quinta-feira, 18 de abril de 2013

Funk, Beethoven e Amado Batista

         No final do ano passado organizamos, um café filosófico na escola que trabalho com o tema: Música e funk. O texto que segue é uma tentativa de sintetizar um pouco do que foi aquele momento.
          A música começou de forma primitiva. Um cara nas cavernas bateu uma madeira na outra e bateu de novo e de novo e anoiteceu. A fogueira acesa, as madeiras batendo, as pessoas se remexendo, alguém trouxe um tambor, outro começou a fazer sons incompreensíveis com a boca, algumas meninas em cima de uma árvore começaram a bater palmas.
           Na manhã do dia seguinte só comentavam a noite do batuque, prometeram repetir a festa e repetiram, alguns trouxeram pedras, outros chifres de animais mortos, pessoas vinham de longe e aprendiam a batucar. Alguém serviu o que sobrou do javali morto do dia anterior, um rapaz trouxe uma bebida fermentada de restos de arroz, ficaram alimentados e bêbados.
            Assim inventaram a música, a festa, a confraternização, o transe hipnótico que só o ritmo é capaz de trazer. (Grosso modo, bem grosso modo, foi assim que aconteceu).
          Também grosso modo a nossa música, a escutada hoje, tem raízes europeias, africanas, indianas,  árabes, vivemos num caldeirão de sons e ritmos. 
           Hoje é tudo muito diverso, as rádios não tocam mais músicas, as canções estão agonizando (há muito e muito tempo). A extensão MP3 nos permite acumular mais de 10.000 canções em um aparelhinho do tamanho de um dedo médio.
           Talvez essa banalização é o que tenha retirado o caráter de celebração da música e explique um pouco do vazio presente nos argumentos das canções. 
           E é nisso que está o cerne da questão: o funk é vazio. E qual é o problema?
          Quero falar de um ritmo que nasceu nos morros cariocas, som de negro, de favelado. Um ritmo que era escutado de forma marginal por gente de baixa renda, não era aceito pelas grandes gravadoras, símbolo de pouca qualidade musical, de pouco nível intelectual do apreciador. 
           As festas consideradas orgias, as dançarinas chamadas de prostitutas, os compositores detratados. Até que alguns brancos descobriram o que acontecia e começaram a apreciar o ritmo, primeiro alguns brancos ricos, depois espalharam a notícia, o ritmo foi escutado, apreciado e enfim aceito como baluarte da cultura nacional. 
          Estou falando de que ritmo? Sim, dele mesmo: o samba.
          Não tenho o menor medo da comparação.
       Com o funk de Tati Quebra barraco e Claudinho e Boxexa acontece o mesmo que aconteceu com o samba de Noel, Cartola e Martinho da Vila.
          Há muita gente que deveria estar mais interessada em olhar o próprio nariz, ler um pouco de história (do Brasil, da América Latina, da arte, do mundo).
          Música não é argumento, o nome disso é livro. Música é outra coisa. 
          E nem tudo é narrativa, se música de qualidade fosse música com boa letra Beethoven seria um nada, ele e os demais clássicos, assim como os mestres do Jazz. 
          Infelizmente o Brasil é um país de memória curta, uma nação que não está habituada aos livros, com uma porção de gente com opinião, pessoas que não sabem que opinião sem argumentos é boato. 
        Dizer que o funk é uma porcaria  é semelhante ao que diziam do samba quando este começou. 
        O funk não conversa comigo, não é minha música, mas chamá-lo de barulho se equivale ao que os pais da geração beatnik  diziam do rock. 
        Arnaldo Antunes tem uma canção maravilhosa que na letra diz que há "música para ouvir no trabalho, música para jogar baralho, música para arrastar corrente, música para subir serpente" e nesse mundo de banalização da canção há até "música para ouvir". 
           Qual é a música para ouvir?
          Ouvidos preconceituosos que querem ouvir música para ouvir na hora de ouvir música para dançar. Querem música para tocar no estádio na hora da música para ninar nenê. 
             E no fim é só música.
          Demorou muito para mim e meu heavy metal aprendermos que a minha mãe evangélica tem outra história de vida e não vai ouvir comigo o "The number of the beast" do Iron Maiden. O caminho é outro.
