pior qualidade no meu tempo, mas quando reencontro um dos professores daquela época só vem a minha cabeça ótimas recordações. Quando me olho em meu interior percebo reflexos daquele tempo e vejo que a escola sempre será boa, mesmo quando ruim.
          Imaginem como será quando ela for boa de verdade.

Era ela - conto de Mauro Marcel


Era ela.
O sonho dela, o sono dela, o riso cada vez mais riso e nítido o riso dela.
          O tráfego era ela. O caminho era ela. O desejo por uma nova solução, a solução dela. A infância dela.
          Todos queriam um beijo e a boca pertencia a ela.
          Um pensamento não pensado, uma estrela a iluminar o caminho dela. Tudo ela.
          E foi ela e ele. No princípio ele por ela. Ela por ele. Um par perfeito, um dueto invejado, plagiado, amantes, sorrisos e abraços. O braço dele nela e o braço dela nele.
          Eram eles. Os sonhos deles. Deles o sono. O riso grandioso, grandioso riso deles.
          E cada vez mais ele que ela e ela cansando dele. O medo de perdê-lo. O medo de não tê-lo sem saber que a ele já não tinha.
image          Já não era nem ela nem ele.
          O dia dela?
          O dia dele?
          A mãe dela? O pai dele.
          O dinheiro dele separado do dinheiro dela. A família dele no natal deles e a dela numa eventual celebração sem ela.
          Cada vez menos eles. Ela esquecia-se dos sonhos. Os sonhos dela. Ele ignorando o que vinha daquela boca, o beijo dela, os risos, a voz suave e rouca, de seu coração os sonhos que antes tinha “os sonhos que ora eram ela e ele, dela e dele”.
          E foi ela pela rua. E foi o trânsito. Foi a curva. Foi o carro. Foi bolsa de um lado. Foi ela de outro. Foram graves feridas e foi muito triste a morte dela.
          O sonho dela?
          Onde está ele?
          O riso dela: parca lembrança no passado dele. 


(Conto vencedor do Concurso Palavra em Prisma - 2009)
Publicado no livro do concurso e a ser publicado no livro Cabeça do objeto e outras pedradas.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Verdade, medo e fraude.


