domingo, 5 de maio de 2013

De menor, Levi Strauss e Disney World

           
               Supondo que um dos estádios da copa do mundo se encha com cem mil pessoas.
             Se o estádio estiver em São Paulo, há a possibilidade de vinte destes cem mil torcedores serem assassinados no período de um ano.
             Se o estádio for em Maceió, cem seres humanos em cem mil seriam assassinados.
             No Afeganistão 19 em cem mil.
             Na Inglaterra 7.
           A média mundial por mortes violentas no mundo é de dez por cem mil habitantes, no Brasil é de vinte.
       Isto significa o que está posto: em uma multidão com cem mil pessoas, no Brasil vinte seriam assassinadas em média, em Maceió cem pessoas em cem mil.
             Em um único ano.
             Me repito?
             Um dado diferente:
             No Brasil de cada cem assassinatos apenas 10 assassinos são presos. De cada cem presos menos da metade é condenada. Dos condenados a média do tempo na prisão é de  menos de dez anos. 
              Nos Estados Unidos de cada cem assassinatos metade é desvendado, na Inglaterra 92% dos assassinos são presos.
             A vida vale muito pouco por aqui.
             No Brasil há algumas verdades inconvenientes que não estão no horário nobre, enquanto o discurso policial é exaltado.
          As estatísticas apontam que negros, com baixa escolaridade, moradores de periferia, são as principais vítimas. É a nossa guerra civil particular. Assuntos pouco tratados por especialistas, mais interessados em se especializar, enquanto a voz é dada aos programas vespertinos, com o pobre chegando em casa ao fim do dia e assistindo às pessoas sendo assassinadas em Full HD, quase ao vivo, repetido à exaustão, comentado à sofreguidão.
             Nesse momento há punições, prisões, mostram o bandido algemado, humilhado, típico de tempos piores com Gil Gomes, Afanásios Jazadjjis, Aqui e Agora. Notícias populares que escondem a verdadeira verdade que poucos sabem, poucos se interessam em saber e muitos querem mesmo esconder:
              "O Brasil é o país da impunidade, mas não o país da impunidade pra menores, políticos e ricos. É o país da impunidade para todos. Ricos e pobres, altos e baixos, gordos e magros." E é claro, nesta impunidade extrema os pobres são os que sofrem muito mais, não temos dinheiro pra pagar segurança particular.
              Se todos os mandados de prisão fossem cumpridos teriam que construir o triplo dos presídios que existem por aí.
              Se todos os crimes fossem solucionados e levassem os criminosos à prisão teriam que multiplicar  por trinta o número de celas. 
            Sou muito a favor da redução da maioridade penal, mas também sou a favor de responsabilização dos pais. Cara, sou a favor de tanta coisa. Por exemplo, sou a favor de investigação e punição. E claro, policiamento ostensivo, mas que ninguém se engane, sou muito a favor de investimento maciço em educação e de uma escola não obrigatória que revolucione o relacionamento das famílias com esta, para que a única forma de os pais se relacionarem com o Estado não seja pelas fardas policiais.
              Claude Levi Strauss diz em seu famosíssimo "Tristes trópicos" que saímos da infância sem passar pela adolescência, por isso a sociedade brasileira não possui em si alguns conceitos básicos tais como: leis, cidadania, ética, bem comum.
              Por isso que quando a caixa do banco te dá dinheiro a mais você não devolve e se devolve te consideram babaca, por isso que quando ninguém está olhando você passa o sinal vermelho, estaciona na vaga pra deficiente, joga papel na rua, desrespeita o professor, compra a juros e não paga, nem pensa no que comprou. Por isso que fazemos gatos na rede elétrica, compramos softwares piratas, roubamos internet e TV a cabo do vizinho, votamos em quem rouba mas faz. Pior do que tá não fica. Por isso deixamos a cargo da escola a educação dos filhos, pagamos pra não sermos multados pelo guarda de trânsito, estupramos e não matamos, queimamos índios e dentistas e não somos presos porque a lei está do nosso lado.
              A lei deveria agir como regulador, não como controlador. A constituição não deveria ser super ego de ninguém, por isso que ao tomarmos consciência de que não haverá punição a curto prazo, agimos desonestamente, mesmo porque o reflexo das ações de nossa micro desonestidade é sentida de forma macro e nunca nos responsabilizamos pela merda transbordando nesta privada amoral e antiética.
             Acredito ser a diferença entre país e nação. Falta-nos muito pra sermos uma nação.
             E polícia aliado a punições, apenas, não transforma territórios em nações, se fosse assim a Somália, que é um dos países mais punitivos do mundo seria o melhor lugar pra se viver.
            A nossa doença social passa por uma reformulação completa da constituição aliado a massivo investimento em educação e formação, inclusive dos que já saíram da escola há muito tempo.
             Os canais de TV estão aí pra isso, deveriam formar e não deformar com idiotias religiosas de madrugada, imbecilidades comerciais pela manhã, trivialidades bizarras à tarde e mentiras simples e puras à noite.