         E que papo de velho esse de que "essa dança só ensina o que não presta". "Baile funk é lugar de sexo e drogas". 
          Infelizmente, esse papo de sexo e drogas é coisa de juventude. 
        Quem se incomoda com isso é porque não é mais jovem. Já foi Jazz, drogas e sexo. Rock, drogas e sexo. O ritmo da vez é o funk. E é sempre bom procurar informações idôneas. Há um exemplo bacana: o filme "Grease" tem um baile em que se dá uma mostra de como eram as danças em bailes dos anos 50 ao som de rock. A dança é a do funk. 
         Voltando um pouco seria o jazz. Voltando mais seria alguma outra dança mais antiga, até chegarmos naquele cara batucando as pedras, os tambores e as madeiras. Não é música para ouvir, é música para dançar.
          Nunca entendi a música eletrônica, até que aceitei o convite e fui a uma rave. Tudo fez sentido. A música eletrônica é maravilhosa, na rave, num clube noturno, numa festa, dançando com muitas luzes pipocando. Nunca na sala da minha casa, no auto falante do meu aparelho de som. 
          Há ritmos muito menos perseguidos pela mídia e senso comum, mas que são verdadeiras latrinas musicais como o lixo do sertanejo universitário, o excremento daquele negócio chamado sambô e muita merda musical criada pela mídia com a função única de vender discos, shows, modas, carros, carroças. Não há personalidade alguma num cara que veste bota, fivela, chapéu e nunca montou num cavalo. Não tem o menor direito de ser chamado de sertanejo. De que sertão?
          O Funk (assim mesmo em maiúsculo) é uma expressão legítima da população carioca, conquistou espaços, abriu caminhos e não precisa argumentar, mas argumenta: "é minha, é minha, a porra da buceta é minha" é o que grita a Tati Quebra Barraco. 
         A Rita Lee com seu rock/pop bem água com açúcar melodiava nos anos 70: "me vira de ponta cabeça, me faz de gato e sapato, me deixa de quatro no ato, me enche de amor, de amor e lança perfume". 
          Se uma filha da classe média paulista canta pra ser deixada de quatro e pedir lança perfume pode, porque uma filha dos morros não pode dizer que a buceta é dela e ela dá pra quem ela quiser?
          Falta poesia? Falta educação? Falta noção? De quem? De quem canta ou de quem escuta? 
          E eu não estou esquecendo dos idiotas que ligam o som no último volume empurrando-nos ouvido adentro o funk deles de cada dia. O problema é que há mal educados ouvindo tudo que é tipo de música: sei todas as canções do Amado Batista graças ao vizinho que morava ao lado da minha casa em minha infância, e não só ele: forró, reggae, pagode, axé. Até eu ter o suficiente pra comprar o meu aparelho e destilar o vil metal nas orelhas da vizinhança. Não sei se incomodei, acredito que sim, mais provável que não.
          E não se engane: uma coisa é música, outra é canção. 
         Canção envolve letra (voz) e melodia com instrumentos musicais.
         Música é muito mais.
         E não se engane de novo:
       Há safadeza em letras de canções desde que elas foram inventadas. O Funk não inventou isso, se assim fosse, seria até um ponto a mais a ele. Pena não ser. Há letras sacanas na França, Estados Unidos, Inglaterra, Arábia Saudita, Irã, Austrália. 
        Afinal, até as abelhas, os pássaros e os insetos transam. E foi Ella Fitzgerald quem cantava canções assim.
          Enfim, o Funk não é pra mim, nem ele, nem o sertanejo universitário, o pagode do sapato caramelo dos anos noventa, ou a perdida esfregando os ovários na boca da garrafa tentando ganhar a vida dançando  no programa dominical da rede Globo. Nada disso é pra mim, não por eu ser melhor, mas simplesmente porque não conversam comigo, com minha história, minha personalidade, meu jeito de ser. No fim é só música, apenas isso.
          Mas quando discriminamos, deixa de ser apenas e passa a ser outra coisa. Quando um cantor grita e assim conquista sua voz, a canção passa a ser muito mais. Não é meu jeito de gritar, mas não vou tampar os meus ouvidos.
          Vou escutar Reggae, Rap, Rock, Jazz e quando der vontade, por que não? Funk. O do James Brown e do Tim Maia, afinal, ainda acredito que um pouco de classe seja preciso.