É incrível como algumas coisas nos fazem acreditar num novo tempo, num novo sentido de vida, num novo caminho a seguir e outras nos jogam no atribulado redemoinho do absurdo e do caos.
          Palavra! É tudo mais uma crônica telúrica. Chamem os meninos do campo de futebol, eu decidi contar as verdades que ninguém conta. Tirem as moças do salão de beleza, “Não há muita beleza num salão de beleza”. Voltem todos do meio do caminho. Alguém decidiu contar toda a verdade e toda a verdade será dita.
          Se alguém estiver no meio de uma travessia a nado, vá lá e interrompa. Se alguém estiver no momento mais feliz de sua vida, por favor, deixe-o terminar. Ninguém tem o direito de interromper essas coisas. Outras tantas podem esperar. É tudo uma questão de saber administrar.
          Vou falar toda a verdade, toda ela. Sem meia conversa ou citações obscuras. Impeçam-me. Calem-me. A alguém devo prejudicar contando tudo o que vou contar. É muita coisa em jogo. O medo pode tomar conta da população, outros tantos tsunamis podem invadir praias em ilhas do Pacífico e matar turistas, sei lá, quem sabe um avião caia, mais um caindo e matando. A verdade pode matar a tantos e a mentira salva, mata e continua. Durante todo o processo civilizatório a única questão que permaneceu foi a questão da verdade. Será tudo verdade? Onde estará a verdade?
          Pois agora estou solto. Não acredito mais num novo tempo, nem em fadas, nem em anjos, Meu Deus, eu não acredito nem em Deus. Onde ficaremos se eu estiver certo? Nada existe. Tudo é uma fraude, um grande engodo. Se eu estiver certo todos morreremos e iremos para lugar nenhum, não seremos julgados por ninguém e estaremos perdidos para sempre, ou estaremos vivos nos corações de outros homens e mulheres através do dióxido de carbono que lançamos na atmosfera durante o curto período de tempo que estivemos aqui.
          Pois agora estou solto. Calem minha boca. Aniquilem-me. Não deixem que eu diga que as lendas são falácias, que a democracia é um sofisma e que a arte é única ação humana digna de nota. A expressão é o ponto onde o ser humano pode ser algo mais que lixo. A boa arte. A arte dos que criam. Não a arte fake dos pirotécnicos da mídia. Está tudo aqui. Agora que estou solto.
          Alguém chamou a tudo isto de pessimismo, eu não chamo, eu não classifico, eu não estou nem aí pra nada. A vida não tem final feliz, o amor é um engodo, a dor é o que nos une, a morte é a única certeza e o suicídio a única questão filosófica. Os poetas erraram, os filósofos também. Que bom que as pessoas dignas de admiração morreram. Outros tantos morrerão. Eu morrerei. Daqui a algum tempo não estarei mais aqui, não estaremos mais em lugar nenhum. Estaremos em todos os lugares, sendo servidos nas mesas de botecos em formato xadrez, maçãs em nossas bocas.
          Estou solto. Estou livre. Estou errado. Estou certo. Sou o pulmão que dá ar ao mundo. Não sou nada além de um moribundo. Tomara Deus estar errado. Rezo do fundo do meu coração para que meu coração me engane. Para que exista tudo o que não existe no mundo. Em algum lugar, em outra vida, de outro jeito, num outro olhar, numa outra chance na Terra ou em outro planeta qualquer.
          Tudo está do jeito que deveria estar e ainda há meios de ser feliz. Basta que você não leia esta crônica. Basta que vire seu olhar, basta passar despercebido porque eu não escrevi estas verdades pra ninguém, escrevi pra mim, pois como diria Cyril Connoly: “Melhor escrever para si e não ter público, que escrever para o público e não ter a si.”

Método



Tinha palavras, tinha sonhos, tinha até poesia.
Milagres feitos, ceias plenas de luxo.
De sobra tinha o vento a meu serviço,
as chuvas, a lua, o raiar da luz, o cair da noite,
qualquer coisa parecida com alegria.

Tínhamos o vento, o jeito certo, a hora vaga.
A lei – que não é justa
As guerras – que não acabam
O livro – que não é lido
Tínhamos tudo, muito, quase nada.

Era um sonho sem fim, dentro de uma alma encantada.
Éramos parvos desolados, em uma comédia - mais nada.
Era tu e o luxo.
Era eu e o fluxo.
Éramos passos, éramos estradas.
Vitrines opacas na hora do sono.

Um fim? Onde está?
O que será? Onde estamos?

Era o beijo roubado, o caco de vidro cortante,
Um transeunte – o que era
Um infante o que sou.

Mulher morta - poema de Mauro Marcel


mulher morta
mexa meu mundo
mude minha marca
mulher morta me mata
mostre móveis, monstros, mestres

mostre mais (miasma maldito)
mísero mítico
mostre-me muros
montes, montanhas
mostre manhas, medos, morcegos
mostre-me mesmo

mulher morta
mulher morta
mantra maldito
mito
mulher morta
minto
meu mundo mesquinho – mixo
meu mundo marcado – maçante
malcriado
mmm

melindre minha música
me molhe minguando
martela meu músculo
meça meu medo

mulher morta
mulher morta
mantra maldito
mito
mulher morta
minto
meu mundo mesquinho – mixo
meu mundo marcado – maçante
malcriado

medusa
mecê me mostrou minha massa
mecê marulhou mágoa máxima

meu mundo mudou:
motivado, movido, marcado

mostre-me:
mundos, mudos, mouros, magos, mirra, missas.