              Vivemos em um estado de completa alienação ao futuro ou ao passado, num eterno momento presente, sendo que este nunca está isolado, assim como não estamos sozinhos no planeta, muito menos no universo segundo sérios cientistas.
                 Nossa falta de respeito pelo outro é fruto do nosso caldo de cultura. Levará séculos pra amadurecermos, ou décadas, dependendo das atitudes que tomarmos hoje.
               Deveríamos começar descriminalizando a venda, porte e consumo de todas as drogas que existem. Desta forma acredito que mais da metade dos presos seriam soltos, ficariam presos os traficantes assassinos, deixando espaço para bandidos de verdade cumprirem pena. E isto não se trata de apologia ao crime, trata-se de justiça
              Começaríamos por retirar da prisão quem não deveria estar lá.
             Seria cômico se não fosse trágico: João matou duas crianças, se apresenta três dias depois à delegacia e sai pela porta da frente; José traficou dois quilos de maconha e passa dez anos preso; Maria atropelou Marcos e após depoimento e pagamento de multa por excesso de velocidade apenas responde por homicídio culposo; Rita roubou um uísque do supermercado e, pega, responde ao processo sem direito a fiança; o filho de Rita estupra e mata uma menina de dez anos na noite em que comemorava seus dezoito anos, no dia seguinte foi preso, mas como tudo aconteceu antes das onze da noite o menor responde ao processo numa instituição para menores, será posto em liberdade em no máximo três, bem antes de sua mãe alcoólatra ladra de uísque.
                 É do senso comum a crença de que político no Brasil não responde aos crimes que comete. E deveria. Mas no Brasil quase ninguém responde aos crimes que comete. Uma sociedade imatura e doente, é o que somos. A cura precisa chegar logo, porque a maioria de nós será idosa no futuro, e imagine como uma sociedade como esta tratará seus velhos. Falo em causa própria, também serei velho neste futuro, se não morrer vitimado por esta violência urbana bem antes, afinal, todos estamos nesta multidão enchendo este estádio de cem em cem mil.
                  Estudando a história do combate ao tráfico de drogas no mundo percebo que anteriormente ao século XX não havia violência urbana significativa relacionada a esta questão, a violência era relacionada à questões sociais como luta por melhores salários, condições de trabalho e vida. Os sindicatos trabalhistas eram os maiores perseguidos.
               Os estadunidenses resolveram esta questão de forma exemplar, tanto que venderam a ideia para o resto do mundo: investiram maciçamente na indústria do entretenimento e esportes e policiaram o consumo de drogas; resultado? os debates mudaram, deixaram de ser sobre o patrão que não dava aumento para ser sobre quantos pontos o rebatedor fez no último jogo, se foi ou não impedimento, se foi ou não falta, quando será a visita à Disney World, o novo carro (esporte), o novo telefone (com internet), a nova conexão (4G).
                O tráfico de drogas apenas fez parte do pacote que proibiu o consumo do álcool, maconha e demais drogas. O álcool perceberam de pronto que não conseguiriam, assim como não conseguem com as demais, mas enquanto o álcool era consumido por todos, a maconha tinha no povo negro o maior mercado consumidor. Isto mesmo: a origem da guerra ao tráfico é o preconceito racial.
                 E mesmo que você discorde de muito ou tudo o que digo neste artigo, é óbvio que estamos em perigo: balas perdidas, assalto, sequestro, estupro, furto, alguém pode nos atropelar e levar nosso braço pra jogar num rio (e nem ser punida por isso).
              Mas o que fazer? Faltam culhões aos que se importam com a questão, falta educação aos que sofrem e falta honestidade aos que têm o poder de mudar algo. Falta o Brasil como nação.
               Porque enquanto uma pessoa é morta a cada cinco minutos no Brasil, os presidenciáveis discutem a próxima eleição. Não há projetos de governo no Brasil, há projetos de poder. Temos nomes para os próximos mandatos e não projetos claros para resolver questões básicas como a nossa própria segurança, a dos nossos filhos.
              Mas foi o que já disse em outro artigo deste blog: sempre há alguém ganhando com isso. Se pergunte quem ganha com a violência, a resposta é óbvia: empresas de segurança, armas, o tema principal da próxima eleição que servirá de plataforma para eleger algum sacana que não está nem aí com o que aconteceu com as milhares de Isabelas Nardonis ao redor do Brasil inteiro.
                   Infelizmente ainda não somos uma nação. Falta muito, e nos falta muito, do pequeno ao grande, do exterior ao centro, e esta mudança não virá de fora pra dentro, tem que ser urgente, firme, corajosa, ousada e tem que incomodar. E disto nasce minha descrença, desacredito e muito.
                 Queria acreditar um pouco mais. Mas está chegando a copa e deixe-me torcer em paz pelo meu Brasil pentacampeão do mundo, o melhor de todos, inimigo da Argentina, mais poderoso que a Itália, mais vitorioso que a Alemanha.            

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