14 comentários:

  1. Sei que vou desagradar a você Vinícius e a você Rodrigo fãs do sertanejo universitário, mas o que fazer, gosto de incomodar.

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  2. Olha Mauro, desagradar é pouco. Você no seu retrocesso musical encontrou origens didáticas, filosóficas, sociológicas e culturais para o funk. Porém... ah! porém, há um caso diferente (como diria Paulinho da Viola) e este é, se não, a bola da vez ( diga-se o clichê da vez), o famigerado sertanejo universitário. Você foi na rave e viu sentido na música eletrônica certo? Você foi no rodeio? Você foi num bar sertanejo? Você sabe o que as pessoas estão fazendo por lá?? Não... elas não estão comendo criancinhas. Ela estão... (pasmem)... dançando, bebendo, beijando, paquerando, curtindo. Simplesmente não devendo nada pra ninguém. Mas não... pros modernosos que se acham superiores porque gostam de rock mesmo sem entender absolutamente nada do que estão ouvindo ( eu quero segurar sua mão repetido mil vezes é infinitamente superior que qualquer letra sertaneja, seja ela universitária ou não, certo? Óbvio que sim já que é dos Beatles) isso é coisa de jagunço ignorante que não teve acesso à musica de qualidade feita pelos americanos não é? Sabe qual a origem do rock Mauro?? É a musica Country, que por sua vez é a origem do "sertanejo universitário". E tem mais, este "sertanejo universitário" bebe muito na fonte da música caipira, que é a única música genuinamente nossa; brasileira, sem origens americanas, europeias ou africanas.
    O fato de você falar num tom tão absolutamente pejorativo e preconceituoso com relação à música sertaneja, simplesmente desconstrói todos os seus argumentos que se pretendem "abertos" ou "despojados". Sem essa...
    PS: Se você sabe todas as músicas do Amado Batista, não é porque o seu vizinho ouvia, e sim, porque as músicas falavam com você, grudavam em você, mexiam com você e, no fundo... você amava ouvi-las. Duvido que até hoje você não cante: "Princesa, a musa da minha poesia, ternura da minha alegria.. em meus sonhos quero te ter...
    Vai te catar seu pretensioso. Quem você pensa que é?????? O Nelson Motta??? É a tua cara mesmo...
    Abraços.

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  4. Caro Rodrigo, adoro seus comentários. Adoro mesmo. Mas eu já fui a bar com música sertaneja, já fui à rodeio, sempre que eu fui encontrei mais do mesmo.
    O sertanejo universitário só não é sertanejo, é apenas um bando de gente com camiseta colorida, com estampa dourada ou prateada, calça apertada, etc etc. Gente que não quer ser caipira, quer o dinheiro dos caipiras (caipira sem nenhum sentido pejorativo, o caipira narrado por Monteiro Lobato, pintado por Almeida Jr, o caipira do interior de São Paulo por ex., o caipira que não vejo nestas músicas) e nem vejo cantando no "Viola Minha Viola" ao lado da Inesita Barroso. Não que seja um pré-requisito ser caipira para ser sertanejo, mas é do que nós estamos falando, não?
    No fim, é apenas música, mas também é cultura, você sabe que o Luan Santanna, o Gustavo Lima e coisas do tipo não são expressões legítimas de cultura alguma, apenas expressões de mercado, pasteurização absurda. Não são sertanejos, não são cultura, são a coca cola da vez, assim como foi a banda Reflexus, o Kaoma, o Dominó, o Polegar.
    Em algum momento eles voltam, mas da primeira vez a história acontece como tragédia, na segunda comédia.
    O rock tem raízes no country, no blues, no jazz. O sertanejo universitário tem os raízes sólidas nos institutos de pesquisa consultados por gravadoras, produtoras e empresários mais interessados em grana que em qualidade artística. Mas o rock também é assim, por isso quando eu o citei, citei o dos anos 50 e 60, hoje é tudo uma grande caixa de areia de gato. Bonita e inofensiva por fora, cheia de merda por dentro.
    Adoro música sertaneja: Tião Carreiro, Almir Sater, Pena Branca e Xavantinho, Barrerito, Tonico e Tinoco, até alguns acertos do Daniel, do Chitãozinho e Xororó, Zezé de Camargo e o irmão dele sem nenhum talento.
    O Amado Batista fala tanto comigo quanto o jingle do Bamerindus do Domingão do Faustão dos anos 90 ainda fala aos meus ouvidos. Não são música para ouvir, não são nem música. Pelo menos o Amado Batista é mais integro e coerente que muita gente que se diz sertanejo. O Amado Batista, o Odair José, o Fernando mendes, o Waldick Soriano, se declaram o que são: cantores de dor de corno.
    É o que os universitários da viola deveriam fazer, ou isso ou enfiá-la no saco.

    Abraços Rodrigo...
    KKKKKKKKKKKKKKKKKK

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    1. Olha, eu não ia continuar chafundando na lama não, porém, não dá. Você ta defendendo algo como "a porra da buceta é minha" como uma espécie de reflexo ou manifestação cultural. Já o sertanejo universitário não, este é um "produto". Com isso eu até concordo mas esse funk não o é? Você acha mesmo que essa música oriunda do guetos e comunidades é diferente? Esse pessoal é cercado de empresários, produtores e gravadoras que também oferecem um produto que o mercado está interessado em consumir. O que quero dizer é que tem coisa muito ruim e tem coisa muito boa, tanto num quanto noutro. Não dá pra defender um lado como sendo "a mais pura manifestação cultural de um povo" e jogar o outro no lixo como sendo "um enlatado". Mas tudo bem... se a porra da buceta é tua, da ela pra quem você quiser então que já amanheceu, eu peguei a viola, botei na sacola e fui viajar... um pouco desconfortavelmente é claro por que a calça jeans tá apertada pra cacete!
      Abraços.