miseráveis mentirosos
miseráveis medianos

mostre-me mais

mulher morta
mulher morta
mantra maldito
mito
mulher morta
minto
meu mundo mesquinho – mixo
meu mundo marcado – maçante
malcriado

mudado
mereço morrer mutilado?
mereço morrer monofásico?

misture meus medos
mecê migrará mais mil monstros
moverá mil míseros mortos
metrópoles minguarão:
moçambique, macedônia, malásia, maranhão

meu mal margeia matutos
masturbação, menstruação – mucos


mulher morta
morto – meio
médio
minto

megatons martirizam meninos
maxilares mortificam meninas

minas morrem
manos minam
mapas movem

mulher morta
mulher morta
mantra maldito
mito
mulher morta
minto
meu mundo mesquinho – mixo
meu mundo marcado – maçante
malcriado

monitore monarcas monocórdios
mongolóides molejam migalhas
milito mimeticamente matrizes

meu mundo morre
meu mundo mata
meu mundo – manicômio
matrimônio

-mostre!
-mire!
-mexa!
-mate!

monarcas matizam massas
momísticos monarcas mandam
mamelucas malsoam manés

mulher mandrake
mulher manca
mulher moça
mulher mal-humorada
mulher maligna
matraca
mulher megalocéfala
me mata

mulher morta – me mata
mulher morta

mantra maldito
mito
mulher morta
minto
meu mundo mesquinho – mixo
meu mundo marcado – maçante
malcriado

marrento, macilento
manuscreva minha marca
minimize milhões
monte mansões

mecê me mostrou meus monstros
moveu meus marcos
morro morte minha
minha morte

mulher morta
meia morte
marte – minto

morro mesmo
mulher morta
mulher mantra
mulher mestra

mulher mito.

                                       Mauro Marcel

Avó, marketing e trâmites

          Minha avó faleceu e agora sinto a saudade que a falta de uma avó causa. Puxa vida, esta é uma crônica póstuma, a mãe de minha mãe faleceu há quase dois anos e naquele momento, eu, como uma rocha, fui eleito pelo destino para desenvolver o papel do parente que corre atrás dos tramites e consegue resolver tudo de forma a fazer com que cada familiar veja o morto (no caso, a morta) de maneira confortável no caixão para assim poder prestar os ritos finais à vida do que vai. (Da que foi).
          Minha avó se foi há dois anos e percebi hoje, pelos olhos de uma senhora que subia com dificuldades uma ladeira, agarrada aos braços de uma filha com ar resignado, que o tempo passa, que ele é inexorável e que nunca mais verei minha avó.
          Este era o momento em que começaria a falar a respeito de como os jovens tratam os velhos como seres humanos de segunda classe, de como a mídia endeusa a beleza e a juventude, restando aos que passam, aos que passaram o vexante papel que lhes é imposto. Neste momento poderia começar a falar (escrever) tudo isso, de como somos inconsequentes em pensar que jamais envelheceremos, que somos imortais, que os nossos filhos cuidarão de nós, que teremos uma velhice tranquila e saudável ao lado de nossos netos, que morreremos de forma súbita durante o sono.
          É claro que poderia falar sobre tudo isso, mas não vou. Falarei de minha avó que perdeu seu marido cinco anos antes de morrer aguentando apenas esse tempo sem ele.
         Meu avô teve um fim bem trágico: morreu na casa dos setenta, fumou desde os sete, passou por um câncer de garganta que o definhou em seus últimos dois anos de vida. Minha avó assistiu a tudo, assistiu meu avô, assessorando-o em todos os seus momentos de dor e angústias finais. Ela mesma passou por estes momentos pouco tempo depois: enfrentou vários acidentes vasculares e foi ficando aos poucos paralisada, até que uma pneumonia levou-a deixando-me órfão de avós.
          As pessoas vivem desesperadas, vivem sem perceber as flores, vivem sem perceber o sol. Meu Deus, eu nem olhei para o céu hoje. Que lua será essa? E eu vou morrer. É fato. Também é fato que se for daqui a muito tempo eu terei de enfrentar as mesmas situações que meus avós enfrentaram. Será que eu teria tanta dignidade?
          Lembrei-me de minha avó por ver esta dignidade nos olhos da senhora segurando no braço de sua filha subindo aquela ladeira e percebi que o mundo não é do tamanho de uma vírgula neste texto infinito que é o universo e que chegará o tempo em que estarei segurando nos braços de alguém e subindo uma ladeira. Chegará o momento em que alguém correrá os tramites para que eu me vá em paz após uma oração, num campo santo qualquer de uma cidade qualquer, talvez esta mesma. Não espero mais que isto.
          Espero mais do mundo. Talvez que os velhos, sim, velhos; que os velhos não se ofendessem com a idade que os anos lhes impuseram. Impuseram? É assim que a vida é. As pessoas passam, não ficam tão belas por fora, ficam grandiosas por dentro. Grandes de uma grandeza tão superior que não somos capazes de compreender, desejando que eles apenas passem, que morram e nos deem menos trabalho. Nossa vida tem pressa para acontecer. Nossa vida será maior que a vida dos que passaram. Tudo será muito maior ou muito menor. Num tempo onde tudo está oculto e que as opiniões e sonhos são comandados por publicitários.
          Temos que consultar sempre o pessoal do marketing antes de desejarmos qualquer coisa.
          Sinto pena de velhos que dizem ter um espírito jovem quando a única coisa boa da velhice é ter o espírito carregado da velha sabedoria que a velhice trás.
          No fim minha avó foi se encontrar com meu avô que foi o grande amor de sua vida, apesar de eu nunca ouvi-la falar de amor. E perceber todo o amor de doze filhos em seu velório.
          De fato esta se tornou uma crônica pra lá de triste, porém mais triste é perceber que as pessoas demonstram amor umas pelas outras apenas no derradeiro e último momento de partida.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Angústia