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  5. Se esse texto valeu alguma coisa foi esse debate.
    Abraço!

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  6. eu vou lançar um desafio aqui amigo Mauro marcel, vamos fazer um debate do Sertanejo VS rock, oq vc acha? servirá pra mostrar a voce, as reais contribuicoes do sertenejo contra o seu decadente, arcaico e retórico rock!!!!

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    1. Mas Vinícius, eu adoro tanto o sertanejo. Não tem como discutir.
      O problema é que eu acho que o sertanejo universitário está para o Sertanejo como o Raça Negra, Revelação e Molejo estão para o Samba.
      Neste contexto, Barrerito está para o Sertanejo como Noel Rosa está para Samba.

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  7. Mauro,adorei o texto...
    Mas estou me deliciando mesmo é com o debate! kkkkk
    E o pior, todos tem razão!
    O funk realmente não é um ritmo para ser ouvido, apreciado, algumas vezes acho-o engraçado, assim como é divertido o sertanejo ou o batidão...
    No entanto, um só contextualiza-se com a dança, enquanto o outro, muitas vezes contextualiza-se com a saudade, a dor...
    Vinicius, você tem toda razão ao dizer que o rock é arcaico, porém o sertanejo é ainda mais antigo, e tudo se renova, é o novo do velho, ou "o mais do mesmo" como diria Renato Russo ("corta pulso" como diz a Paula,kkk).
    Além do que, na minha opinião, estilo musical deveria entrar para a lista de coisas que não se discutem: politica, religião,futebol e estilo musical. kkkkk

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    1. Concordo com tudo o que você disse Nani, menos com a questão de estilo musical não se discute. Acho que devem ser discutidos sim, tanto ele como religião, futebol, política, tudo isso.
      E ainda mais com argumentos tão legais quanto os postos aqui.
      Só tenho a agradecer por prestigiarem o blog.
      Valeu!!!!

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  8. Gostei muito do texto e gostaria apenas de fazer um comentário acerca do Funk Carioca - prefiro defini-lo assim para que não seja confundido com o Funk de George Clinton ou Sly Stone. Pois bem, quando o Funk Carioca começou a ganhar força e ser bastante ouvido há uns quinze anos atrás mais ou menos as letras tinham um caráter diferente, tinha um funk que versava assim: "era só mais um Silva/ que a estrela não brilha/ ele era funkeiro/ mas era pai de família". Lembro-me de mais um outro que dizia: "Eu só quero é ser feliz/ Andar tranquilamente na favela em que eu nasci/ e poder me orgulhar/ e ter a consciência que o pobre tem seu lugar." O que aconteceu com as letras de caráter social que o Funk Carioca trazia? Simples: esse funk começou a ser patrocinado pelo crime organizado que ditava as regras e exigiam mudança nas letras, daí essa guinada de 360 graus. Nesse ponto não há diferença desse ritmo com o sertanejo universitário, que tem seus artistas patrocinados por empresários mais "limpos" entretanto sedentos de encher seus bolsos sem preocupação em contribuir com algum conceito estético ou artístico. Esse funk e esse sertanejo podem entrar no panteão da Arte pelas portas dos fundos mas certamente entram pela porta da frente no tocante a arrecadação e circulação de capital. Não quero afirmar que essa perversidade seja de exclusividade desses ritmos mas consigo enxergar muito mais Arte em outras expressões musicais, mas espero deixar claro que isso é apenas uma questão emocional, e a música tem que ser isso, tem que comunicar com o interlocutor e tocá-lo. Quanto ao fato de se ter a música de Amado Batista na cabeça tem muito mais a ver com a estrutura melódica próxima de um jingle que é produzida pelo cantor sabido de tais artimanhas no intuito de fazer a música "grudar" na sua cabeça ( o que não é privilégio dele, tal fato acontece muito com a música POP e com o Rock também ). POr enquanto é isso...

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  9. Não vou resistir à piada:

    A música tem que tocar, e algumas meninas são mesmo tocadas nos bailes funk...

    há há há

    Como eu sou engraçado!!!!!

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  10. E mais uma coisa:
    A música que fala de liberação sexual é encabeçada hoje pelo funk, alguém tem que estar na vanguarda, levar os tiros, ser objeto de ódio.
    Esse rock bono vox é uma grande merda, mais retrógrado que Wagner, mais pretencioso que Wagner...

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  11. Quis dizer mais pretensioso que Mahler...

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