O marido continuava roncando. Parou em frente à cama e passou a contemplá-lo: sentou-se na poltrona que ficava ao lado da mesma e cruzando braços e pernas, começou a pensar em como diabos teve coragem de diante de um padre, da Santa Madre Igreja e de Deus, jurar amar aquele desgraçado até que a morte os separasse.
Seus olhos negros ainda não haviam acordado para o dia. Ela dormia e foi em silêncio que acordou.
Sem dizer palavra alguma e com olhos ainda encobertos pelas nuvens dos sonhos observou o marido que permanecia roncando na cama.
Quantas recordações a assombravam!
Quantas esperanças deitadas e roncando.
Lembrou-se de quando era jovem e alegre, não que tivesse envelhecido. Definitivamente não havia envelhecido.
Havia sonhado com o dia de há dez anos. Com o seu casamento. E percebeu que acordar não é uma coisa muito boa de fazer com o passar dos anos.
Até que a morte os separasse. Até que a morte...
A frase ficou martelando em sua cabeça.
Levantou-se. Foi à cozinha. Colocou meio litro de água para ferver. Foi ao banheiro e olhando-se no espelho viu que ainda era uma mulher bonita.
Saindo viu que a água já estava fervendo. Foi ao quarto onde o marido dormia:
-Acorda, amor. Tá na hora. Vai se atrasar pro serviço de novo. O café tá quase pronto.
Beijou-o na boca, com a certeza de que aqueles pensamentos a atormentariam até o fim. Até que a morte os separasse.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Maria da Penha, câncer e pleonasmo


                
               Nas últimas semanas uma lei importante surgiu dentre as tantas que nos povoam a constituição: a que obriga os hospitais darem tratamento médico a doentes de câncer em um prazo máximo de 60 dias após confirmação de diagnóstico.
               Salvo alguma imperfeição em meu português a informação está bem clara: se você conhecer algum doente de câncer, ou mesmo você tiver um tumor (deus me livre), o governo é obrigado, por lei, a te tratar no prazo de dois meses.
               Justiça seja feita, é mais que necessário o rápido atendimento, ainda mais quando se trata de tumores malignos, as chances de cura aumentam exponencialmente quanto menores as distâncias entre suspeita, diagnóstico e tratamento.
               Exagerada foi a visibilidade dada pela grande mídia à notícia, recebida a nova lei como exemplo de avanço na saúde pública.
               Veja bem, não estou nem aí pra quem pensou, tramitou, aprovou esse retalho na constituição, me interesso por haver cada vez menos hospitais pra tratar doentes. Doentes graves, pouco graves, muito até, câncer, acidentados, terminais.
               É muito mais fácil aprovar uma lei que construir hospitais, formar médicos, inaugurar novos cursos de medicina, investir em saneamento básico – o que evitaria muitas das doenças que mais matam os brasileiros.
                Não estou nem aí mesmo pra esta lei. Se algum dia eu tiver câncer, não vai adiantar levar a fotocópia da carta magma com o referido trecho em negrito e exigir atendimento.
             Os hospitais estarão fora da lei. Quem será preso? Quem será o culpado quando houver metástase?
               Não quero cair na mesmice das críticas, eu sei da importância da construção de estádios pra copa e olimpíadas, embora eu saiba que investimentos maciços em educação sejam muito urgentes (minha consciência diz que são mais urgentes).
               Quero criticar outra característica do Brasil que vejo pouco analisada pelos “sérios” articulistas: o Brasil quando não consegue resolver um problema, inventa uma lei – e não a cumpre.
               Em vez de educação familiar e formação de base – lei da palmada.
               Em vez de investimento em saúde – lei que obriga o tratamento em menos tempo.
               Em vez de respeito a tudo e todos – lei Maria da Penha.
               Isso apenas citando três casos. E antes que alguma feminista me venha encher os patovás  pela citação à lei Maria da Penha, é claro o avanço. Mas o estado deveria garantir apoio integral à mulher: educação, proteção, respeito. Inclusive educação aos homens, para que entendam seu lugar, sim, um ao lado do outro. Iguais. E punição severa a qualquer forma de agressão.
               Para que não fiquem dúvidas, vou tentar me fazer entender melhor com mais exemplos: o Estatuto do Idoso é digno de países avançados, mas o fato de existir um estatuto não garante que os idosos serão respeitados. É um avanço enorme, inibe maus tratos, mas não garante nada.
               Ainda existem menores abandonados décadas depois da criação do Estatuto da Criança e do Adolescente.
               O que garantiu universalização do Ensino não foi o ECA, foi a construção de escolas, o que vai garantir a melhoria da educação é investimento em salário e formação e educadores d. O ECA aplaudido e fechado na estante é letra morta.
           Já há uma lei que garante tratamento devido a todos, sem distinção de raça, credo, cor ou religião; chama-se Constituição Federal. Criar uma lei sobre a lei é o que meu saudoso avô Gainete dizia ser: “Chover no molhado”. Eu chamaria de pleonasmo.
              Prefiro a denominação ‘propaganda ideológica’. Mas isto será assunto pra outro momento, por enquanto recomendo o livro “O que é propaganda ideológica” do Nelson Jahr Garcia, da coleção Primeiros Passos da Ed. Brasiliense. Ótimo livro.
               Celebrar leis no Brasil é tão típico quanto celebrar o carnaval. Temos que tomar cuidado com esse tipo de situação e pensar em como pôr a letra nas ruas, nas mentes, nas ações, transformando-a em políticas públicas que garanta o que propõe.
              Mas esse é o meu país, um local onde levam mais a sério o Código de Defesa do Consumidor que a Lei de Diretrizes e Base da Educação. Um país tem a cara de seu povo.




sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Café com leite, celular e engenharia


            
Imagine sua mãe passando muito mal, imagine você a levando ao melhor hospital (na nossa imaginação coisas assim são possíveis), então imagine que sua querida progenitora é levada pelo médico e horas depois você recebe a notícia de sua morte.
               Comoção. Tristeza. Choro.
               Tudo isso se transforma em revolta quando você descobre que um enfermeiro (ou enfermeira – pouco importa nessa hora) o profissional graduado da área de saúde trocou a medicação, e em vez de injetar o medicamento prescrito, injetou café com leite na veia da sua mãe.
               Perder os pais faz parte da vida, inevitável como o tédio, a velhice, a própria morte, os impostos; mas o que acontece na situação acima é assassinato simples.
               Várias teorias especulam sobre os motivos que levam enfermeiros a cometer tais barbeiragens no trabalho, grosserias que custam vidas: crianças que recebem na boca ácido pra tratamento de verrugas genitais, ar comprimido no lugar do oxigênio direto nos pulmões, o caso do café com leite narrado (que não é ficção e se fosse seria de muito mau gosto).
               Os cursos de enfermagem e medicina precisam melhorar? Claro. Os hospitais brasileiros são precários? A maioria. Os profissionais precisam ser valorizados? Não há dúvida.
               Mas erros grassos como os citados seriam evitados com uma simples leitura do rótulo. Mesmo com uma rotina de trabalho estafante e jornadas de trabalho exaustivas, trocar informações tão díspares beira a intencionalidade. E não há intenção em fazer o mal, mas o que fazer quando mal está feito?
               É isso. A mãe está morta.
               Morta de forma ridícula.
            O que fazer é buscar as causas para que não se repita com outras mães, outros filhos, mais café com leite injetado em outras veias.
               A nossa sociedade, carente de atenção, carente de carinho, viciada em aparelhos incompatíveis com determinadas tarefas.
               Já entrei em consultórios e tive de esperar o médico terminar a ligação para só depois ser medicado, já vi enfermeira preparando o medicamento com o celular na mão; não pense que estou pichando os profissionais da saúde, a vasta maioria se entrega ao trabalho sem restrições, concentrados, abdicam de lazer, família e de si, por isso mesmo que não é aceitável este comportamento por parte de uma meia dúzia, meia dúzia que aparece muito quando faz besteira.
               Assim como o professor que atende o celular na sala de aula e deixa o aluno usá-lo em momentos que deveriam ser de concentração com o aprendizado. Sou professor e sei o mal que um celular pode fazer ao aprendizado de um estudante. Falsos pseudoteóricos que se dizem modernos e nunca pisaram numa sala de aula pra ensinar, pregam a autonomia citando Kant, Freud, Marx e até Caetano Veloso; esquecem de olhar a sociedade distraída com crianças de cinco anos atendendo o celular enquanto o professor explica a forma adequada de escovar os dentes.
               O motoqueiro passando SMS enquanto pilota velozmente na rodovia presidente Dutra. O estudante de engenharia que passa o tempo de sua formação acadêmica curtindo e compartilhando no Facebook; a torre de Pisa na Itália tem quase mil anos da construção dos primeiros andares, inclina, mas não cai. No Rio de janeiro, no início de 2012 um prédio de cinquenta anos caiu arrastando ao chão outros dois. Motivo? Simplesmente retiraram as vigas que sustentavam o edifício.
               Até o meu primo, servente de pedreiro – semi analfabeto, não se atreveria a retirar a viga principal de um edifício, mas obedeceria se a ordem para retirada viesse do engenheiro formado pela universidade federal/estadual/oficial dos quintos.Engenheiro formado em curtir e compartilhar.
               Essa sociedade distraída gera bizarrices dignas de filmes como “Top gang”, “Corra que a polícia vem aí”, “Quanto mais idiota melhor”, “Apertem os cintos, o piloto sumiu”, “Idiocracia”.
               Se você teve a força de chegar até este ponto da leitura você é um herói. Estamos num tempo de leituras rasas, pessoas distraídas, olhares perdidos.
             E não pensem que tenho algum tipo de tecnofobia, a questão é saber o lugar de cada coisa.
             Os seres humanos sempre leram pouco, e sempre foram distraídos, preguiçosos e carentes, a questão é que hoje todo esse caos é institucionalizado. É bonito ser raso, distraído e perdido. É a inclusão da imbecilidade.
            Coitada da minha mãe quando for ao médico. Ou coitado de você no seu apartamento classe média com todas as vigas “muito” seguras. Coitados de nós atravessando a rua e um motorista passando SMS enquanto não faz a curva.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Leiam poemas, contos e outras estruturas minhas neste site...

http://sitedepoesias.com/poetas/mauromarcel


Projeto eu olhando

Não olho, agarro!

Olha o protesto.

Olha os heróis.

Olho, mas distraio e não olho.

Olho um trooper decepado.

Escritor na livraria olha o outro.

Olhar a estranha obra de... arte?

Olho o MASP

Olho e não vejo a rua....

Olho ou escuto?

Street art...

Olho alguém cavando o próprio túmulo.

Olho o quarto distorcido do Van Gogh.

Olho o como o Van Gogh se via.

Olho a cômoda cômoda.

Olho o jogo de volleyball...

Blues brothers e eu olho...

Olho os falos do ocidente...

Olho o ser de correntes...

Olho a neve...

Olho e não enxergo nada...

Olho um enorme prédio de lego...

Rabo de olho...

Olhando a cabeçona...

No meio de tanta neve, como é bom olhar um pouco de verde...

E eu olho mais...

Vitrais foram feitos pare serem olhados.

Olho o material histórico autografado.

Olho a entrada do Navy pier..

Olhando o beer place...
Olhando os olhos...

Olhando o Chicago Tribune

Olha o frio.

Grand Lux Cafe (I recommend)

Olha a neve.

Ramones, canecas, Sant'Anna

Grafite é pixação de elite e eu olho...
São muitos Ms...

Olho pra me distrair e quando acaba a gente inventa...

Treinando um selfie de eu olhando....

Ela olhando...

Anda e olha.

Olhaaaaa!!!!
Olha a estátua alada.
Olhe nos meus olhos.

Olho o sarau.
Olho e penduro a arte.

Olho os discos do passado.


O olhar sobre a sétima arte. Coca cola é isso aí...

Achei uma Mônica pra olhar...
Olho os Ramones na escola... Pra que aprendam o que é Ramones.

Meu deus mas que cidade linda, no ano novo começo a trabalhar...

Olho a revolta da Clarice.

Olho.

Olho a anoréxica.
Olho o pecado.

O que ele está olhando?


Olho o Eddie...
Olha ele, olha ele. olha ele!!!!

O abismo do rock paulistano...

Quem olha?
Olho o que será comido...

Olho o símbolo
Olha a fonte japonesa...

E eu olho...

Lá longe eu vejo o que eu olho.

Estranho obelisco...
Um herói?
Alguém tentando citar um herói. (herói?)

Protegia os livros?
Olho e não acredito.

Ninguém foi morto.

Olho e não escuto nada.

Me pergunto o que eles escutam.


Olhar...
Enquanto olho as fotos as fotos me olham.
Robô de imprensa.

Olho a roda.

Arte?

Um olhar antigo?

Olhando na escola

Eu olho eles olhando.

Olho os olhos dos gêmeos.

Eu pego e olho a bosta.

Olho o Optimus Prime...

Olho o pirulito e olho o lixo...

Um sabre de luz não te faz um Jedi.

Olho um canhão feito de restos...

Olhos ao alto, é um pássaro? É um avião.

Uma nave espacial e eu olho.